O grande papel da inserção das bicicletas na cidades brasileiras talvez não seja pelos benefícios óbvios, mas por uma característica por vezes desvalorizada, a informalidade. Quem pedala é mais ser humano do que “condutor de um veículo”. A identidade permanece com a pessoa, não se transfere para o objeto.
Ao manter-se humano, o ciclista é capaz de continuar tão cidadão quanto é fora da bicicleta, e no Brasil isso pode significar muito. Em um país que ainda tem muito o que aprender sobre representação e representatividade política o exercício constante da cidadania é um bom caminho.
Planejar para a bicicleta é buscar entender comportamentos universais ao invés de fabricar um código de conduto aplicável apenas à máquinas. Pensar no ciclista é incluir o erro humano em tudo.
Uma cidade para ciclistas só é possível quando pensada fora de um escritório com ar condicionado. A cidade brasileira de bicicletas é aquela que tem favelas, tem o transporte público como alternativa precária, tem concentração de renda, mas é acima de tudo uma cidade que sobrevive à desorganização e é repleta de redes de relacionamentos.
Pela total incapacidade de organizar o Brasil do zero, estamos fadados a buscar nossas próprias soluções, fabricar o nosso urbanismo antropofágico que vá além do modelo milenar europeu e seja capaz de corrigir o rumo do rodoviarismo norte-americano que também falhou em terras brasileiras.
Como propõe o jornalista Denis Russo Burgierman, talvez nossos problemas urbanos sejam grandes demais e essa seja uma grande vantagem.
Natália Garcia escreveu sobre esse mesmo tema em um post chamado “Soluções informais” no blog Cidades para Pessoas.
Sinceramente não sei até que ponto seja útil expandir em excesso o debate do uso da bicicleta como meio de transporte e da mobilidade de uma maneira geral. Não há dúvida, para mim, que a bicicleta é mais democrática, inclusiva e socializadora que outros meios de transporte. Tudo isso pode ser provado por argumentos e mesmo empiricamente. Quando se extrapola, porém, a coisa se torna mais fluída e mais frágil – e um ataque certeiro a essa teoria "expandida" se torna também um ataque certeiro à própria questão básica da mobilidade.