“Eram multidões que passavam às pressas, sem desgrudar os olhos do chão, parecendo saber exatamente para onde iam, subindo e descendo ruas inexistentes, entrando e saindo de edifícios invisíveis.
– Não vejo cidade nenhuma, disse Milo baixinho.
– Nem eles, observou Alex com tristeza, mas não faz a menor diferença, porque não sentem a falta dela.
Muitos anos atrás, aqui mesmo neste lugar, havia uma linda cidade com casas agradáveis e parques convidativos. Seus habitantes nunca estavam com pressa. As ruas eram cheias de coisas interessantes para ver e as pessoas frequentemente paravam para contemplá-las.
– Eles não tinham nenhum lugar para ir? perguntou Milo.
– Claro que sim, continuou Alex, mas, como você sabe, a razão mais importante para se ir de um lugar a outro é ver o que existe entre eles, e as pessoas tinham grande prazer em fazer exatamente isso. Certo dia, contudo, alguém descobriu que, se andasse tão depressa quanto possível e só olhasse para os sapatos, chegaria muito mais rápido a seu destino. Logo, logo todo mundo estava fazendo o mesmo. Todos corriam pelas avenidas sem reparar nas belezas e maravilhas da cidade ao passar por elas.
Ninguém dava a menor pelota para o aspecto das coisas e, à medida que andavam mais e mais depressa, tudo foi ficando mais feio e mais sujo. Quanto mais feio e mais sujo, mais depressa andavam, até que por fim começou a acontecer algo muito estranho. Como ninguém ligava para nada, a cidade começou pouco a pouco a desaparecer. Dia após dia os edifícios foram ficando menos nítidos e as ruas desbotaram, até que tudo se tornou invisível. Não havia mais nada para ser visto.
– O que é que eles fizeram? indagou Mausquito, de repente se interessando pelo relato.
– Nadinha, continuou Alex. Continuaram a viver aqui como sempre haviam vivido, nas casas que não podiam mais ver e nas ruas que haviam desaparecido, porque ninguém tinha prestado atenção em nada. E é assim que vivem até hoje.
– Ninguém contou para eles? perguntou Milo.
– Não adianta, respondeu Alex, porque, andando sempre tão depressa, nunca conseguem ver aquilo que nem se interessam em olhar.”
trecho do livro Tudo depende de como você vê as coisas, de Norton Juster, pela Cia das Letras
O primeiro presente que ganhei quando comecei a andar de bicicleta foram as flores do meu caminho. Bem boçal dito assim, mas descobrir que naqueles caminhos que eu passava voando existiam muitas árvores, flores, cachorros, passarinhos, lojas de artesãos e até amigos foi como um cego voltando a enxergar. Tava tudo sempre ali, eu é que não estava, só passava.