As pedaladas rumo ao futuro de São Paulo

São Paulo é berço do mais ruidoso cicloativismo brasileiro. Em terras paulistanas os ciclistas souberam se fazer ouvir. Criaram a maior massa crítica a tomar as ruas, mas infelizmente ainda não tinham sido alcançados os resultados. Mesmo com uma militância pró bicicleta na ativa há mais de 30 anos.

A cidade pende entre diversas pressões e durante o século XX sucumbiu ao rodoviarismo e a especulação imobiliária predatória. A bicicleta nesse contexto vem para dar um alívio e mostrar novos horizontes aos cidadãos, ao ambiente urbano como um todo e certamente promover uma evolução capaz de influenciar todo o país. O motivo para esperança gira ao redor de um número: 400.

A promessa pública da administração municipal é de ter 400 quilômetros de infraestrutura cicloviária permanente nas ruas e avenidas de São Paulo. Será feito onde é possível, será feito onde é necessário, mas acima de tudo será feito. O desafio para quem promove a bicicleta portanto passa a ser outro, ao invés de lutar contra a inação, finalmente chega a hora do “cicloativismo” paulistano mudar a marcha. Sair do confronto reivindicatório rumo a uma parceria com a cidade e seu corpo técnico encarregado de implementar a infraestrutura para as bicicletas.

Gestores públicos vão e vem periodicamente troca-se o nome de quem comanda a máquina municipal, dos que falam pela cidade e que buscam produzir um legado ao redor de seu nome e/ou para seu partido político. Abaixo de quem se mostra aos jornais está uma massa técnica que permanece acima das indas e vindas ao sabor das urnas. É hora de deixar de lado o cicloativismo e passar a atuar na promoção ao uso da bicicleta.

A bicicleta em São Paulo mudou de marcha

Dois trechos da entrevista do secretário de Transportes deixam claro que mudou o discurso:

A cidade de São Paulo está atrasada em relação a isso [criação de infraestrutura cicloviária], mas vai ficar muito avançada daqui uns dois anos pelo menos. E vai ser uma conquista da cidade, veio pra ficar.

Eu acho que a cidade comportaria pelo menos mil quilômetros de ciclovia. Nós seríamos a cidade no mundo que mais teria ciclovias. Não seria fantástico isso?

Entrevista com Jilmar Tatto – 400km de ciclovias em São Paulo from Vá de Bike on Vimeo.

Entre o discurso e a prática, São Paulo já começa a ver nas ruas uma nova cor, o “vermelho ciclovia”. E as cores oficiais para o viário da bicicleta no Brasil tem se espalhado com uma velocidade de deixar qualquer ciclista no mínimo animado. Pela primeira vez a vontade política em favor da bicicleta pode ser vista nas ruas, com infraestrutura permanente em uma expansão que é acima de tudo uma bandeira política.

A atual administração se apropriou da bicicleta na cidade como veículo de promoção da cidadania e de transformação urbana. Cabe agora a quem já pedala se apropriar das mudanças e adequá-las as necessidades da cidade. Uma missão quase simples, ter mais paulistanos em mais bicicletas mais vezes.

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criando uma demanda que não existe – as bicicletas

Há motivo para otimismo nas ruas do Rio

Foto: Dandarah Jordão

Foto: Dandarah Jordão

Em meio aos preparativos e expectativas para Copa do Mundo e Olimpíadas uma transformação em curso nas ruas do Rio tem o potencial de deixar marcas para o futuro do Rio de Janeiro. As pressões pela melhoria do transporte público e a expansão da malha metroviária estão longe de serem atendidas. E antes das mudanças grandiosas com obras vultosas, a bicicleta foi capaz de entrar na agenda de transformação urbana pela sutileza.

O Rio de Janeiro sonha em ser metrópole mundial. O metro quadrado absurdamente caro já tornou esse lado perverso das grandes cidades mundiais uma realidade. As pressões e dificuldades para que a população se adapte estão postas nas ruas, avenidas e nas expansões urbanas mais vistosas. Novamente a bicicleta surge, sutil. Toda cidade “de classe mundial”, capaz de influenciar o futuro urbano do planeta adotou a bicicleta. Nos sonhos cariocas portanto, impossível não promover as pedaladas.

No embate entre sutileza e grandes obras, há muito debate necessário a ser travado. Mas é preciso sempre lembrar que gratuita e acessível para todos, a bicicleta é aquela ferramenta sutil anti-gentrificação. Veículo que precisa da diversidade de gente, de negócios e moradias. A cidade da bicicleta, aquelas de classe mundial e tudo o mais, integra melhor seus moradores ao tecido urbano com moradias e empregos próximos e claro, uma população com uma renda suficiente para ser capaz de arcar com os custos de moradia.

A invasão das bicicletas no centro do Rio de Janeiro traz consigo uma meio de subverter uma cidade sonhada somente para quem pode pagar (caro) por ela.

Por mais afeto nas ruas

Houve um tempo em que as pessoas estavam acima das máquinas nas cidades.

Ao que tudo indica, depois de décadas desumanas nas ruas há um pouco de amor que se prolifera no leito do asfalto e em todos os intervalos entre o concreto dos prédios, viadutos e túneis.

É preciso um olhar atento para descobrir por onde caminha subversão urbana em curso. Quem prestar atenção irá ver ela vem através do amor pela bicicleta.

Em cidades desumanas é preciso uma máquina para explorar as rachaduras de um ambiente construído para veículos motorizados. Confinados e desvalorizados, os cidadãos que por ventura estejam a pé carecem de união pela paixão de caminhar para unirem-se na transformação urbana que lhes seria benéfica.

Certamente a desvalorização ampla do caminhar impôs uma estrutura urbana que é simplesmente inviável para o pedestrianismo. Por conta disso, a bicicleta tornou-se o veículo perfeito para defender a humanização de espaços urbanos. Só um veículo industrial que potencializa a força humana seria capaz de quebrar resistências e encurtar distâncias. Distâncias que foram pensadas para serem percorridas por pessoas em máquinas transformaram em desnecessário o esforço humano.

De zero ao próximo semáforo vermelho em poucos segundos é a rotina de desamor que se acostumaram os habitantes das cidades. Pela força nada irá convencer um condutor de um motorizado a mudar de atitude ou se quer rever comportamentos. Mas a suprema ironia da eficiente bicicleta em meio aos excessos do congestionamento é mensagem clara, que mesmo assim não basta. Uma única bicicleta circulando em meio ao trânsito motorizado é a imagem de um cidadão fora do contexto social vigente.

Pela necessidade de serem o trânsito que nasceu o movimento da Massa Crítica e das bicicletadas. Foi o momento em que paixão pela bicicleta começou a se misturar com ativismo político em prol da bicicleta. Muitos queriam apenas pedalar, outros já viam o potencial político transformador que a bicicleta imprimia nas cidades em seu simples girar pelas ruas. A mistura entre amantes de um objeto e ativistas é capaz de levar a transformação urbana até certo ponto.

A partir de determinados obstáculos, não é mais possível apenas unir-se em bando e pedalar tranquilo entre amigos. É preciso influir diretamente na organização espacial das cidades. Uma atuação política real que represente de maneira clara para todas as pessoas da cidade a real função da bicicleta. Que a torne mais que um objeto, uma ferramenta de subversão urbana capaz de simplesmente colocar os deslocamentos em função das pessoas em detrimento das máquinas.

Quando a bicicleta se torna uma opção para todos, a infraestrutura urbana tende a se comprimir para uma escala mais humana e as distâncias podem ser percorridas de diversas maneiras. O veículo motorizado particular deixa portanto de ser a opção mais encorajada e torna-se apenas mais uma.

Viveremos para ver e celebraremos.

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Ciclovia no centro do Rio – Foto: Studio-X Rio

A construção de um plano cicloviário

Os impactos da bicicleta na percepção das cidades pelos ciclistas são quase óbvias. O desafio está em alastrar a mudança na visão do ambiente urbano para pessoas que por acaso ainda não pedalam.

Uma das formas, simbólicas, está na sinalização do asfalto. Um espaço que foi simbolicamente promovido como pertencente as máquinas, quando na realidade é apenas uma rua, local de uso múltiplo e cidadão para circular e viver a cidade.

O Rio de Janeiro definiu que o compartilhamento das ruas é meta e tem investido nessa maneira simples de dar um novo significado as ruas para que elas possam voltar a ser das pessoas. Espaço de circulação seguro para seres humanos, sejam qual o meio de transporte que as pessoas optem por utilizar em seus deslocamentos.

São apenas pinturas no asfalto, mas também um primeiro passo para definir como será o asfalto e o espaço das ruas no futuro.

Enquanto isso em São Paulo, os amigos da Ciclocidade pressionam para que bicicletas no asfalto tornem-se o símbolo da mudança de percepção que as cidades precisam. Iniciativa que mostra o valor da representação do espaço das ruas como áreas para bicicletas e, naturalmente, para pessoas. Uma questão quase óbvia, mas que ainda tem um longo caminho até ser senso comum.

Veja o mapa das rotas cicloviárias do Centro do Rio de Janeiro.

Um bairro para pessoas

Simulação do Túnel Major Rubens Vaz

Simulação do Túnel Major Rubens Vaz

Quem pedalava em Copacabana sempre soube que o bairro era perfeito para os deslocamentos em bicicleta. Um microcosmo em que tudo estava disponível a apenas algumas pedaladas. O mercado, a farmácia, a escola, o escritório, a praia e o metrô. Uma pequena cidade autossuficiente em muita coisa e com fácil acesso a outras vizinhanças.

Natural portanto que em meio a tantas ruas sem espaço para mais carros o morador do bairro e também os prestadores de serviço saberem que a bicicleta era a melhor solução. Para facilitar a vida de quem mora e circula pela bairro apresentamos ainda em 2008 um plano cicloviário para Copacabana. Ruas com velocidade máxima de 30km/h, número mágico que facilita a fluidez e segurança das pessoas.

Do papel a idéia ganhou as ruas em forma de plano piloto que se espalhou pela cidade. Agora a conquista se consolida e Copacabana será mais do que um exemplo piloto, mas uma implementação real de como podem ser os bairros cariocas do futuro. Afinal, o projeto piloto de anos atrás já chegou a outras regiões do Rio de Janeiro.

Simulação do BikeBox na Rua Hilário de Gouveia esquina com Nossa Senhora de Copacabana

Simulação do BikeBox na Rua Hilário de Gouveia esquina com Nossa Senhora de Copacabana

Mais do que um plano que sai do papel, as Zonas 30 de Copacabana são o símbolo máximo de respeito a circulação das pessoas. Serão consideradas parte da malha cicloviária, afinal a sinalização irá deixar claro a todos que os veículos automotores serão permitidos e cidadãos em bicicleta serão os convidados especiais. e

Rua Toneleros com Rua Anita Garibaldi

Simulação de travessia na Rua Toneleros com Rua Anita Garibaldi

Exemplo de mobilidade em bicicleta, Munique na Alemanha tem grande parte dos seus 1.700 km de infraestrutura para bicicletas como Zonas 30, assim como Viena na Austria e diversas outras cidades. As Zonas 30 são o acesso a porta das pessoas, ruas residenciais que recebem tratamento especial para garantir a mobilidade sem destruir a vizinhança.

A esperança é que Copacabana passe a ser o bairro mais completo do país quando se fala em infraestrutura ciclística e sirva de inspiração para todo o Rio de Janeiro e por consequência o Brasil.

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