Planejamento urbano para pedestres

Barreiras para pedestres em travessa - foto via Mapillary

Barreiras para pedestres em travessa – foto via: Mapillary

O simples ato de caminhar pelas ruas de grandes cidades brasileiras pode ser revolucionário, ou no mínimo contra cultura. Muito da lógica de engenharia que constrói rodovias é ainda hoje aplicada no desenho e planejamento para a fluidez do espaço de circulação urbano.

Entender e definir trajetos para o fluxo de pessoas e cargas sempre foi uma necessidade urbana, mas um aspecto fundamental ficou de fora quando se institucionalizou o rodoviarismo urbano com prática padrão. Esquecemos das ruas como um componente vital de zonas urbanas, estrutas que impactam diretamente a qualidade de vida da população local.

A importância de marcadores de qualidade para o trânsito pedestre é tão fundamental que é preciso lembrar da lógica dos shoppings centers. Em cidades com primazia do transporte motorizado sobre os deslocamentos humanos, centros de compras que são locais adequados para circulação e contemplação e funcionam como ilhas de tranquilidade cercadas de estacionamentos lotados por todos os lados.

Descobrir os caminhos dos pedestres

Vista de cima a cidade é feita apenas de linhas e vazios.

Vista de cima a cidade é feita apenas de linhas e vazios.

Para entender e planejar a mobilidade é preciso “descer ao nível pedestre”, caminhar e descobrir o movimento de quem se desloca a pé. Descobrir barreiras, tais como qualidade do piso, calçadas estreitas, posts, placas, comércio ambulante, abrigos de ônibus, falta de sinalização e iluminação focada no pedestre, falta de acessibilidade, cruzamentos inseguros, caminhos indiretos, desrespeito às linhas de desejo, invasões e interferências na calçada através de carros estacionados ou obras etc.

O pedestre requer mais do que linhas e planos traçados em escritórios com ar condicionado, entender as necessidades de deslocamento urbano a pé requer um profundo conhecimento do espaço urbano, seus caminhos e seus locais de pausa.

Sinergias entre bicicletas e pedestres

Pai ciclista prefere a calçada. foto via Mapillary

Pai ciclista prefere a calçada – foto via: Mapillary

Por ser veículo e por ser compatível com velocidades humanas a bicicleta é um excelente colonizador para espaços urbanos desgastados por excessos rodoviaristas. Com um mínimo de adequação do viário existente é possível incluir mais pessoas pedalando o que invarialmente torna as ruas mais agradáveis para caminhar e gera um círculo virtuoso de promoção à qualidade de vida.

Utopias e o futuro da mobilidade

Vai acontecer em Viena, na Áustria o Walk21, um conferência mundial realizada por uma rede de organizações e pessoas que promovem a mobilidade a pé. A idéia é inspirar e envolver as pessoas através da disseminação de boas práticas e implementação de soluções que criem espaços de circulação para que mais pessoas escolham caminhar. Por mais pedestres, caminhando com mais conforto mais vezes.

O futuro da mobilidade já está aparecendo - foto via Mapillary

O futuro da mobilidade já está aparecendo – foto via: Mapillary

Saiba mais:

– Vale conferir os projetos inspiradores enviados para a seleção.
– Leia o manual de desenho urbano para pedestres elaborado pelo governo inglês.

#VaiTerCiclovia, mas as ruas continuam em disputa

Cena de uma cidade com mais bicicletas nas ruas.

Cena de uma cidade com mais bicicletas nas ruas.

São Paulo sempre se mostrou locomotiva, mas é a cidade da hegemonia do motor dependente do asfalto. Aqui os trilhos estão aquém do necessário e as ruas e avenidas, 17 mil quilômetros de mobilidade perdida. A promessa, finalmente em curso, de realizar 400 mil metros de oportunidades ciclísticas sofreu um grande ataque jurídico. O planejamento cicloviário paulistano, compromisso de campanha do atual prefeito eleito e de seu adversário derrotado foi questionado na justiça.

Por mais que as críticas e os erros sejam apontados por quem pedalava, passou a pedalar ou quer pedalar, os ciclistas do Brasil e do mundo juntaram-se em uma bicicletada mundial para defender que acima de tudo, ciclovias e ciclofaixas são uma necessidade para o presente e futuro da cidade e que nenhum retrocesso pode ser tolerado na implementação de uma malha cicloviária à altura da maior megalópole da América do Sul.

A conquista por uma praça do Ciclista na cidade de São Paulo foi trabalho de poucos, mas que rendeu frutos. Um espaço perdido, que quase flutua sobre um buraco na avenida Paulista foi primeiro nomeado informalmente, depois oficializado para finalmente ser ponto de aglomeração para protestos das mais variadas frentes. Do espaço onde nasceu o cicloativismo paulistano em 29 de junho de 2002, partiu a histórica e massiva pedalada de 27 de março de 2015. E foi nesse dia que a massa crítica mostrou-se reação em cadeia. O núcleo duro, congregação informal de corações, mentes e almas pulsantes em favor da bicicleta estava presente. Amigos, velhos conhecidos, grupo de cerca de 300 pessoas que manteve e fez crescer ali, na avenida Paulista com a Consolação, uma força local e nacional, orgânica e horizontal em favor de uma paulicéia menos desvairada e mais humanizada.

Protesto com propósito claro, reivindicação coesa e revolta reativa contra as forças do retrocesso, a bicicletada de março de 2015 foi talvez a mais efetiva da história das bicicletadas. Desde 2013 mais propensos à ouvir a voz das ruas, os líderes formais constituídos atenderam à reinvindicação das ruas e enquanto ocorria a pedalada, a ação civil pública pela paralisação das obras do planejamento cicloviário paulistano foi suspensa.

Alegria, festa. Foi esse o tom depois que pipocou aos poucos a notícia de que a expansão da rede mínima de infraestrutura cicloviária em São Paulo iria continuar rumo aos 400km e além. Passaram a ser então 300 amigos, 2.000, 3.000, 5.000 ou até 7.000 pessoas em bicicleta e à pé comemorando que uma cidade mais humana continuaria a ser desenhada.

Foram os excessos da engenharia que sonhava ser capaz de equacionar a insolúvel mobilidade das carruagens motorizadas que levaram nossas cidades ao limite. A falência de Detroit, capital da motorcracia norte-americana, e os congestionamentos paulistanos diários provam que só com ações e idéias do século XXI será possível desfazer os estragos do passado.

São Paulo está pintando vias para as bicicletas com base em planos que estavam presos no papel e muita gente descobriu a bicicleta através desses novos espaços de circulação nas ruas. Foi a liberdade e o direito à cidade que levou a maior massa de pessoas em bicicleta a pedalar pela Paulista e ficou claro que quem experimenta ser livre, não volta ao cárcere passivamente.

Cada dia mais será socialmente inaceitável defender o privilégio de uma cidade em prol da mobilidade individual motorizada, mas as ruas, antes de um espaço físico, são espaço simbólico de dialógo e disputa de poder. Pela força dos números e alegria da pedalada, houve uma vitória. Ficou claro à quem acompanhou que a bicicleta não é programa de governo, com filiação partidária. Trata-se de uma construção global e coletiva, com uma organização dispersa e em rede.

Por conta dos amigos que formaram a massa crítica de ciclistas, do esforço apaixonado de quem acredita na bicicleta como ferramenta de transformação e da maturidade humana capaz de buscar novas soluções urbanas é que #VaiTerCiclovia. Numa malha cada vez mais extensa, com cada vez mais pessoas em mais bicicletas mais vezes. Com calma, fica o desafio de não se emocionar com o registro sensível de José Renato Bergo:

Carnaval, distopia e esperança

 

Carnaval, época de retomada do espaço das ruas pela alegria contagiante das pessoas. Evento turístico, comemoração que para o país e mobiliza sua gente. Em 2015, o pós-carnaval é mais que cinza, é a própria distopia de uma grande festa que mal acaba já se transforma em ressaca.

Distopias Carnavalescas

Na passarela do samba a polêmica é sobre quem financia a festa que toma a Marquês de Sapucaí e transforma a avenida cercada de arquibancadas no “maior espetáculo da Terra”. Nas demais ruas do Rio de Janeiro e do Brasil, o debate é sobre os limites e desafios do carnaval que se faz com empolgação, suor, confete e serpentina.

Em São Paulo a distopia vem das ruas, com forças policiais reprimindo foliões e determinando o fim da festa com armas químicas e truculência. Em diversas outras capitais, o carnaval de rua oscila entre diversas fases. Entre a reconquista do espaço público e a privatização urbana na festa do rei Momo.

Os blocos baianos representam o auge da segregação. Isolada, uma elite (em geral branca) ganha espaço privilegiado nas ruas com homens fortes que seguram cordas e separam quem pagou para curtir a festa na rua e quem apenas pula tal e qual pipoca, livre e gratuitamente.

A profissionalização do carnaval carioca foi feita com o apoio da contravenção, o jogo do bicho, ou agora uma ditadura africana. A ordem paulistana é mantida somente por meio da violência, já em Salvador a festa é acima de tudo um privilégio para quem paga, enquanto os “de fora” pulam e se apertam como podem.

A esperança como desafio

O dilema brasileiro está resumido também no carnaval e nos usos das ruas. A pulsão de alegria é contagiante e nos move e ao mesmo tempo ficam expostas as alianças com a ilegalidade, com a violência e com a segregação.

Encarar o uso das ruas, em festa ou no dia a dia é o desafio civilizatório do nosso tempo. O desejo por humanizar os espaços está presente, tem “demanda reprimida”, tem alegria, força e prazer.

Sejamos carnavalescos durante todo o ano, lembrando sempre das forças destrutivas que nos cercam e impõe desafios. Sambemos, pedalemos e que as ruas possam ser livres para cada vez mais pessoas, mais vezes.

Leia mais:

Primeiros passos na rua

Há para quem nunca antes existiu, novidade em cada metro de calçada. Passear na rua com uma criança de colo que começa a dar os primeiros passos é das mais renovadoras experiências urbanas.

Primeiro uma forte dose de medo da imprudência alheia. Uma entrada de garagem para um motorista apressado representa um risco, a mão adulta que ajuda a firmar os passos é também a que restringe o rumo em direção ao outro lado. A cratera mortal por onde circulam as carruagens de aço é invisível aos olhos da pureza infantil. Resta ao adulto dilapidar seus medos e conduzir a aventura.

Feito de metal, meio frio, com algo fixo lá no alto esse é o poste com uma placa com as regras de estacionamento. É grande e se estende mais alto do que qualquer outro ser humano vivo. Vale uma pausa para contemplação.

Nas calçadas entre a rua e os prédios, tem existem também misteriosos objetos feitos de trama de ferro. Vazios são simplesmente misteriosos, mas em determinados horários são receptáculos mágicos onde se coloca o lixo. Um portal transdimensional das ilusões humanas quanto ao destino de seus resíduos. Objetivamente é sujo, para uma criança é fixo e parece flutuar no ar.

Isolada por um degrau que surge quase do nada mora a dona árvore. Um ser vivo que desperta curiosidade para quem nasceu em meio ao mundo criado e manipulado por forças humanas. O tronco firme e rugoso merece o toque, mas a falta de intimidade não convida ao abraço.

Do outro lado da rua caminha um cão, com coleira e um homem que o guia. Não existe homem, não existe rua e o vale da morte que ela representa, há apenas um cachorro que é digno de ser apontado e atraente para que se queira mudar de calçada. Tudo para e logo surge outro ser peludo, quatro patas no chão e bem pertinho.

Outra lixeira, mesma curiosidade. Outro poste, deslumbramento. O mundo inteiro construído está ainda por ser descoberto. Cada passo dado na cidade por uma criança fornece a dimensão dos erros cometidos e concede uma pequena dose de esperança quanto as possibilidades do nosso futuro urbano.

Fossem delas essas ruas, não seriam cobertas de ladrinhos, apenas livres para traçar caminhos erráticos, sem linhas retas e com o rumo único das descobertas.

Cidades adequadas ao tempo das crianças

Férias, Natal, Ano Novo. Correria, ansiedade e fuga da rotina. Estradas lotadas em uma corrida maluca pelo oásis de paz que buscamos durante mais de 300 dias, mas que precisa se concretizar no curto período de recesso e descanso.

Convém olhar para as crianças, sentir os efeitos que a vida adulta tem sobre elas e principalmente o desgaste que sofrem simplesmente por terem de viver o ambiente urbano. Um pouco de ar, liberdade, ar livre, contemplação e tranquilidade. Todos itens valiosos que ficam esquecidos em algum cruzamento de avenidas.

Uma cidade sempre é melhor quando pensada para quem mais precisa dela. Cadeiras de rodas são excelentes ferramentas para o planejamento da mobilidade urbana, já que ao se adequar o espaço para a circulação de cadeirantes, todos se beneficiam. Da mesma forma a cidade ganha muito quando se reduz a velocidade urbana para garantir espaço e tempo para a liberdade infantil.

A velocidade nessa caso se aplica a muito mais do que os limites de circulação viária que salvam vidas, garantem fluidez maior e garantem a segurança de todos. Velocidades adequadas as crianças é também uma garantia que poderemos oferecer a elas o que precisam, no tempo que não as oprima.

Garantir silêncios, conhecer a calmaria que nada tem de tédio. São apenas dois elementos que irão criar adultos menos a feitos a fugirem de si mesmos e com a necessidade de buscar emoções e adrenalina constante.

Nas palavras de Ligia Moreiras Sena que ajudou a inspirar esse texto:

 

Estejamos atentos.
Onde houver criança, que possamos ir mais devagar.

 

Feliz 2015 e por um século com cada vez mais pessoas em mais bicicletas mais vezes.

Leia mais:

Devagar: crianças| Ligia Moreiras Sena