As cidades precisam de mais mulheres em bicicleta

mulher-pedala_ipanema

Mulheres são “espécies indicadoras” da saúde urbana. E em geral, atestam que nossas cidades não são lugares agradáveis e seguros para pedalarmos. Duas considerações costumam demonstrar com clareza o quão distante estamos de incluir as mulheres na mobilidade das cidades. Em geral afirma-se que as mulheres tem mais aversão ao risco do trânsito e que sofrem pressões sociais para estarem impecavelmente vestidas e com o cabelo perfeito no ambiente de trabalho e nos eventos sociais.

Os dois pontos acima apenas arranham, bem de leve, o machismo estrutural que ainda nos oprime. Oprime as mulheres com bastante clareza e reforçam papeis que “cabem aos homens” que apenas reproduzem comportamentos sociais sem questionar e tornam-se incapazes de lidar com o mundo feminino de maneira mais saudável. Um vídeo recente mostrou as dificuldades em simplesmente ser mulher e compartilhar o espaço urbano com homens. O papel de opressor das figuras masculinas está claro e o desconforto no caminhar mostra com clareza o quão desagradável pode ser caminhar na rua.

Ver os exemplos em vídeo ajuda a criar um pouco de empatia dos homens pelas mulheres e deixam claro que cantadas nas ruas jamais são capazes de serem interpretadas como galanteio. Os desafios em combater o machismo ainda continuaram a ser necessários, mas entender as necessidades femininas nas cidades tem o potencial de refazer o caminho da independência que a popularização da bicicleta trouxe às mulheres ainda no século XIX.

Razões porque as mulheres pedalam menos do que poderiam

Segurança é certamente o aspecto mais repetido pelas mulheres e sobre as mulheres em relação ao uso da bicicleta no ambiente urbano. Naturalmente toda iniciativa que puder tornar nossas ruas mais seguras para qualquer gênero é uma necessidade. Ainda assim, certamente a crença de que as mulheres são mais vulneráveis e medrosas continuará a ser discutido entre os homens que pedalam.

Como encaixar a bicicleta no cotidiano é um motivo bastante prosaico e que também tem neutralidade de gênero. Vencer essa barreira é outra iniciativa para conseguir mais pessoas pedalando e uma estratégia centrada nas mulheres irá trazer ainda mais ciclistas para a ruas. Desvincular a bicicleta da lógica do esporte, o que envolve a possibilidade de pedalar com tranquilidade, sem pressão pela velocidade é questão de primeira necessidade. A lógica do calor, do suor etc, em geral fica de lado quando a pessoa enfrenta o transporte público, caminha ou até mesmo utiliza uma carruagem motorizada sem condicionador de ar em um dia de verão.

A pressão social por “estar impecável” atinge muitas mulheres (com exceções, naturalmente), mas estar “apresentável” para o trabalho é necessidade de qualquer pessoa e que precisa ser equacionada, com trajetos tranquilos e pensados para manter o ritmo da pedalada e minorar o esforço.

Bicicletas feitas para mulheres

Em geral ainda recaem sobre as mulheres necessidades de deslocamento que tornam o uso da bicicleta menos convidativo, situações que em geral precisam ser vistas com mais atenção por parte de fabricantes e comerciantes da indústria ciclística. Quem simplesmente vai e volta do trabalho, sem paradas no mercado ou na escola dos filhos tende a optar com mais facilidade pelas pedaladas e em geral as bicicletas no mercado são adequadas apenas para esse usuário. Repensar as opções de bicicleta é uma pedalada fundamental.

As bicicletas femininas são apenas versões menores com quadros rebaixados e pintura em tons de rosa ou cores “delicadas”. Ter bicicletas adequadas ao biotipo feminino vai muito além de cores e tamanhos. Pedalar é atividade cotidiana e que precisa de veículos adaptados para a realidade das pessoas. Espaço para carga, a possibilidade de transportar crianças e acessórios para o uso urbano da bicicleta como meio de transporte são necessidades que, quando atendidas trarão mais mulheres e, claro, mais pessoas para os pedais.

 

Criar condições para a mudança, sem culpabilizar a vítima

A igualdade de gênero será uma conquista necessária e pela qual ainda temos um longo caminho, mas assim como as mulheres devem lutar por seus direitos, é preciso também incentivar as condições para que esses mesmos direitos sejam garantidos. Nessa lógica, a responsabilidade individual não pode ser o único parâmetro. Incentivar o uso da bicicleta tem de passar longe de culpabilizar as mulheres, ou quem quer que seja, por não pedalar.

Em tradução livre de um texto da Elly Blue:

O que nós precisamos é o mesmo que os homens precisam – ruas que sejam lugares adequados para bicicletas e muita gente pedalando para tornar as ruas ainda mais seguras.

Nós precisamos de bicicletas para levar cargas e crianças e que os homens também as usem.

Nós precisamos deixar a culpa de lado se não formos capazes de simplesmente jogar fora as chaves do carro.

Nós precisamos de líderes e políticos que tenham a coragem de trabalhar pelas mudanças necessárias. E quando eles não o fizerem, precisamos demonstrar nossa indignação.

Nós precisamos de um mundo em que a pedalar não é uma questão de gênero e que seja desnecessário escrever textos como esse.

Nós precisamos saber como demonstrar com clareza o que significa igualdade e o que não significa, em casa, no trabalho e nas ruas.

O direito à cidade é um direito humano básico e deve ser cada vez mais encarado dessa forma. Pedalemos, por mais pessoas em mais bicicletas mais vezes.

Leia mais:

Bicycling’s gender gap: It’s the economy, stupid por Elly Blue
Forget road safety: discover the real reasons normal women don’t cycle por Cathy Bussey
How to Get More Bicyclists on the Road por Linda Baker

Uma vida perdida no trânsito é inaceitável

 

Confiança cega nas máquinas e a ilusão de segurança propiciada por elas transformou nossas cidades em arenas de destruição de vidas. Ruas tornaram-se espaços de opressão dos pedestres quando deveriam ser apenas áreas de circulação. Reverter essa situação passa também pela adoção do conceito de “visão zero”, uma política pública criada na Suécia que busca chegar a zero o número de mortos e feridos com sequelas nos sistemas de trânsito rodoviário.

A perda de qualquer vida no trânsito é moralmente inaceitável, liberdade e mobilidade tem de ser garantidas a todos sem o alto custo em vidas humanas que temos hoje. A solução é bastante simples, é preciso pensar o transporte urbano de pessoas e cargas como algo em que esteja sempre previsto o erro humano.

Basta ter em mente um lema simples: “em qualquer situação uma pessoa pode falhar, o sistema viário não.”

Em uma tradução do site da Iniciativa Visão Zero, é possível entender melhor o conceito.

Sistemas de transporte tradicionais são projetados para alta capacidade e fluxo, com a segurança deixada de lado. Isso significa que os usuários das vias são responsáveis pela sua própria segurança. A Iniciativa Visão Zero tem uma abordagem que é justamente o oposto. A responsabilidade recai principalmente no desenho viário, por reconhecermos a fragilidade da vida humana e sua baixa tolerância frente a forças mecânicas. Em resumo, ninguém deve morrer ou sofrer graves sequelas no trânsito.

Da conceituação à lei
O conceito de visão zero foi criado em 1994 e apenas três anos depois, o Congresso sueco aprovou uma lei de segurança viária que transformou a idéia em política pública. A lei definiu como meta que não aconteçam mortes ou graves sequelas nas vias da Suécia e não deixa espaço para a redução no número de ocorrências viárias para um nível economicamente aceitável. Desde então o país tem adequado seu sistema rodoviário com a abordagem de “visão zero”.

Nova Iorque recentemente também adotou o conceito e lançou seu plano bastante detalhado que aos poucos vem sendo colocado em prática. A mais eficiente e simples medida a ser tomada é reduzir imediatamente o limite de velocidade na cidade. Mais uma vez, quem promove o uso da bicicleta em São Paulo (e no Brasil), mostra que está à frente do seu tempo e de maneira uníssona defende a vida em detrimento da ilusão de fluidez propiciada pela leniência com velocidades incompatíveis com a vida humana.

A promoção de valores éticos em defesa da vida mostra-se com clareza após a leitura de textos editoriais publicados em 2014, mas que atendem a mesma lógica do século XX em que simbolicamente as ruas e a regras de circulação eram focadas apenas no fluxo e num mínimo de preservação de danos dos condutores de motorizados contra eles mesmos, cabendo as vítimas migalhas e a defesa contra a opressão. Leia o editorial “Direitos sem deveres” caso tenha paciência de viajar ao passado do pensamento urbano.

Saiba mais:

Iniciativa Visão Zero da Suécia
Visão Zero em Nova Iorque

Um pouco de antropologia das estradas

Bicicleta na estrada - Foto: Projeto Transite

Bicicleta na estrada – Foto: Projeto Transite

O trânsito é excelente fonte de boas pesquisas para entender um povo. Há no comportamento de condutores, passageiros e pedestres um retrato fiel da natureza dos comportamentos sociais de uma cidade e um país. Infelizmente esse fenômeno, talvez por demais fluído, seja pouco estudado.

É possível conhecer uma etnografia das estradas através dos impactos de sua construção, reforma ou ampliação, mas está por ser feito um estudo sobre os comportamentos dos usuários desses espaços e a maneira com que se apropriam dos caminhos. Um observador atento pode, no entanto, reparar em algumas pistas sobre como se dão as interações e como se mede a hierarquia de forças.

Fosse um fenômeno pouco comum, a “tomada da faixa da esquerda” em rodovias talvez passasse desapercebida, mas trata-se de um comportamento consistente com uma certa ética de comportamento do condutor brasileiro. O “desejo de potência” é tão forte que se manifesta pela defesa aguerrida do direito de não ser ultrapassado, ou de querer ultrapassar a todos. Tal comportamento tem menos a ver com o tamanho do motor da máquina e mais com um certo desejo de quem a guia.

Máquina e gente fundem-se, a identidade humana fica transferida para as quatro rodas movida à motor. Chega a ser quase inadmissível abrir mão da pista de ultrapassagem, sinal de fraqueza ou de admissão da própria impotência. Na corrida das vaidades dos que pagaram à vista ou parcelado o direito de uso da rodovia através de um automóvel sobrevive apenas o sonho de exercer o pleno potencial do produto adquirido.

Com a inevitável frustração que a realidade propicia à todos, condutores tornam-se ainda mais agressivos e buscam a velocidade a qualquer preço mirando um certo nirvana inalcançável promovida na publicidade. Nos congestionamentos nas rodovias esse escape pode ser extravasado no acostamento ou em ultrapassagens pela direita. Seja qual for a conduta escolhida, o risco acelera na mesma medida e ajuda a evaporar o bom senso e atropelar as quase sempre desconhecidas normas de trânsito.

Os usuários mais frágeis nas rodovias

A lógica rodoviarista de expansão dos povoamentos ao redor das estradas traz também para além dos comportamentos de condutores, elementos externos às rodovias. Mais invisíveis do que dentro das cidades, pedestres e ciclistas praticamente tornam-se apenas borrões na paisagem. O tratamento dado a quem deveria ser protegido vai da tolerância ao uso dos acostamentos, até placas de proibição sem que sejam dadas condições de circulação. Passam ainda pelos alertas de pontos de travessia, feitos por conta e risco dos pedestres. Além é claro das sempre longínquas passarelas.

Justamente no tratamento concedido por quem construiu e por quem opera as rodovias fica clara mais uma vez a conduta social aceitável quanto aos elementos mais vulneráveis. Comportamento que se replica de diversas maneiras, sempre tendo nos elementos mais frágeis um certo “estorvo social”. Sejam os ciclistas e pedestres das comunidades cortadas por rodovias, cicloturistas, peregrinos ou atletas em treinamento. São tratados como problema ou pior, vítimas a serem responsabilizadas em caso de irresponsabilidade ou imprudência dos condutores de motorizados.

Desafio civilizatório das estradas

Com cidades repletas de vias expressas, condutas de trânsito urbano são transplantadas para viagens de longa duração, o egoísmo de ser o primeiro até o próximo semáforo se multiplica por centenas de quilômetros e a ética, ou falta dela, que contaminou as condutas nos espaços de circulação urbana se agiganta nas rodovias.

Nas cidades é possível e desejável falar em humanização dos espaços de circulação, com ruas e avenidas capazes de se adequarem ao compartilhamento entre diferentes meios de locomoção. Já nas estradas o desafio vai além da inserção e adequação aos mais vulneráveis, passa por rever condutas ainda mais amplas da sociedade que construiu e ampliou estradas e rodovias para que fosse possível desfrutar da velocidade movida à combustão e pavimentada com muito asfalto.

Humanizar cidades tem portanto um papel respeitável no combate a agressividade e mortalidade das estradas. Mas o desafio vai além, passa principalmente pela separação entre pessoa e veículo. É preciso deixar claro que os sonhos e potências promovidas pela publicidade automobilística são metas impossíveis de felicidade individualista, que se traduzem em riscos e irresponsabilidade cotidianas.

Por fim, a promoção da civilidade como valor e o respeito às minorias como preceito democrático fundamental são aprendizados futuros possíveis através de um estudo do que representam as condutas dentro e ao redor das rodovias e estradas brasileiras.

Outras leituras:

A necessidade de um dia mundial sem carro

Foi em outubro de 1994 que nasceu na Europa a idéia de um Dia sem Carro. Uma iniciativa para que as cidades européias, e mais tarde do mundo, repensassem o uso das ruas e a prioridade concedida aos meios de transporte motorizados.

Vinte anos depois, é certamente um equívoco de linguagem falar em um dia “sem carro”. Felizmente, tem sido natural promover um termo mais adequado ao período histórico em que vivemos. Temos hoje as semanas da mobilidade que gravitam ao redor do 22/09 e fazem do mês de setembro uma época de festividades e reflexão de todos que pensam e repensam a cidade como espaço de circulação e permanência de pessoas.

Uma premissa maior foi elaborada ao longo dos anos, tirar o carro da cena foi o primeiro passo para lembrar a todos que a maior necessidade urbana é promover a diversidade somada a humanização. É preciso primeiro oferecer opções fáceis, baratas, ágeis e agradáveis de deslocamento para qualquer pessoa que viva, visite ou transite dentro de uma cidade. Para garantir diversidade é preciso centrar o planejamento urbano na lógica da natureza humana.

Apesar de nossa capacidade de construir e operar poderosas máquinas, somos apenas humanos, demasiadamente humanos. Frágeis e mortais criaturas expostas aos elementos que souberam se adaptar a vida em qualquer parte do planeta, mas sempre com a premissa de tomar o caminho mais confortável e direto. O século XX, o do automóvel, moldou corações e mentes para se adequarem as necessidades das engrenagens movida a óleo, nos fizeram acreditar que circulação era algo a ser feito em carruagens motorizadas e que era preciso ordenar, direcionar e restringir a circulação livre das pessoas.

Certamente 1994 pode ser colocado como o ano que ajudou a marcar um novo ciclo, foi por isso uma escolha adequada ter um dia “na cidade sem meu carro”. Os desafios para as cidades propostos à época eram o impulso inicial para a reflexão. Aos administradores das cidades era preciso:

– Planejar e implementar um dia sem carros;
– Observar e estudar com afinco o que acontece nesse dia;
– E então produzir uma reflexão pública sobre as lições dessa experiência.

Foi preciso um tratamento de choque centrado no usuário do automóvel e a partir desse empurrão forçado, ajudar as pessoas acostumadas ao volante a experimentarem a cidade de outra maneira. O automóvel como estorvo urbano já é senso comum até para seus usuários, que em geral tendem a sempre ficar na defensiva quando confrontados sobre sua opção de transporte. Sendo as posturas defensivas em geral difíceis de serem modificadas, o desafio atual vai além do carro e de seu uso. Vinte anos depois, é válido propor algumas questões a serem colocadas em debate no 22 de setembro, uma compilação feita por Eric Britton do World Streets.

Perguntas a serem feitas e discutidas publicamente durante um dia sem carro:

Primeiro é preciso entender o atual estágio na promoção ao uso da bicicleta na cidade com um grupo inicial de perguntas:

  1. Incidência política: Como são vistas e qual o poder de influência dos grupos/ONGs ativistas pró-bicicleta na cidade (região ou país), como eles influem nas decisões relacionadas a políticas públicas, investimentos e fiscalização?
    • Em uma escala de “nenhum grupo ativista pró-bicicleta até uma organização forte com influência política.
  2. Cultura da bicicleta: A bicicleta já se (re)estabeleceu como meio de transporte cotidiano ou só para um pequeno grupo?
    • Em uma escala de zero bicicletas nas ruas, somente esporte/lazer até aceitação massiva da bicicleta como meio de transporte diário.
  3. Infraestrutura cicloviária: A cidade oferece infraestrutura secura e eficiente para a circulação da bicicleta?
    • Em uma escala de zero infraestrutura com ciclistas relegados ao compartilhamento forçado de ruas e avenidas até um alta quantidade de vias seguras e segregadas para a circulação.
  4. Comodidades para a bicicleta: Existem bicicletários ao ar livre em profusão, rampas em escadas, espaço dedicado em trens e ônibus, um mapeamento bem desenhado etc.?
    • Em uma escala de zero comodidades disponíveis até a presença massiva de comodidades e soluções inovadoras.
  5. Divisão modal da bicicleta: Qual o percentual de viagens feitas em bicicleta na cidade?
    • Em uma escala de menos de 1% a mais de 25%
  6. Divisão de gênero: Qual o percentual de ciclistas homens e mulheres?
    • De majoritariamente masculina a uma divisão equânime chegando até mais mulheres do que homens pedalando.
  7. Planejamento urbano: Qual a prioridade dada pelos planejadores urbanos em relação a infraestrutura cicloviária e quão bem informados eles estão em relação a tendências internacionais?
    • Em uma escala de planejadores urbanos rodoviaristas até os que pensam na bicicleta – e no pedestre – primeiro
  8. Moderação de tráfego: Quais iniciativas foram feitas para diminuir os limites de velocidade – Zonas 30 km/h, por exemplo – e de acalmia de trânsito em geral para garantir mais segurança para pedestres e ciclistas? Foram implementadas areas de acesso restrito para carros e também reduções estratégicas de estacionamento automotivo?
    • Em uma escala de nenhuma até uma extensa lista de medidas de moderação de tráfego que priorizem ciclistas e pedestres.
  9. Integração com o transporte público: Bicicletas em ônibus, metrô e bondes. Compartilhamento das faixas para ônibus. Integração tarifária. Treinamento para motoristas.
    • Em uma escala de zero integração até parcerias completas e entusiasmadas.
  10. Percepção de segurança: A percepção de segurança dos ciclistas, que se reflete nas taxas de uso de capacete, é positiva ou os ciclistas pedalam com medo por conta de iniciativas de promoção ao capacete e à cultura do medo?
    • Em uma escala de obrigatoriedade legal de uso do capacete até um baixo percenteual de uso de capacetes.
  11. Fiscalização: O uso da bicicleta recebe apoio legal com fiscalização ativa das autoridades locais, polícia e outros organizações?
    • Em uma escala de nenhum apoio até um apoio consistente que inclui multas pesadas, programas de remoção de veículos estacionados irregularmente, leis e regulamentos que defendam os ciclistas.
  12. Estratégia de desenvolvimento sustentável: A bicicleta é considerada parte de uma estratégia consistente com um planejamento urbano para a sustentabilidade?
    • Em uma escala de nenhuma estratégia, passando uma sem conteúdo real e promessas vazia, políticas inconsistentes até chegar a uma política de sustentabilidade articulada com a promoção ao uso da bicicleta.

Por um ranking de cidades amigas da bicicleta

Entender qual o nível de promoção ao uso da bicicleta da bicicleta é apenas o primeiro passo. As medidas elencadas acima são parte de uma provocação para que as cidades possam medir em que pé estão em suas medidas de promoção a mobilidade humana, já existem iniciativas em curso que podem e devem ser aplicadas para entender como as cidades podem construir um legado a partir do 22 de setembro. A partir desses levantamentos é possível inclusive pensar em maneiras de comparar as cidades, como base levantamento feito em todas as cidades que se engajem na comemoração do dia mundial da mobilidade.

Leia mais:
– Twenty Questions to consider to improve cycling In your city. (First guidelines for 2014 WCFD Citizen Cycle Audit )

São Paulo, uma cidade que não está para brincadeira

Foi com foguetório, pompa e circunstância que na noite de quarta-feira 27 de março de 1968, São Paulo comemorou a última viagem de bonde na cidade. Um grande cortejo de 20 veículos seguiu pelos trilhos, parte deles assentados sobre um mato baixo. Liderando a festa, junto ao primeiro motorneiro iam o prefeito, o governador e diversas autoridades, além do povo que seguia atrás e lotava os “camarões” que faziam a linha Instituto Biológico – Santo Amaro.

Teve champanhe para celebrar o progresso e discurso otimista garantindo que Santo Amaro não ficaria desassistida de transporte com a criação de novas avenidas onde antes repousavam as linhas. Na mesma página de jornal que relatou a comemoração, uma grande propaganda de um fabricante de carrocerias para ônibus. Não foi coincidência. O sucateamento do transporte sobre trilhos em São Paulo e a promoção dos ônibus à diesel e dos automóveis foi plano de décadas.


A melancolia desse post merece um samba da década de 1940: “E o 56 não veio”:

Agora, passados quase 50 anos desde o ocaso dos “veículos leves sobre trilhos” (VLTs) é quase natural condenar o retrocesso para a cidade de um plano bem elaborado e financiado de asfaltamento e abertura de vias para sua majestade o transporte sobre pneus passar. Um erro histórico sem dúvida, mas que poucos lutaram para reverter e que atendia a interesses e a uma visão de cidade muito comum e celebrada à época.


O bonde de Santo Amaro

Vivemos outros tempos, mas ainda está em disputa qual o modelo de cidade teremos nas próximas décadas. Há quem simplesmente defenda o status quo e os privilégios da mobilidade individual motorizada sobre pneus e também quem defenda a supremacia das pessoas sobre os motores. O progresso industrial e sua ética de expansão das máquinas como valores supremos transformaram as cidades e seus espaços públicos de circulação em uma grande massa asfáltica.

Mudou tanto a visão sobre transporte que o senso comum ainda acredita que só existe mobilidade sobre ruas e avenidas de uso exclusivo para motorizados ou nos subterrâneos do metrô. Dentro dessa lógica, qualquer forma de se locomover que se baseie no esforço humano é subversiva. A alegria, simplicidade e o prazer quase infantil de pedalar são uma afronta contra um mundo movido a óleo e que parece pulsar através de engrenagens.

São Paulo parou de brincar em nome daquele progresso tão bem planejado e promovido desde o século XX. Um progresso filho do planejamento e da engenharia de tráfego automotivo que no fim das contas fez a cidade locomover-se mais devagar do que nos tempos dos bondes puxados a burros.

Felizmente há sempre caminhos a serem construídos, ou desbravados. Acreditamos (e somos muitos) que a bicicleta em São Paulo e em todas as cidades do mundo é uma grande indutora de mudanças. É o veículo perfeito para a transição de um modelo de cidade que se assenta sobre o petróleo do asfalto enquanto queima os óleos do ouro negro simplesmente para mover pessoas em pesadas carcaças motorizadas.

O futuro já chegou e veio pedalando uma simples bicicleta. Trouxe na bagagem uma urbe pensada para pessoas, onde o mais importante não é como, mas quem se desloca. Por meio das deliciosas e tão antigas magrelas que irá ser repavimentado um legado de futuro urbano.

Quando uma bicicleta ganha as ruas, surgem necessidades que estavam esquecidas, a maior delas é que na condução estará sempre uma frágil vida humana. Ao se multiplicarem os pedalantes, fica exposto ao mesmo tempo nossos graves problemas urbanos e a solução. Cada ciclista na rua deixa claro que o modelo de urbanismo do século XX nos trouxe à beira do fracasso urbano, mas esse mesmo ciclista lembra a todos que basta despir-se das carcaças de aço e recriar uma nova cidade que já é possível hoje.

Essa é Utrecht em uma manhã de uma quarta-feira qualquer. Uma cidade de cerca de 300 mil habitantes, parte da grande conurbação holandesa de Randstad com quase 7 milhões de pessoas.

Nós não somos holandeses, não somos dinamarqueses e nenhuma cidade se compara a qualquer outra. Mas o fato é que o paraíso ciclístico com VLT que se vê no vídeo nasceu de uma premissa central, era preciso priorizar o deslocamento das pessoas. Primeiro com a retomada dos espaços públicos de circulação e permanência, aos poucos com todas as transformações advindas dessa premissa.

Pedalemos!

Textos de referência:

A morte do bonde – Revista História Viva
Foram-se os bondes – O Estado de S. Paulo de 28 de Março de 1968 – pág. 19
Brincando de ciclovias – Editorial O Estado de S. Paulo
Nós não somos dinamarqueses – Sustentável é pouco
Em busca do urbanismo perdido – Aliás – OESP
O último bonde em Santo Amaro e São Paulo
Santo Amaro: eixo histórico dos transportes, trem, bonde e metrô, no mesmo itinerário – São Paulo, minha cidade