O Brasil vive um momento privilegiado em sua história, com o crescimento econômico dos últimos anos já somos a sexta economia mundial, o PIB brasileiro tornou-se maior do que a Inglaterra. As desigualdades entre os muito pobres e os muito ricos diminuiram. Tudo aponta para um horizonte de otimismo para nos tornarmos um país com uma classe média importante e principalmente consumidora de produtos nacionais e estrangeiros.
Apesar do otimismo, é preciso analizar com atenção um detalhe fundamental sobre a inflação e os indicadores econômicos no Brasil. A nova “Pesquisa de Orçamentos Familiares” do IBGE irá mudar o cálculo da inflação. Como bem destacou o Jornal O Globo, a inflação e o carro zero quilômetro já pesam mais no orçamento das famílias do que os gastos com educação.
O dado aponta para um reflexo perverso da falta de investimentos em transporte público e na mobilidade em bicicleta. O brasileiro que se sente obrigado a fugir para a educação privada, para os planos de saúde e para mobilidade particular compromete grande parte de sua renda com serviços que deveriam ser garantidos pelo Estado. E segundo o IBGE agora passa a gasta mais para se locomover nos grandes centros urbanos Brasil afora do que para estudar os filhos.
Mas existe um horizonte possível que o IBGE ainda não descobriu e que precisa crescer e ser estimulado, uma certa elite que opta por não ter o veículo motorizado próprio em prol de investimentos na educação de si mesmo e dos filhos. Optar pela bicicleta e pelo transporte público é acima de tudo uma decisão inteligente e necessária.
Mas este também um problema das políticas públicas de ciclovias. Sempre são voltadas mais ao lazer do qeu ao transporte. E quando servem de transporte, são para o pessoal "moderno", "consciente" e "sustentável" em vez do trabalhador que economizaria R$150,00 por mês (20% do salário mínimo)
É aí que o Consumitariado (nome mais marxizante que Bruno Cava deu a mal-dita Classe C) vai bater no teto. E como o Estado não vai conseguir dar trilho (bonde, metrô, trem e elevadores funiculares) com presteza, é por onde essa galera pode migrar, autonomizantemente, para a bicicleta.
Há ainda uma contradição de segundo grau em se gastar mais com automóvel (não chamemos isso de "mobilidade", por gentileza!) do que com educação: andar de carro não só não educa como deseduca. Qualquer outra forma de transporte contribui na educação afetiva, no convívio da diferença; a bicicleta em especial, e ainda garante acesso garantido a dois níveis da Cultura: as trocas um a um interpares, microfísicas, e a frequentação de áreas de lazer qualificado (teatro, cinemas, museus, praças, praias, parques).
Ou seja: ao abdicar do Direito a Cidade em direção a Concessão de Dirigir, a Classe Média (tradicional ou nova, dá no mesmo) desinveste duplamente em "educação": 1) diretamente, ao retirar dinheiro desta para o Rinoceronte Motorizado; 2) indiretamente, pelos efeitos colaterais do não-uso coletivo da rua.
Porque, lembremos com Ivan Ilich, a escola na melhor das hipóteses ensina e instrui – mas quem educa de verdade é a cidade. Não é a família, não é os amigos, não são os "bons lugares". É a cidade como um todo, com seus erros e acertos, inclusive em sua face geomorfológica e física.
Mas, lembremos também com Yves Lacoste, que a geografia precisa voltar a ser o que sempre foi: algo que serve para fazer guerra – isto é: ocupar e reocupar territórios mesmo pacificamente e em tempos de paz. E se queremos que cada sujeito seja capaz de auto-governar-se a si mesmo (Ricardo Reis dizia: "abdica / e sê rei de si próprio"), como não é possível ao Príncipe governar sem Geógrafos, que cada um de nós seja "geógrafo de si mesmo", abdicando e ascendendo assim não a uma Geografia das Crises, mas a uma Anti-Geografia de várias escalas cartográficas simultaneamente (o que só a bicicleta pode realizar na prática, diga-se de passagem) – como queria Hakim Bey mas também no sentido em que Franco Basaglia falava de Anti-Psiquiatria: a Cidade que Liberta (Hausmann) é também a Cidade que Cura, Cuida e Trata dos loucos e de todos os outros. A mesma que, parágrafo acima, Educa no que a escola não pode educar.
Se o transporte público fosse, no mínimo, decente, eu apoiaria o essa opinião contra os carros. Mas como cidadã brasileira que está cansada de se sentir dentro de uma lata de sardinha, não culpo por quem opta pelo conforto do carro. Investir em ciclovias também é uma boa opção, mas o Paulo Eduardo, aqui em cima disse tu do ! O brasileiro não é incentivado a não andar de carro, só questionado. E não é com questionamentos que iremos resolver problemas !
ou seja: você acha que fazer algo para piorar o problema ajuda. Jênia!