O Valor de Andar a Pé

O ato de caminhar é a mais primordial forma de deslocamento do ser humano. Foi com os pés que dominamos o mundo e hoje no zoológico urbano em que a maioria da nossa espécie vive, caminhando descobrimos nossos arredores mais imediatos. Indo e vindo, movidos pelas próprias forças andamos até a padaria, a um restaurante na esquina ou ao cabeleireiro.

Caminhar é um ato que carrega consigo uma alta simbologia, a passos lentos e ritmados somos capazes de percorrer grandes distâncias. No entanto em nossas cidades o pedestre e a “caminhabilidade” tem perdido espaço para formas motorizadas de deslocamento. Ainda que as viagens a pé sejam as campeãs dos deslocamentos, mesmo em São Paulo ou no Rio de Janeiro.

Quatro pontos fundamentais acabam pondo de lado o grande valor de andar a pé. Como aponta o documento em inglês: “O Valor Econômico de Andar a Pé” de Todd Litman.

  • Primeiro, é difícil medir a “caminhabilidade”, para contar o fluxo motorizado câmeras e computadores são usados. Já o fluxo de pedestres é errático, é difuso. Levando-se em conta os atrativos de uma determinada região para que mais pessoas caminhem nela, a medição torna-se ainda mais complexa. De qualquer maneira, muito pode ser feito em prol dos pedestres.
  • Um segundo fator ajuda a deixar de lado o valor das caminhadas, o baixo status social dessa ação tão primordial. O que se convencionou definir como “progresso” está associado ao fluxo motorizado, as grandes obras. Felizmente exemplos como o de Bogotá e Seoul nos fazem lembrar que qualidade de vida também rende dividendos políticos.
  • Outro fator contrário a valorização do pedestrianismo é o baixo custo. Quem caminha não precisa se abastecer em postos de gasolina, nunca visita uma oficina mecânica para consertar o motor, nem troca pneus furados. Portanto caminhar não gera dividendos imediatos, nem faz a “roda da economia girar”. Mas essa visão é bastante míope, já que a obesidade e a poluição atmosférica causam enormes prejuízos a toda população. O pedestre portanto tem grande valor na redução de custos sociais associados a mobilidade urbana.
  • Por fim, a última barreira política a ser enfrentada é a crença de que o fluxo de pedestres “se resolve sozinho”. Certamente uma percepção errada e que felizmente tem perdido espaço entre planejadores urbanos. O pedestre é capaz de desbravar caminhos em quaisquer condições, seja em uma calçada esburacada ou em uma trilha de terra a beira de uma estrada asfaltada. Mas as consequências de deixar os atrativos para os caminhantes são graves, comunidades sem calçadas de qualidade tendem a ter mais viagens motorizadas e sofrem mais com os efeitos negativos do uso excessivo dos motores.

Dirigir ou ser passageiro é um ato transitório, todo o ser humano é pedestre. Planejar para quem caminha é portanto mais do que priorizar os mais de 30% da população cujo principal meio de transporte são os próprio pés, trata-se de pensar a cidade em função da figura mais importante no ambiente urbano, as pessoas.

Mais:
– Baixe o PDF “O Valor Econômico de Andar a Pé” de Todd Litman no site da TA.
– Saiba o índice de caminhabilidade de qualquer endereço nas 40 maiores cidades norteamericanas.

Estacionamentos e Qualidade de Vida

O estacionamento da ASCOBIKE começou como solução de um problema simples na cidade de Mauá na Região Metropolitana de São Paulo. As bicicletas ao redor da estação da CPTM eram um problema. Hoje mais do que uma solução para um problema, o estacionamento é um instrumento de promoção ao uso da bicicleta e de dignidade para os ciclistas da região. Além da possibilidade de estacionar bicicletas a preços módicos, o projeto se tornou uma excelente maneira de incentivar que mais pessoas utilizem a bicicleta mais vezes e acima de tudo tenham benefícios e incentivos por faze-lo.

No Brasil a bicicleta é um veículo promotor da igualdade social. Cidadãos com menor poder aquisitivo podem economizar dinheiro e beneficiar a própria saúde simplesmente optando por pedalar. Valorizar ciclistas que muitas vezes não sabem do benefício que trazem a sociedade é sem sombra de dúvidas uma atividade digna de destaque e o vídeo feito pela Streetfilms.org de Nova Iorque comprova a importância e a excelência do que foi feito e tem sido feito em Mauá.

Ser Ciclista é Ser Andorinha

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Ser ciclista em São Paulo é ser um pouco do contra, é viver a vida como em um poema de Mário Quintana. É ser andorinha antes da chegada do verão. Não se está sozinho, mas o momento histórico ainda não chegou ao ápice das andorinhas voando em grandes massas.

O fato de estarmos no hemisfério sul talvez seja uma explicação razoável. Na Europa cada dia mais vive-se uma “primavera ciclística” com as ruas das cidades cada vez mais sendo pensadas para bicicletas e pedestres. Lá em breve chegará o verão e as andorinhas juntas em forma de bicicleta dominaram a paisagem. Nós cá mais ao sul estamos talvez no outono e a moda da bicicleta ainda está para chegar as massas e ganhar totalmente as ruas.

Felizmente o momento cada dia mais é favorável para se pedalar nas cidades. Trata-se de uma tendência irreversível que ganha volume a cada dia. Ainda que muitas vezes a realidade das ruas possa ser dura e um ciclista urbano tenha de se deparar com situações desagradáveis, os motivos individuais e coletivos para a bicicleta seja mais utilizada estão dados. Os benefícios das pedaladas cotidianas são de fundamental importância para uma mudança de rumo necessária para as pessoas e a sociedade como um todo.

Fica a homenagem ao colega ciclista Vitor do nossoquintal.org que passou um aperto hoje.

POEMINHA DO CONTRA
Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!
Mário Quintana

Exemplo Cidadão

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Gilberto Kassab, Prefeito da Cidade de São Paulo

O prefeito da cidade de Portland, Sam Adams, destruiu seu automóvel em uma colisão e resolveu entrar em uma “dieta de 30 dias sem carro“. Disse que iria experimentar ao menos um mês utilizando seu outro veículo individual, a bicicleta. O exemplo é emblemático e ajuda a manter o ritmo nas políticas públicas de promoção ao uso das magrelas na cidade norteamericana.

Um belo exemplo motivou Sam Adams. O prefeito de Berkeley na California, Tom Bates de 71 anos, abriu mão de seu automóvel em nome de um passe anual de transporte público. Tudo para melhorar sua saúde e dar um bom exemplo aos seus municipes. Adams acabou indo mais longe. Mesmo sendo presença corriqueira em grandes passeios ciclísticos não é um ciclista habitual, mas resolveu abraçar a idéia que tem sido cada dia mais comum na cidade que administra.

A “dieta” auto imposta é extremamente válida e certamente conta com o apoio e a torcida da comunidade ciclística local. Trata-se de um belo exemplo a ser seguido por prefeitos e políticos brasileiros.

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Via BikePortland.org

Cultura Ciclística Radical

Apocalípticos são aqueles destemidos que pedalam em qualquer condição. Mas existem outros tipos de ciclistas que utilizam as ruas e os espaços públicos sobre duas rodas de uma maneira diferente. Muitas manobras e um estilo próprio de se vestir. As ruas para eles não estão lá para serem contempladas ou cruzadas discretamente.

Em São Fransciso a tribo das bicicletas fixas é bastante popular e artistas se apresentam de maneira arriscada pelas ruas. Talvez não seja uma promoção ao uso da bicicleta, afinal fazem quase tudo que não se recomenda a um bom ciclista urbano, mas ainda assim ajudam a compor a cultura ciclística da cidade.

Não é recomendável descer ladeiras íngrimes em uma bicicleta sem freio, muito menos pedalar no trânsito surfando e costurando entre os automóveis. Mas esses loucos e suas incríveis máquinas sem marchas são responsáveis por incontáveis belas imagens.

Macaframa – Fixed Gear Teaser from vas entertainment on Vimeo.

Vale conferir o texto do “Ciclista Ponderado” no blog do Transporte Humano.