Soluções rodoviaristas

O século XX foi o século do automóvel, mas não foi por acaso. Muita gente ganhou muito dinheiro promovendo a (i)mobilidade urbana do transporte individual motorizado.

Um dos maiores exemplos da mentalidade rodoviarista do século passado foi Robert Moses, homem quem gentrificou Nova Iorque e elaborou um plano de “avenidas parque” que “renovou” a metrópole através da expulsão dos mais pobres e abriu caminho para a circulação motorizada em detrimento de qualquer coisa que estivesse no caminho.

Em sua biografia Moses explica a diferença entre construir rodovias em terras vazias e no meio da cidade: “A única diferença é que na cidade há mais pessoas atrapalhando o caminho”.

Foi ainda em 1950 que o ilustre rodoviarista, um anti-urbanista por execelência, elaborou  o “Programa de melhoramentos públicos de São Paulo”. Nesse plano, tal qual um profeta do apocalipse, Moses prevê que o número de automóveis iria aumentar muito. A capital paulista tinha 1 carro para cada 32 habitantes, atualmente essa relação é de 1 para 2.

Como solução de “melhoramento” para a cidade, Moses propôs que São Paulo se livrasse de “bondes obsoletos” e na impossibilidade financeira de se construir metrô subterrâneo, adotasse os ônibus. Uma “solução razoável e econômica”, que seria feita através da aquisição de 500 veículos coletivos e claro, melhorias na pavimentação asfáltica.

Nos anos 1950 (e ainda hoje), quando um rodoviarista afirma que são necessários investimentos em transporte público, pode-se deduzir que esperasse a criação de grandes e formosas avenidas que por acaso também poderão ser utilizadas por ônibus, mas que irão beneficiar e aumentar o número de viagens em veículos motorizados particulares.

Ao longo dos anos São Paulo deixou de lado a hipocrisia rodoviarista e efetivamente foi capaz de direcionar vultosos investimentos em túneis, pontes e viadutos simplesmente para facilitar os deslocamentos motorizados. Minhocão, passagens subterrâneas e a Ponte Estaiada comprovam.

Pela linha de raciocínio de Robert Moses, era preciso se livrar das muitas pessoas no caminho que atrapalhavam a livre marcha do progresso, que no século XX significava automóvel.

Felizmente a noção de progresso rodoviarista já é amplamente contestada. Em Nova Iorque e ao redor do mundo. Afinal, os investimentos em mobilidade individual motorizada ao longo das últimas décadas ajudaram na promoção da decadência dos centros urbanos em nome da expansão para os subúrbios.

O desafio que nos apresenta o século XXI é o embate entre a degradação urbana promovida pelas grandes avenidas e os caminhos para os subúrbios e a reconstrução de uma cidade na escala humana em que haja mais densidade e diversidade.

São Paulo precisa de uma nova semana de 1922 que promova a “antropofagia urbana”, capaz de misturar a periferia pobre com os condomínios de luxo. Ter junto e misturado Alphaville, Cidade Tiradentes que só assim “resolveriam” a Cracolândia.

Vias expressas como a 23 de maio que dêem lugar a ruas de bairro. Tudo interligado por espaços para pessoas e redes de transporte que sejam mais que ônibus lotados para quem não conseguiu financiar um carro.

Nessa nova cidade muitas bicicletas irão circular, e ao invés de expressas vias travadas, teremos velocidades humanas constantes e descongestionadas.

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Textos de apoio:

Transporte coletivo já era ‘urgente’ em 1950 – André Monteiro – Folha de S. Paulo

– O homem que retalhou NY – Sérgio Dávila – Folha de S. Paulo

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