Carnaval, distopia e esperança

 

Carnaval, época de retomada do espaço das ruas pela alegria contagiante das pessoas. Evento turístico, comemoração que para o país e mobiliza sua gente. Em 2015, o pós-carnaval é mais que cinza, é a própria distopia de uma grande festa que mal acaba já se transforma em ressaca.

Distopias Carnavalescas

Na passarela do samba a polêmica é sobre quem financia a festa que toma a Marquês de Sapucaí e transforma a avenida cercada de arquibancadas no “maior espetáculo da Terra”. Nas demais ruas do Rio de Janeiro e do Brasil, o debate é sobre os limites e desafios do carnaval que se faz com empolgação, suor, confete e serpentina.

Em São Paulo a distopia vem das ruas, com forças policiais reprimindo foliões e determinando o fim da festa com armas químicas e truculência. Em diversas outras capitais, o carnaval de rua oscila entre diversas fases. Entre a reconquista do espaço público e a privatização urbana na festa do rei Momo.

Os blocos baianos representam o auge da segregação. Isolada, uma elite (em geral branca) ganha espaço privilegiado nas ruas com homens fortes que seguram cordas e separam quem pagou para curtir a festa na rua e quem apenas pula tal e qual pipoca, livre e gratuitamente.

A profissionalização do carnaval carioca foi feita com o apoio da contravenção, o jogo do bicho, ou agora uma ditadura africana. A ordem paulistana é mantida somente por meio da violência, já em Salvador a festa é acima de tudo um privilégio para quem paga, enquanto os “de fora” pulam e se apertam como podem.

A esperança como desafio

O dilema brasileiro está resumido também no carnaval e nos usos das ruas. A pulsão de alegria é contagiante e nos move e ao mesmo tempo ficam expostas as alianças com a ilegalidade, com a violência e com a segregação.

Encarar o uso das ruas, em festa ou no dia a dia é o desafio civilizatório do nosso tempo. O desejo por humanizar os espaços está presente, tem “demanda reprimida”, tem alegria, força e prazer.

Sejamos carnavalescos durante todo o ano, lembrando sempre das forças destrutivas que nos cercam e impõe desafios. Sambemos, pedalemos e que as ruas possam ser livres para cada vez mais pessoas, mais vezes.

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3 thoughts on “Carnaval, distopia e esperança

  1. Me entristece saber que você está apoiando ainda que indiretamente o carnaval da Vila Madalena. Sou morador do bairro há 32 anos e digo com propriedade que o desrespeito aos moradores vem numa crescente nos últimos 15 anos, quando a grande maioria dos bares começaram a se instalar na região, nada espontâneo, nada “natural” como tentam pregar a imagem de um bairro boêmio. Muita gente ganhou dinheiro aqui: donos de bares, de casas noturnas, donos de cervejarias. Tudo isso fizeram atormentando a vida dos moradores, sem respeitar a lei do silêncio, pagando propinas a fiscais da prefeitura e tendo apoio de governantes. Claro! Chopp dá muito dinheiro!
    O carnaval no bairro foi o triunfo do que representa essa bagunça na região, o ponto limite, máximo, onde tudo passou a ser permitido, até mesmo depredar a casa de moradores antigos do bairro (coisa que aconteceu na casa de meus pais por exemplo e de muitos conhecidos nossos). Se isso é festa, é legal, é alegria, liberdade…? Bem, eu discordo! E não é uma questão de limitesm de controle: enquanto houver massa de foliões e de bebida haverá excessos, e nós, moradores, continuaremos reféns desse lobby do alcool.

    Um forte abraço e parabéns pelas postagens sobre bicicleta. Sou cicloativista e gosto muito dessas matérias.

    1. Gabriel,

      O apoio é ao uso das ruas, o espaço público maior das cidades, pelas pessoas. Em São Paulo essa demanda é tão grande que muitas vezes gera enormes impactos negativos. Como tem sido o caso na Vila Madalena.

  2. Gabriel, longe de mim querer negar que bizarrices acontecem e aconteceram durante o carnaval. Eu mesmo, moro na Vila. Mas tratar uma festa popular e cultural como caso de polícia – e entender casos isolados como representativo do todo é, a meu ver, um grande problema. Já passei Carnaval em Salvador, Ouro Preto, Rio de Janeiro, Olinda/Recife e, nos últimos 5 anos, em São Paulo. E posso atestar que vi uma cidade que ficava às traças nesse feriado em uma cidade que se redescobre. E nesse processo, é importante entender que a essas pessoas, em geral, foi e é negado acesso à cidade e ao lazer. É uma população sem referencial de Carnaval e que, portanto, sem modelo, acaba por não saber como agir. E, por falta de palavra melhor, faz merda. Mas também vi, nesses últimos anos, o aprendizado de dezenas, centenas de pessoas, que aos poucos foram entendendo a festa, a reocupação das ruas.

    Os blocos paulistanos foram espaços de resistência à ditadura. Foram focos de luta contra à repressão, tendo a coragem de ocupar o espaço público quando o exército ocupava toda a vida pública. Nossa sociedade, de certa forma, está reaprendendo esse espaço, essa relação com a cidade. E, é de se esperar, virão dores, virão conflitos. O que percebi, 5 anos cuidando dos maiores blocos da vila, vendo eles crescerem e estando na linha de frente da harmonia, é que as pessoas precisam de acolhimento, de abraço, de alegria, de confete. E que, ao receber cada uma dessas coisas, essas pessoas, na sua maioria, mudam, entendem, passam a agir com outra alegria.

    Acredito no poder catártico e catalisador do Carnaval para as mudanças. Critico também esses excessos, assim como você. Mas entendo que o conflito faz parte desse processo, da aprendizagem. E se recebermos as pessoas, se abrirmos nossas portas, aos poucos elas entenderão que não é legal colocar os pés no sofá. Se ficamos na zona de conforto e fechamos as portas e subimos as grades, afastamos o outro – e aí, não há diálogo. Este Carnaval começou com moradores da Vila Madalena saindo na mídia e levantando esse muro. Que tal começar o próximo não pedindo passaporte para entrar na Vila, mas entregando um saco de confetes e trocando uma ideia com essas pessoas? Posso dizer, com bastante segurança, que elas irão nos surpreender.

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