A construção de um plano cicloviário

Os impactos da bicicleta na percepção das cidades pelos ciclistas são quase óbvias. O desafio está em alastrar a mudança na visão do ambiente urbano para pessoas que por acaso ainda não pedalam.

Uma das formas, simbólicas, está na sinalização do asfalto. Um espaço que foi simbolicamente promovido como pertencente as máquinas, quando na realidade é apenas uma rua, local de uso múltiplo e cidadão para circular e viver a cidade.

O Rio de Janeiro definiu que o compartilhamento das ruas é meta e tem investido nessa maneira simples de dar um novo significado as ruas para que elas possam voltar a ser das pessoas. Espaço de circulação seguro para seres humanos, sejam qual o meio de transporte que as pessoas optem por utilizar em seus deslocamentos.

São apenas pinturas no asfalto, mas também um primeiro passo para definir como será o asfalto e o espaço das ruas no futuro.

Enquanto isso em São Paulo, os amigos da Ciclocidade pressionam para que bicicletas no asfalto tornem-se o símbolo da mudança de percepção que as cidades precisam. Iniciativa que mostra o valor da representação do espaço das ruas como áreas para bicicletas e, naturalmente, para pessoas. Uma questão quase óbvia, mas que ainda tem um longo caminho até ser senso comum.

Veja o mapa das rotas cicloviárias do Centro do Rio de Janeiro.

Um bairro para pessoas

Simulação do Túnel Major Rubens Vaz

Simulação do Túnel Major Rubens Vaz

Quem pedalava em Copacabana sempre soube que o bairro era perfeito para os deslocamentos em bicicleta. Um microcosmo em que tudo estava disponível a apenas algumas pedaladas. O mercado, a farmácia, a escola, o escritório, a praia e o metrô. Uma pequena cidade autossuficiente em muita coisa e com fácil acesso a outras vizinhanças.

Natural portanto que em meio a tantas ruas sem espaço para mais carros o morador do bairro e também os prestadores de serviço saberem que a bicicleta era a melhor solução. Para facilitar a vida de quem mora e circula pela bairro apresentamos ainda em 2008 um plano cicloviário para Copacabana. Ruas com velocidade máxima de 30km/h, número mágico que facilita a fluidez e segurança das pessoas.

Do papel a idéia ganhou as ruas em forma de plano piloto que se espalhou pela cidade. Agora a conquista se consolida e Copacabana será mais do que um exemplo piloto, mas uma implementação real de como podem ser os bairros cariocas do futuro. Afinal, o projeto piloto de anos atrás já chegou a outras regiões do Rio de Janeiro.

Simulação do BikeBox na Rua Hilário de Gouveia esquina com Nossa Senhora de Copacabana

Simulação do BikeBox na Rua Hilário de Gouveia esquina com Nossa Senhora de Copacabana

Mais do que um plano que sai do papel, as Zonas 30 de Copacabana são o símbolo máximo de respeito a circulação das pessoas. Serão consideradas parte da malha cicloviária, afinal a sinalização irá deixar claro a todos que os veículos automotores serão permitidos e cidadãos em bicicleta serão os convidados especiais. e

Rua Toneleros com Rua Anita Garibaldi

Simulação de travessia na Rua Toneleros com Rua Anita Garibaldi

Exemplo de mobilidade em bicicleta, Munique na Alemanha tem grande parte dos seus 1.700 km de infraestrutura para bicicletas como Zonas 30, assim como Viena na Austria e diversas outras cidades. As Zonas 30 são o acesso a porta das pessoas, ruas residenciais que recebem tratamento especial para garantir a mobilidade sem destruir a vizinhança.

A esperança é que Copacabana passe a ser o bairro mais completo do país quando se fala em infraestrutura ciclística e sirva de inspiração para todo o Rio de Janeiro e por consequência o Brasil.

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Para pensar as ruas de lazer

 

Foi através da experiência colombiana das “ciclovias” que o mundo descobriu um novo tipo de área de lazer urbana. Apesar da confusão no termo, para os colombianos, as ciclovias definem o que no Brasil seriam ruas de lazer.

Espaços que estão fechados para as pessoas e que em determinados horários, geralmente aos domingos, ficam abertos às pessoas. No Rio de Janeiro acontece na orla da praia e em milhares de ruas. Na cidade de São Paulo, os cidadãos também organizam as suas, mas o mais comum (e mais divulgado) são as ciclofaixas de lazer, a segregação de uma pista em grandes avenidas para o fluxo de bicicletas durante domingos e feriados.

O 8˚ Congresso da Rede de Ruas de Lazer das Américas aconteceu em Lima no Peru e mais uma vez buscou fazer avançar a discussão sobre o papel dessas zonas temporárias para as pessoas na transformação urbana.

A visão de longo prazo continua sendo a mesma, que as ruas de lazer se estendam para além de dias e horários específicos e tornem-se o uso corriqueiro do espaço público das ruas.

Cidades, aqueles espaços em constante construção e transformação, precisam se adequar ao século XXI, um tempo em que as pessoas estão mais preocupadas com a qualidade de vida e menos com a expansão do PIB à qualquer custo. Nada mais perfeito portanto que investir na felicidade interna bruta, uma das maneiras propostas para medir a riqueza das nações atualmente.

Por hora, é possível aprender como implementar e promover a realização de ruas de lazer, nos moldes colombianos. Ou como transformar ruas em espaços de lazer nas cidades brasileiras.

– Saiba mais sobre a rede CRA (Ciclovías Recreativas de las Américas).

Bicicletas, skates e a força da lei

A polícia de Nova Iorque passou um grande vexame ao tentar coibir uma corrida informal de skatistas que acontece na cidade desde o ano 2.000. Começou como um pequeno grupo que chamou a aventura de “Broadway Bomb”.

Algumas poucas regras e lançaram-se às ruas. Até que em 2012, com milhares de participantes a iniciativa tornou-se ilegal e, com o devido amparo do judiciário, a polícia resolveu agir. As cenas de loucademia de polícia do vídeo acima mostram como quando a história são skates é preciso pensar fora da caixa.

Louvável a idéia dos policiais de “capturar” skatistas utilizando uma espécie de rede de arrastão nas ruas. Mas a reação óbvia da massa de surfistas do asfalto expôs ao ridículo os profissionais da segurança esperançosos em cumprir seu dever de garantir a lei e a ordem.

A criminalização de “usos alternativos das ruas” é certamente uma faceta cruel das cidades que se tornaram espaços para movimentos motorizados acima de todas as outras formas de circulação. O esforço em prol da manutenção de estágio das coisas por parte dos defensores da “lei e da ordem” tem seu lado cômico, mas também tem outros desdobramentos.

Na cidade de São Paulo o exemplo de criminalização das ruas tramita na Câmara de Vereadores. Imbuído de um discurso em defesa “da ordem” e do combate aos furtos e roubos de bicicleta um vereador optou por tirar da gaveta um estapafúrdio projeto de lei municipal que obriga o emplacamento de bicicletas e até o uso de “calçados apropriados” para pedalar.

A contra-mão da história infelizmente ainda segue seu rumo. Felizmente os skatistas de Nova Iorque estão aí para nos ensinar que as forças do passado são incapazes de segurar o movimento do mundo.

Um pouco de ecologia urbana

Estudar onde vive, como vive e as interações da espécie urbana é certamente uma necessidade para as cidades que se reconstroem. Mas ainda é pouco. É preciso entender sobre o caminho para corrigir rumos na cidade que hoje se apresenta como pronta.

O ambiente urbano mostra-se riscado de asfalto demais e civilidade de menos. Quem vive nas cidades habita e transita em uma infraestrutura que oprime e muitas vezes repele interações.

Para uma reconstrução, é preciso antes de mais nada imaginar novas possibilidades urbanísticas. Mas ainda é pouco, é preciso construir e discutir o que se constrói. Dois recentes e distintos exemplos demonstram com clareza a necessidade de reflexão dos caminhos que a bicicleta nas cidades toma.

Primeiro um leitura sobre os caminhos (e descaminhos) da bicicleta no Brasil:

 “(…) é inegável que o pequeno e criativo grupo foi grande responsável pelo início das mudanças recentes em uma cidade carrocêntrica de 12 milhões de habitantes. Por outro lado, a Bicicletada de São Paulo perdeu muito de sua força como movimento social e, nos últimos anos, sofre da entediante rotina de ter se tornado apenas mais um passeio de bicicletas sem qualquer aprofundamento político, cultural ou artístico (mesmo aqueles relacionados apenas à bicicleta).”

Reflexão rebatida com:

“(…) as Bicicletadas são por um lado um dos sintomas de uma crise (urbanística, energética, fundiário-fiduciário-financeira), e só se justificam se elas próprias criarem crises (…)”

Para além do movimento de massa crítica, existe uma reflexão por fazer nas ruas e na lógica urbana de ter nas ruas um espaço de circulação motorizada veloz. O mais emblemático exemplo talvez esteja representado na fala do profissional responsável por explicar como será feita a medida compensatória para garantir que os ciclistas continuem a utilizar a ciclovia da marginal do rio Pinheiros em São Paulo.

A infraesturura cicloviária às margens do Pinheiros ainda não aprendeu a dialogar com a cidade, isolada que está por um ramal ferroviário e intransponíveis pistas de uma via expressa.

Mesmo sem conseguir conversar com o ambiente ao redor, a ciclovia do rio Pinheiros foi interrompida brutalmente pelas obras dos viadutos que irão levar os trens de um novo ramal metroviário.

Por pressão dos ciclistas, foi apresentada uma solução. Estruturas provisórias para levar os ciclistas para a outra margem do rio e depois voltarem. E enquanto a adaptação não fica pronta, vans com reboques para as bicicletas irão fazer a transposição do trecho interditado.

A reflexão sobre as bicicletas mostra que dentre os ciclistas busca-se ver e rever os caminhos do ativismo e mobilização em prol da adoção da bicicleta como veículo urbano universal.

Já a ciclovia da marginal do rio Pinheiros e sua interdição demonstram que falta à cidade um repertório adequado para lidar com a bicicleta. Isolada do tecido urbano, a malha cicloviária à beira do rio é o sonho realizado dos ciclistas que sempre lutaram por um cicloparque que aproximasse as pessoas das águas poluídas.

O desrespeito da falta de alternativas face as obras na ciclovia demostraram o caráter secundário do uso da bicicleta no planejamento. Além disso, a solução proposta para reverter a interdição demonstram que ainda falta muito para que seja percebida a necessidade de integrar a bicicleta à cidade ao invés de manter no isolamento os espaços de circulação dos ciclistas.

Faz muita falta às cidades um repertório adequado para lidar com a bicicleta e as soluções que ela demanda. Soluções que envolvem integração ao tecido urbano, compartilhamento entre veículos motorizados, pedestres e bicicletas.

Sobre interdições e alternativas na ciclovia da marginal Pinheiros, tem mais no Vá de Bike.