Cidades são maiores que maquetes

São Paulo é uma cidade de “operações urbanas”, um fluxo constante de investimentos no espaço urbano que orienta a construção de novos empreendimentos imobiliários. De maneira menos ou mais organizada o espaço da cidade foi, e segue sendo, loteado para abrigar mais moradias, escritórios, ruas, avenidas, pontes, viadutos e algumas áreas verdes nos espaços “vazios”. Das radiais de Prestes Maia, a atual Água Espraiada.

As definições e terminologias atuais podem ser encontradas no site da secretaria municipal de desenvolvimento urbano. Cabe destacar um trecho:

Há situações, por exemplo, em que determinadas áreas precisam ser objeto de uma modificação mais intensa, havendo necessidade de uma transformação regulada, estimulada e acompanhada pelo Poder Público.

Transformações em geral trazem um valor positivo, mas ainda assim o século XX ainda parece ser o modelo de ação no espaço. Para revolta dos ciclistas, mais uma área da capital paulista está prestes a ser modificada com duas novas travessias do rio Pinheiros que ao que tudo indica não terão inclusão real de pedestres e ciclistas. Trata-se da operação urbana Água Espraiada – setor Chucri Zaidan, cujas imagens ilustram esse texto. Tal qual a distopia da Alphaville de Jean-Luc Godard, o futuro já nasce pretérito e repleto de não-lugares.

Construir cidades passa por vender sonhos e é para isso que servem belas maquetes. Foi nos anos 1950 que São Francisco nos EUA sonhou com pontes, viadutos e vias expressas para áreas que “precisavam de uma transformação intensa”. Com bases sólidas contra os desvaneios rodoviaristas da administração local, pessoas se uniram e garantiram que ao invés de fluidez motorizada, continuaria a existir um bairro vivo. Foi a “revolta das freeways” que foi capaz de barrar ao longo de décadas a insanidade de um planejamento urbano que destrói por esgarçamento a própria cidade.

É um bom momento para estar em São Paulo. De um lado a sanha “mitigadora de impactos viários” que constrói mais espaços de circulação motorizada e acaba por incentivar a motorização e fabricar mais congestionamentos. Do outro lado um ativismo crescente de quem já entendeu que a cidade precisa de respiros e alternativas para outra organização espacial baseada na circulação humana e na densidade urbana que viabilize essa lógica.

Ainda que as maquetes atualmente sejam animadas, belas e busquem demonstrar um futuro utópico. Vivemos a distopia de um século XX que ainda não acabou. Estamos em algum lugar entre a Alphaville de Godard dos anos 1960, a São Fransciso da revolta das freeways e uma versão 3D do plano de avenidas de Prestes Maia.

Referências:

Mais uma ponte sem pedestres e ciclistas. Haja saco! – Renata Falzoni
A revolta das freeways – Em qual cidade você quer viver? – Thiago Benicchio/Chris Carlsson
Redes de Mobilidade e Urbanismo em São Paulo: das radiais/perimetrais do Plano de Avenidas à malha direcional PUB – Renato Luiz Sobral Anelli

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