A conversa continua: 8 anos depois, voltamos a refletir sobre a “Ditadura do Automóvel”

Olá, comunidade Transporte Ativo!

Toda vez que pedalamos ou caminhamos por nossas cidades, nós sentimos na pele uma verdade: o espaço não é neutro. Ele nos convida ou nos repele, nos protege ou nos expõe. E, muitas vezes, ele parece ter sido projetado contra nós.

Essa inquietação não é nova. Folheando os arquivos do blog da TA, encontrei um post de março de 2018 que anunciava a vinda do cartunista Andy Singer ao Brasil para o lançamento do seu livro CARtoons. Oito anos se passaram, e aquela conversa fundamental continua atualíssima e ainda mais relevante para o cenário pós COP 30, onde há expectativas sobre um acordo para implementação de planos concretos de adaptação às mudanças climáticas para as cidades.

É com essa sensação de estar continuando um diálogo que tive o prazer de escrever o Capítulo 15, intitulado “Desvendando a Ditadura do Automóvel: Representações, Injustiças e Futuros da Mobilidade em Diálogo com Cidades Ativas, Seguras e Saudáveis”  do recém-lançado livro “Interfaces entre Representações Sociais, Educação Física e Esporte”.

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O título do livro já entrega a chave da nossa análise: a Teoria das Representações Sociais (TRS). Essa teoria nos ajuda a entender como as ideias e valores compartilhados em uma sociedade não são apenas “opiniões”, mas forças poderosas que moldam nossa realidade. O capítulo 15, aplica essa lente para entender nossa complexa relação com a mobilidade.

Como fã da obra de Andy Singer, vislumbrei a oportunidade de usar suas charges como um dispositivo de análise que materializa essas representações. A partir daí, a análise se desdobra com o apoio de referências cruciais:

A Justiça da Mobilidade (Mimi Sheller): Se a TRS nos ajuda a entender o porquê de pensarmos como pensamos, o trabalho de Sheller nos dá a lente para analisar as consequências injustas disso.

A Sociologia Crítica do Corpo e do Espaço (Bourdieu e Wacquant): E para entender como essas ideias e injustiças se manifestam em nosso dia a dia, recorri a sociólogos como Bourdieu e Wacquant. Eles nos ajudam a explicar como o automóvel deixa de ser um simples objeto para se tornar uma extensão do corpo, um marcador de status que disciplina e organiza a vida na cidade, muitas vezes de forma violenta e excludente.

Em resumo, o capítulo combina a Teoria das Representações Sociais para desvendar o imaginário, a Justiça da Mobilidade para qualificar as injustiças e a Sociologia Crítica para entender os mecanismos de poder por trás da cultura do automóvel.

O texto busca mostrar como as charges, quando lidas com essas ferramentas, revelam a profunda injustiça de um modelo que impacta nossa saúde pública ao projetar o sedentarismo e que nos nega o direito de lutar por cidades mais ativas, seguras, inclusivas, saudáveis e sustentáveis.

E a boa notícia é que essa conversa se expande dentro do próprio livro! Tenho a imensa alegria de dividir as páginas com os amigos Heloant Abreu e Pedro Pagliaro Cooper, que trazem contribuições enriquecedoras também. Helô nos provoca a pensar sobre a “Tarifa Zero: além das ideologias?” no capítulo 16 e Pedro, no Capítulo 14, lança um olhar fundamental sobre as “Representações Sociais do Uso de Bicicletas pelas Mulheres”.

O livro está disponível para download gratuito e/ou compra da versão impressa e é uma ferramenta para todos nós que sonhamos e trabalhamos por cidades feitas para pessoas. Oito anos depois daquele encontro com Andy Singer, a luta continua, mas agora com novas ferramentas e uma compreensão ainda mais profunda do nosso desafio.

Afinal, para mudar nossas cidades, precisamos primeiro mudar nossa forma de pensar sobre elas.

Uma ótima leitura!
Um grande abraço,

Juliana DeCastro

Agora é a vez da Gávea!

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A Rua Marquês de São Vicente na Gávea, Rio de Janeiro, conta com tráfego intenso e muitos ciclistas circulando. São estudantes, moradores, trabalhadores, entregadores, mães e pais, que seguem por esta via, com diferentes motivações.

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Fazem dois anos que aos poucos, temos mostrado por aqui e nos boletins mensais, diversas atividades que realizamos no Bairro da Gávea, em parceria com a Escola Parque, apoio da AMA Gávea e outras escolas do bairro. Tudo começou com alguns pais de alunos que levam seus filhos de bicicleta para a escola, em busca de mais segurança, para eles e para as centenas de alunos que circulam de bicicleta pelo bairro, fora os demais.

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Fizemos mapeamentos com os alunos do ensino médio, indicamos o Projeto A Caminho da Escola da CET Rio para o ensino fundamental, nos reunimos com pais, associação de moradores, Prefeitura do Campus da PUC Rio, realizamos pesquisas com pais e funcionários dentre outros, realizamos contagens e buscamos conhecer a realidade local e envolver aqueles que pedalam ou gostariam de pedalar com segurança na região. Tudo seguindo estratégias e metodologias já realizadas antes, com sucesso, como o Ciclo Rotas Centro, Tecnologia Social certificada pela Fundação Banco do Brasil.

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Com dados e fatos em mãos, veio o momento de apresentar a proposta à Prefeitura, via CET Rio, uma vez que o traçado já estava delineado no plano Cicloviário da Cidade. O Projeto foi muito bem recebido, vistorias na via foram feitas e hoje temos a implantação em andamento, já repleta de ciclistas circulando com maior segurança e respeito.

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Existem ainda muitos desafios, por ser uma via cheia de escolas com seus horários de entrada e saída, ônibus e trânsito intenso em vários horários do dia e da noite. Mas, dentro do possível a presença do ciclista agora está validada na via. Alguns ajustes já estão sendo pensados, seguiremos acompanhando, em breve realizaremos nova contagem e voltaremos a Escola Parque para apresentar aos alunos o resultado daquelas oficinas.

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Perfil Ciclista 2024 | Ultrapassamos a marca de 2000 entrevistas

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Diversas cidades já estão em campo coletando dados para a Pesquisa Perfil Ciclista 2024. Das 21 cidades que estão envolvidas, dez já estão em campo e dentre estas, oito já estão subindo os dados para a plataforma onde eles serão compilados.

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Esta semana chegamos à marca de 2600 entrevistas inseridas na plataforma, outras tantas estão a caminho! Enquanto isso, os mais de 250 entrevistadores já cadastrados vão documentando e fotografando as ações, que estão acontecendo de Norte a Sul do país.

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Em breve mais notícias, fotos e um pouco mais adiante muitos dados!

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Infraestrutura cicloviária e a requalificação urbana

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Uma ciclofaixa com bueiro “eincaixa roda” e que termina subitamente num trecho cheio de tachões.

A inauguração de uma ciclofaixa em uma rua de grande fluxo de veículos é sempre uma boa atitude da Prefeitura. Será?

As cidades brasileiras são dominadas pela antiquada cultura do automóvel que praticamernte monopoliza o planejamento urbano e os investimentos públicos. O predomínio do uso do carro particular como transporte nos limitados espaços urbanos é uma prática retrógrada, superada e que não atende às necessidades modernas de mobilidade. Mas não há uma solução simples de engenharia para resolver os problemas provocados por essa cultura. Não basta pintar umas faixas e algumas bicicletas brancas no chão para iniciar uma transformação na sociedade que resulte em respeito mútuo e compartilhamento do espaço público.

Se não houver ampla divulgação de informações sobre as desvantagens do automóvel e vantagens da bicicleta as pessoas não estarão preparadas para as mudanças no ordenamento urbano do tráfego. A municipalidade precisa investir em informação e sensibilização para que a população entenda o que está em curso, saiba da importância de compartilhar as ruas, em especial com pedestres e ciclistas, e que há leis de trânsito que devem ser respeitadas para regular o uso do novo espaço.

Não há nada mais sustentável que caminhar

Por outro lado, muitas calçadas não são adequadas para o mínimo conforto e segurança dos pedestres, situação esta que perdura por décadas, muito antes da bicicleta ganhar força como opção para a mobilidade sustentável. Pedestres e ciclistas precisam da mesma atenção dos gestores públicos. É relativamente fácil e bem mais visível fazer uma ciclofaixa que melhorar e alargar uma calçada. Hoje a relação custo-benefício (político) da infraestrutura cicloviária é enorme, talvez perdendo apenas para o metrô e o BRT. As calçadas e os pedestres não tem vez.

Caminhando e pedalando de mãos dadas

Mas não há sentido numa disputa por espaço entre ciclistas e pedestres. Os modais são aliados na mobilidade ativa e sustentável. A municipalidade que entender essa relação rica e próspera pode evoluir na gestão urbana, indo além de pintar ciclofaixas. As cidades precisam requalificar espaços públicos para que pedestres e ciclistas tenham prioridade sobre o transporte individual motorizado. Pintar uma ciclofaixa, reduzindo um pouco o espaço do carro, melhorando em nada as calçadas é desperdiçar uma oportunidade de agregar pés e pedais para devolver as cidades às pessoas.

É preciso dar fluidez, conforto e segurança ao pedestre e ao ciclista, eliminando o zigue-zague do traçado das calçadas e ciclovias, além de corrigir buracos, obstáculos, e impedir invasões de motociclistas e motoristas. O pedestre e o ciclista não precisam de muito, basta um espaço justo, de qualidade e em todas as ruas. Teremos mais pessoas usando esses modais, deixando espaço nas ruas para aqueles que realmente precisam do carro e da moto de modo a requalificar também a relação humana no espaço democrático das ruas.

bueiroBueiros do tipo “encaixa roda” ao longo de ciclofaixa e desenho da calçada que impõe zigue-zague ao pedestre para garantir apenas 3 vagas de carro. A ciclofaixa foi feita, mas a calçada segue com menos de 1 metro de largura.

Hoje as bicicletas fazem parte do cenário da Cidade e planejar para elas pode ser de grande valia, pois o sucesso da mobilidade urbana depende da combinação de diversas opções de transporte e do uso de menos energia. Cidades que investem em facilidades para pedestres e ciclistas são beneficiadas com mais qualidade de vida, saúde da população, redução da poluição, dinamismo e diversificação econômica e oferecem mais alternativas de transporte urbano.

Para alcançar esse sucesso é necessária a criação de ambientes favoráveis ao uso da bicicleta e dos modos ativos de transporte.

Por mais pessoas a pé e de bicicleta mais vezes!

Totem Niterói de Bicicleta

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Após o lançamento da nova fase no Monitoramento de Bicicletas em Niterói, em fevereiro deste ano, mais uma etapa do programa se concretiza: a instalação de um totem contador de bicicletas que mostra o número de ciclistas em tempo real, na Avenida Marquês do Paraná! Na hora, passou pedalando, aparece no painel! 🙂

Esse é um dos poucos equipamentos deste tipo no Brasil e com certeza, o plano de monitoramento é o mais completo. Além deste ponto há outros 10 contadores (sem o totem) espalhados pela cidade. Você pode conferir os dados dos 11 contadores de bicicletas em Niterói, clicando aqui. Hoje as bicicletas contadas já somam mais de um milhão e meio em poucos meses, e o totem da Marquês do Paraná já soma mais de 180 mil passagens. Desde a instalação os contadores registraram em média 1590 ciclistas por dia.

E não é só isso! Niterói vem com um programa consistente e robusto para promover as bicicletas. Além do monitoramento, novas vias, novos bicicletários, novos programas e em breve, previsto ainda para este mês, o lançamento do NitBike, programa de bicicletas compartilhadas da cidade. Niterói vem se destacando com seu programa cicloviário, como uma das cidades mais engajadas neste tipo de mudança para modernização de cidades, desbancando diversas cidades de destaque no país, inclusive sua vizinha, o Rio de Janeiro!

Para nós é uma honra a parceria de mais de 10 anos, ajudando a cidade pelos caminhos cicloviários que ela percorre. Parceria esta estampada no já famoso totem da Av. Marquês do Paraná!

Parabéns Niterói! Seguimos pedalando junto com vocês!