A reinvenção do mundo, pedalando

O jornalista Arthur Dapieve escreveu uma resenha sobre o livro “Diários de Bicicleta” que foi publicada no jornal O Globo em 11 de dezembro de 2009. Mais do que bicicletas, o livro de Byrne fala sobre cidades, pessoas, culturas. Tudo pela perspectiva de quem, por acaso, utiliza a bicicleta como seu principal meio de transporte terrestre.

O Leonardo pop

Byrne reinventa o mundo pedalando

David Byrne chegou à capa da “Time” na edição datada de 27 de outubro de 1986. Ele já não era nenhum novato _ os Talking Heads haviam sido formados onze anos antes _ mas a revista reconhecia mais que isso. Segundo ela, Byrne era um homem da Renascença no rock, um Leonardo Da Vinci no CBGB’s por conta de seus múltiplos talentos: música, claro, artes plásticas, espetáculos de dança e, este o gancho, um filme, “Histórias reais”.

O diretor e co-roteirista viria dos Estados Unidos apresentar a sua obra no então FestRio, semanas depois. “Histórias reais” era uma alegoria travestida de documentário. Ou vice-versa. O personagem de Byrne visitava a fictícia cidade de Virgil, Texas, como se tivesse acabado de chegar de Marte. Lá, ele se inteirava de estranhos tipos humanos e de bizarras formas de organização social. Seu olhar era cândido, irônico, brilhante.

Bem, reencontrei o homem da Renascença no melhor livro que li em 2009, “Bicycle diaries”, blague de um velho latinófilo com “Diários de bicicleta”, de Che Guevara, levado ao cinema por Walter Salles. A capa dura vermelha da editora Viking protege o pedalar e o pensamento de Byrne por Berlim, Istambul, Buenos Aires, Manila, Sydney, Londres e um punhado de cidades americanas, em especial São Francisco e Nova York, onde este escocês sossegou depois de passar a infância em Hamilton, Canadá, e a adolescência
em Baltimore.

Aos 57 anos, Byrne pedala habitualmente por toda Nova York. Ele conta que já teve de se desviar de Paris Hilton, que atravessava a rua com o sinal vermelho para pedestres, o seu cãozinho na coleira e a expressão “eu sou Paris Hilton, você não me reconhece?” na cara. Em viagem, ele carrega uma bicicleta dobrável, o que lhe permite sentir o clima com mais liberdade do que se estivesse de carro e mais abrangência do que se andasse a pé.

O escritor inglês Will Self gosta de fazer quase o mesmo caminhando, às vezes até do aeroporto ao centro de uma cidade. Em “Psychogeography”, de 2007, ele diz que aderiu a longas caminhadas “como um meio de dissolver a matrix mecanizada que comprime o espaço-tempo e desconecta o humano da geografia física”. No capítulo dedicado ao Rio, Self ganha o apelido de Hitler na vizinhança suspeita de seu hotel por carregar o pocket de “Ascensão e queda do Terceiro Reich”, de William L. Shirer, com uma suástica na capa.

O estilo de Byrne é diferente do de Self. Não apenas no meio de transporte. Se o inglês é gongórico-misantrópico, como sempre, o nova-iorquino é cristalino-humanista. Pode-se ler “Bicycle diaries” como uma sequência de posts num blog. Claro, um blog bem escrito e não-ególatra, cujos tags seriam ciclismo, urbanismo, artes plásticas, arquitetura, música, história, sociologia, psicologia, antropologia. O homem da Renascença, lembre-se.

Byrne articula esses posts não apenas por cidades _ algumas visitadas mais de uma vez no decorrer dos anos_ mas também por assunto. Cada capítulo constitui um pequeno ensaio, com um tema central. O de Istambul, por exemplo, trata das tensões entre Ocidente, representado por um festival de rock proibido, e Oriente na cultura turca. O de Sydney trata das hostilidades da natureza australiana com o ser humano, como se uma dissesse ao outro “você não é bem-vindo aqui”, e do colonizador europeu com os nativos aborígenes.

Ele descreve como o sapo-cururu, introduzido na Austrália para combater insetos nas lavouras, tornou-se ele mesmo uma praga, e uma praga cuja pele secreta um veneno que, em pequenas doses, causa delírios e, em grande doses, pode matar. Alguns cães ficaram viciados em lamber sapos-cururus. “Pessoas também morreram por causa deles”, escreve Byrne. “Porque, como nos cães, uma lambida num sapo-cururu pode estimular alucinações que duram cerca de uma hora, e alguns caras não são tão espertos quanto cães.”

São essas pequenas iluminações, centenas delas, às vezes zen-budistas, que tornam “Bicycle diaries” tão bom. Byrne é um três-em-um: viajante não-etnocêntrico, observador inteligente e escritor habilidoso. Pegue-se o post do aviso na porta giratória da catedral de St. Paul, em Londres: “Esta não é outra senão a casa de Deus. Este é o portão do Paraíso.” Byrne se espanta com tamanha solenidade numa mera porta giratória e conjectura: “Acho que diz isso de trás pra frente quando você está dentro.”

Na pesquisa para o estranho projeto de um filme que relacione Imelda Marcos e cultura discotèque, Byrne vai parar em Manila. Pedalando pela orla da cidade, ele se espanta com a quantidade de karaokês e toma conhecimento de que alguns filipinos reclamam para o país a invenção dessa modalidade de diversão. Aí vem a sacada: “Há até um canal de karaokê na TV. Infinitos vídeos baratos e cafonas com música tocando e letras rolando. Você pode ficar em casa e cantar junto com a sua televisão. É como algum tipo radical de obra de arte conceitual _ mas, diferentemente de arte conceitual, é superpopular.”

“Bicycle diaries” termina com uma série de desenhos sugeridos por Byrne para novos bicicletários em Nova York. O homem da Renascença, lembre-se.

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“Diários de bicicleta” acabou de sair no Brasil, pelo selo Amarilys, da editora Manole, com prefácio de Tom Zé. A versão brasileira, amarela, está tão bonita quanto a americana, mas sobre a tradução que apenas folheei qualquer comentário seria precipitado.

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Receita para SAMBA

SaMBA

As bicicletas públicas cariocas fazem parte de uma grande receita para oferecer mais opções e variedade para quem precisa ir e vir na Cidade Maravilhosa.

Para pedalar são necessários os seguintes ingredientes:

– Um computador com acesso a internet
– Um cartão de crédito
– Um telefone celular

Para sair pedalando o usuário deve se cadastrar no portal mobilicidade.com.br e escolher um passe diário, semanal, semestral ou anual.

Após o pagamento utilizando o cartão de crédito o novo ciclista deverá seguir para a estação mais próxima. Ao chegar lá, basta ligar para a central telefônica do sistema. Quem ligar do telefone cadastrado é automaticamente reconhecido pelo sistema. Para quem ligar de outro telefone, uma gravação irá pedir que o usuário digite alguns dados. Depois, basta informar o número da estação e a bicicleta escolhida. Esse passo requer atenção. É sempre bom conferir se está tudo em perfeito estado na magrela. A pressão dos pneus e os freios são os detalhes fundamentais.

Cada preparo com o telefone celular rende uma porção sem custo adicional de 30 minutos para pedalar. Os minutos seguintes são tarifados. Para devolver a bicicleta após o uso, basta seguir até uma estação e prender a magrela. Uma luz verde irá acender. Quinze minutos depois o usuário já pode pegar qualquer outra bicicleta.

Rendimento: Preparar a sua própria bicicleta de aluguel irá render porções generosas de satisfação ao usuário. Tudo sem custo com manutenção e a disponibilidade de bicicletas de qualidade para pedalar sem se preocupar com estacionamento.

Efeitos Colaterais: As bicicletas públicas funcionam com o um enorme incentivador para mais e mais pedaladas nas cidades. E são imbatíveis para distâncias curtas dentro dos bairros e integradas ao transporte público possibilitam ainda mais mobilidade para a população.

Transporte Ativo Náutico


Pedalinho na Lagoa
Foto de dysprosio

Pedalar não necessariamente envolve duas rodas. Um veículo simples e popular nas lagoas brasileiras é o pedalinho. Basicamente dois pares de pedais responsáveis por tracionar o pequeno barco na água.

Perfeito para o lazer o veículo prosaico é excelente para um passeio com a família ou um encontro ao ar livre para casais apaixonados. Afinal ambientes humanos são sempre melhores quando os veículos que circulam causam o mínimo impacto possível.

Urbana à Holandesa

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foto Edu

A Monark Brisa ainda é fabricada. No entanto, a versão testada é bastante diferente da que sai hoje da fábrica. Parte da família desde os anos 80, a bicicleta tem um charme todo especial. Quadro com curvas sinuosas e um par de tubos mais finos acima do principal. Bagageiro e paralamas completam o visual urbano.

Originalmente toda rosa (incluindo o selim), o modelo testado sofreu algumas modificações estéticas e de conforto, além de um conjunto de freios superior ao original. No entanto toda a relação de transmissão continuou a mesma. Foram trocados os freios, guidão, punhos, manetes de freio, selim e canote. O sistema de frenagem era a parte mais carente de modificações da bicicleta original e como os manetes eram soldados ao guidão, as modificações acabaram sendo grandes. No entanto as características originais foram preservadas, principalmente no que tange a posição de pedalar. O selim bastante acolchoado (ao contrário do original) e com duas molas (o original tinha apenas uma) foi uma opção em nome do conforto.

Naturalmente que quanto mais confortável e maleável o selim, maior a perda de desempenho na pedalada. Mas numa bicicleta com velocidade máxima de 25 km/h (no plano) devagar e sempre é o lema e um bom assento para admirar a paisagem é fundamental.

Com uma coroa de 46 dentes e peão de 18 a Brisa é capaz de subir pequenos aclives e também preserva uma boa arrancada, fundamental no trânsito urbano. Um grande diferencial do veículo e que confere não só charme como também uma performance diferenciada são os aros de 27″. A dificuldade de vencer a inércia efetivamente é um pouco maior, no entanto, depois de embalar as rodas tendem a seguir girando mais facilmente do que se fossem de 26″ polegadas. Esse pequeno detalhe contribui para que o ciclista possa economizar um pouco de energia.

Boa de pedalar a Brisa é também uma bicicleta com “facilidades de estacionamento”. Mesmo com a pintura em spray e vistosos adesivos da Transporte Ativo é um veículo bastante simples. Simplicidade no caso se traduz em baixa atratividade para o furto. Com isso torna-se perfeita para pequenos passeios, ir ao mercado, ir ao cinema perto de casa à noite ou qualquer giro curto pela cidade.

Há também uma exclusividade para os cariocas, a Brisa é capaz de transportar um ciclista feliz até a praia num fenomenal fim de tarde, ficar presa num paraciclo do calçadão, aguardar o retorno do banhista e seguir com ele de volta.

Por não ter um sistema complexo de transmissão a bicicleta ganha em praticidade também na hora da manutenção. Essa característica somada aos excelentes paralamas que isolam com competência a famigerada “água que vem de baixo”, tornam a Brisa um excelente veículo também para dias de chuva.

No melhor estilo holandês de simplicidade e meio de transporte, a Monark Brisa é ideal como veículo do dia a dia para usar à vontade. Para quem quer uma bicicleta guerreira para pedalar sem complicação, é bom olhar com outros olhos aquela “bike de mulherzinha” jogada na garagem. Milhões de holandeses não podem estar errados.

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foto do autor

Dahon Matrix

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foto Edu

A página oficial define a Dahon Matrix como uma bicicleta urbana com atitude. Logo nas primeiras pedaladas o que era texto de propaganda prova-se realidade. O perfil agressivo, os pneus que grudam no chão somados a eficiência dos freios à disco dão confiança ao ciclista e o impelem a pedalar forte.

A relação de marchas com 48 dentes na coroa maior e 11 no peão menor permite velocidades de cruzeiro bastante altas. No total são 24 marchas SRAM num conjunto que não é o melhor da marca, no entanto é muito eficiente. A relação para subir ladeiras também é bastante adequada com 28 dentes na coroa e 32 atrás.

Para encarar subidas a suspensão pode ser travada, o que maximiza a energia da pedalada. O único empecilho é que para “desligar” a suspensão é preciso desmontar da bicicleta, já que qualquer peso do
ciclista impede a mudança da chave de travamento. Mesmo com este pequeno detalhe, a suspensão, com seus 80 mm de curso, está na medida para ruas de asfalto irregular. Até mesmo o famigerado calçamento de paralelepípedos, pesadelo de qualquer ciclista sem suspensão, não representa problema.

Somando-se a suspensão adequada ao uso urbano, excelentes pneus de rua e sistema de freio que transmite grande confiança, a bicicleta merece respeito. Recomenda-se uma conduta mais tranqüila nas primeiras pedaladas para se acostumar com as reações da Matrix, principalmente dos freios potentes em consonância com a suspensão. No entanto, macios e aderentes, os pneus permitem travar a roda traseira numa freada mais forte e ainda assim a bicicleta mantém-se sob controle.

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foto divulgação.

Um pequeno detalhe, facilmente resolvido, foi o comprimento do guidão. Nada que uma serra não pudesse resolver e com um dedo a menos de cada lado a bike ficou perfeita não só quanto ao conforto quando a agilidade nas ruas apertadas da cidade.

Além de todas as características de uma Mountain Bike para uso urbano, a Matrix, como todas as Dahons, é dobrável. Essa funcionalidade é melhor resolvida nos modelos aro 20″. Mais compactos tanto em uso quanto após serem dobrados. No caso da Matrix dobrá-la envolveria o uso de uma chave allen. Ainda que seja simples retirar a mesa e o guidão essa função torna-se um pouco desnecessária na cidade, dado o peso da bike e a dificuldade de carregá-la dobrada. O melhor uso para as dobradiças no meio do quadro são para poder, ao estacionar, “quebrar” a magrela em duas e trancar tanto o quadro e a roda com apenas uma tranca e desencorajar eventuais gatunos.

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foto divulgação.

Gatunos no entanto podem ser um problema para uma bike que além de ser muito boa e relativamente cara para os padrões brasileiros, aparenta ter qualidade, mesmo para quem não conhece nada sobre bicicletas. O desenho do quadro, os freios a disco e a pintura impecável fazem a Matrix chamar atenção o que pode ser um problema para quem usa a magrela como meio de transporte. O empecilho pode ser contornado com o uso de boas trancas (ao menos duas) ou melhor ainda, guardando a bike em lugar adequado no trabalho/local de estudo e em casa.

Para se tornar uma bicicleta urbana perfeita falta apenas um bom bagageiro e pára-lamas para os dias de chuva. Infelizmente é difícil encontrar estes equipamentos com boa qualidade no mercado nacional.

Mais informações no site oficial em inglês ou na versão brasileira.

Informações sobre onde adquirir.