Produzir espaços urbanos de interação social é o objetivo de qualquer cidade que funcione em prol das pessoas. Mas o desafio ainda está por ser vencido.
Um exemplo de interação social mediada por dispositivos móveis é o aplicativo Swarm, iniciativa da empresa Foursquare para que as pessoas possam brincar e competir pela supremacia de estabelecimentos e marcos urbanos. O jogo se desenvolve com dois objetivos, um na escala entre amigos, outro na escala urbana tendo desconhecidos como adversários. Basicamente é preciso visitar lugares e pela pontuação dessas visitas, superar o ranking de pontuação dos amigos. A outra competição é pelo troféu da “prefeitura”, ou posse, de qualquer um dos lugares mapeados na cidade.
Todo o jogo, alimenta o banco de dados do desenvolvedor, que assim pode comercializar publicidade e serviços direcionados e qualificar a plataforma de curadoria de estabelecimentos Foursquare.
Jogos no contexto urbano
Utilizando o mesmo conceito do jogo via celular, é possível imaginar usos para além da simples diversão. Foi exatamente o que fez o artista Thomas Laureyssens na cidade de Gante na Bélgica.
Como projeto na Universidade de Gante, Thomas utiliza jogos, intervenções lúdicas e ferramentas de participação para promover espaços urbanos de interação social. A novidade está em utilizar a diversão como balão de ensaio na construção coletiva de cidades.
Moradores de dois diferentes bairros competiram durante um mês para ver qual grupo fazia mais pontos durante uma semana. A pontuação era sempre dada individualmente, mas o número de pontos em geral aumentava nas interações coletivas. A soma do total obtido pelos moradores do bairro dava o ranking geral.
Um vídeo no TEDxGhent explica a iniciativa:
Cidades colaborativas
Exemplo máximo de jogo de planejamento urbano, SimCity é basicamente a construção de cidades ditatoriais. O jogador é um tirano vitalício que concede benesses e modifica o espaço ao seu bel prazer. Os habitantes são apenas dificuldades algorítmicas, protestam quando determinadas condições pré-programadas pelos desenvolvedores dos jogos não são satisfeitas.
O modelo SimCity quando aplicado à realidade se transfigura quase à perfeição na cidade de Dubai, ou até mesmo no plano urbanístico de Lucio Costa para Brasília. A necessidade urbana atual envolve necessariamente democracia participativa, exatamente por isso o jogo precisa ser colaboração e trabalho coletivo.
Dos tabuleiros e telas para as ruas
Uma excelente comparação entre diversão e possibilidades tecnológicas para a construção de cidades sustentáveis é o Transport Tycoon, atualmente disponível para dispositivos móveis e em uma versão aberta e colaborativa chamada OpenTTD. O objetivo do jogo é operar uma empresa de logística levando insumos, bens e pessoas entre os destinos. Assim como na realidade, o transporte sobre trilhos e a cabotagem são as maneiras mais eficientes de levar alguma coisa de um ponto a outro.
Ferramentas de eficiência logística hoje estão disponíveis para que sejam possível organizar e otimizar frotas de transporte. Sejam centros de operação e controle (CCO) de trens metropolitanos, sejam ferramentas como o Apache Hadoop, capaz de armazenar uma enorme quantidade de dados georreferenciados para promover melhores serviços logísticos.
Tempo e espaço são, afinal, apenas dados. Seja na realidade dos pixels ou na concretude terrena.
Jogos e cidades, fronteira de possibilidades
A integração entre jogos, cidades e planejamento urbano é ainda um horizonte de possibilidades a ser desbravado. Mas o entendimento do ser humano como animal lúdico e competitivo, nos permite vislumbrar usos e possibilidades para interação e colaboração de maneiras cada vez mais adequadas para a cidade ideal das pessoas.
Sabia mais:
– The Future of the City: Crowd-Sourcing & Gamification for City 2.0
– The Mathematics of Gamification – Foursquare
– Play social in the city – Thomas Laureyssens
Só um aparte: joguei muito as três primeiras versões de SimCity (a primeira, acho que de 1989!) e elas eram claramente favoráveis ao transporte público em detrimento do automóvel. E também, ao menos desde a segunda versão, sempre estimulou as cidades com ambientes mistos (residencias + comércio + indústria).
Allan,
Joguei bastante também, e realmente o transporte público era parte do planejamento. Minha crítica principal é na lógica do “de cima pra baixo” em que se planeja cidades engessadas e seguindo a lógica central, sem participação dos moradores. Algo que num jogo faz sentido, mas de certa forma é o que se faz bastante com nossas cidades.
Uma crítica pontual ao SimCity, é a dificuldade de construir uma cidade sem ruas para carros. O transporte público é acessório, mas o fundamental é acesso aos lotes por ruas e avenidas.
Não conte pra ninguém ;), mas na primeira versão do SimCity (hoje em dia chamada de Classic, acho que tem até on-line pra jogar) era possível construir uma cidade inteira tendo como meio de transporte apenas ferrovias, sem nenhuma infraestrutura rodoviária. Dava muito certo na sistemática do jogo, porque baixava muito a poluição e acabava os congestionamentos. Apareciam umas mensagens de moradores reclamando da falta de rodovias, mas só, não havia qualquer penalidade na mecânica do jogo.
Quanto à lógica de cima pra baixo, você está certo, mas o jogo tinha (a partir da segunda versão) uma dinâmica pra colocar em pauta a participação dos moradores no zoneamento da cidade: se você gestor todo poderoso criasse uma “monocultura” de um tipo de zona (residencial, comercial, industrial), simplesmente ninguém ocupava aquele lote. Ele ficava lá vazio, até que você, planejador “de cima pra baixo” desse ouvido aos Sims e fizesse um mix apropriado.
Dito tudo isso, a versão mais recente (2015), pra celular, abandonou completamente esses pontos de vista e se jogou no rodoviarismo mais estúpido possível. Devem ter mudado completamente a equipe de desenvolvimento.