Estudar onde vive, como vive e as interações da espécie urbana é certamente uma necessidade para as cidades que se reconstroem. Mas ainda é pouco. É preciso entender sobre o caminho para corrigir rumos na cidade que hoje se apresenta como pronta.
O ambiente urbano mostra-se riscado de asfalto demais e civilidade de menos. Quem vive nas cidades habita e transita em uma infraestrutura que oprime e muitas vezes repele interações.
Para uma reconstrução, é preciso antes de mais nada imaginar novas possibilidades urbanísticas. Mas ainda é pouco, é preciso construir e discutir o que se constrói. Dois recentes e distintos exemplos demonstram com clareza a necessidade de reflexão dos caminhos que a bicicleta nas cidades toma.
Primeiro um leitura sobre os caminhos (e descaminhos) da bicicleta no Brasil:
“(…) é inegável que o pequeno e criativo grupo foi grande responsável pelo início das mudanças recentes em uma cidade carrocêntrica de 12 milhões de habitantes. Por outro lado, a Bicicletada de São Paulo perdeu muito de sua força como movimento social e, nos últimos anos, sofre da entediante rotina de ter se tornado apenas mais um passeio de bicicletas sem qualquer aprofundamento político, cultural ou artístico (mesmo aqueles relacionados apenas à bicicleta).”
Reflexão rebatida com:
“(…) as Bicicletadas são por um lado um dos sintomas de uma crise (urbanística, energética, fundiário-fiduciário-financeira), e só se justificam se elas próprias criarem crises (…)”
Para além do movimento de massa crítica, existe uma reflexão por fazer nas ruas e na lógica urbana de ter nas ruas um espaço de circulação motorizada veloz. O mais emblemático exemplo talvez esteja representado na fala do profissional responsável por explicar como será feita a medida compensatória para garantir que os ciclistas continuem a utilizar a ciclovia da marginal do rio Pinheiros em São Paulo.
A infraesturura cicloviária às margens do Pinheiros ainda não aprendeu a dialogar com a cidade, isolada que está por um ramal ferroviário e intransponíveis pistas de uma via expressa.
Mesmo sem conseguir conversar com o ambiente ao redor, a ciclovia do rio Pinheiros foi interrompida brutalmente pelas obras dos viadutos que irão levar os trens de um novo ramal metroviário.
Por pressão dos ciclistas, foi apresentada uma solução. Estruturas provisórias para levar os ciclistas para a outra margem do rio e depois voltarem. E enquanto a adaptação não fica pronta, vans com reboques para as bicicletas irão fazer a transposição do trecho interditado.
A reflexão sobre as bicicletas mostra que dentre os ciclistas busca-se ver e rever os caminhos do ativismo e mobilização em prol da adoção da bicicleta como veículo urbano universal.
Já a ciclovia da marginal do rio Pinheiros e sua interdição demonstram que falta à cidade um repertório adequado para lidar com a bicicleta. Isolada do tecido urbano, a malha cicloviária à beira do rio é o sonho realizado dos ciclistas que sempre lutaram por um cicloparque que aproximasse as pessoas das águas poluídas.
O desrespeito da falta de alternativas face as obras na ciclovia demostraram o caráter secundário do uso da bicicleta no planejamento. Além disso, a solução proposta para reverter a interdição demonstram que ainda falta muito para que seja percebida a necessidade de integrar a bicicleta à cidade ao invés de manter no isolamento os espaços de circulação dos ciclistas.
Faz muita falta às cidades um repertório adequado para lidar com a bicicleta e as soluções que ela demanda. Soluções que envolvem integração ao tecido urbano, compartilhamento entre veículos motorizados, pedestres e bicicletas.
Sobre interdições e alternativas na ciclovia da marginal Pinheiros, tem mais no Vá de Bike.