São Paulo sempre se mostrou locomotiva, mas é a cidade da hegemonia do motor dependente do asfalto. Aqui os trilhos estão aquém do necessário e as ruas e avenidas, 17 mil quilômetros de mobilidade perdida. A promessa, finalmente em curso, de realizar 400 mil metros de oportunidades ciclísticas sofreu um grande ataque jurídico. O planejamento cicloviário paulistano, compromisso de campanha do atual prefeito eleito e de seu adversário derrotado foi questionado na justiça.
Por mais que as críticas e os erros sejam apontados por quem pedalava, passou a pedalar ou quer pedalar, os ciclistas do Brasil e do mundo juntaram-se em uma bicicletada mundial para defender que acima de tudo, ciclovias e ciclofaixas são uma necessidade para o presente e futuro da cidade e que nenhum retrocesso pode ser tolerado na implementação de uma malha cicloviária à altura da maior megalópole da América do Sul.
A conquista por uma praça do Ciclista na cidade de São Paulo foi trabalho de poucos, mas que rendeu frutos. Um espaço perdido, que quase flutua sobre um buraco na avenida Paulista foi primeiro nomeado informalmente, depois oficializado para finalmente ser ponto de aglomeração para protestos das mais variadas frentes. Do espaço onde nasceu o cicloativismo paulistano em 29 de junho de 2002, partiu a histórica e massiva pedalada de 27 de março de 2015. E foi nesse dia que a massa crítica mostrou-se reação em cadeia. O núcleo duro, congregação informal de corações, mentes e almas pulsantes em favor da bicicleta estava presente. Amigos, velhos conhecidos, grupo de cerca de 300 pessoas que manteve e fez crescer ali, na avenida Paulista com a Consolação, uma força local e nacional, orgânica e horizontal em favor de uma paulicéia menos desvairada e mais humanizada.
Protesto com propósito claro, reivindicação coesa e revolta reativa contra as forças do retrocesso, a bicicletada de março de 2015 foi talvez a mais efetiva da história das bicicletadas. Desde 2013 mais propensos à ouvir a voz das ruas, os líderes formais constituídos atenderam à reinvindicação das ruas e enquanto ocorria a pedalada, a ação civil pública pela paralisação das obras do planejamento cicloviário paulistano foi suspensa.
Alegria, festa. Foi esse o tom depois que pipocou aos poucos a notícia de que a expansão da rede mínima de infraestrutura cicloviária em São Paulo iria continuar rumo aos 400km e além. Passaram a ser então 300 amigos, 2.000, 3.000, 5.000 ou até 7.000 pessoas em bicicleta e à pé comemorando que uma cidade mais humana continuaria a ser desenhada.
Foram os excessos da engenharia que sonhava ser capaz de equacionar a insolúvel mobilidade das carruagens motorizadas que levaram nossas cidades ao limite. A falência de Detroit, capital da motorcracia norte-americana, e os congestionamentos paulistanos diários provam que só com ações e idéias do século XXI será possível desfazer os estragos do passado.
São Paulo está pintando vias para as bicicletas com base em planos que estavam presos no papel e muita gente descobriu a bicicleta através desses novos espaços de circulação nas ruas. Foi a liberdade e o direito à cidade que levou a maior massa de pessoas em bicicleta a pedalar pela Paulista e ficou claro que quem experimenta ser livre, não volta ao cárcere passivamente.
Cada dia mais será socialmente inaceitável defender o privilégio de uma cidade em prol da mobilidade individual motorizada, mas as ruas, antes de um espaço físico, são espaço simbólico de dialógo e disputa de poder. Pela força dos números e alegria da pedalada, houve uma vitória. Ficou claro à quem acompanhou que a bicicleta não é programa de governo, com filiação partidária. Trata-se de uma construção global e coletiva, com uma organização dispersa e em rede.
Por conta dos amigos que formaram a massa crítica de ciclistas, do esforço apaixonado de quem acredita na bicicleta como ferramenta de transformação e da maturidade humana capaz de buscar novas soluções urbanas é que #VaiTerCiclovia. Numa malha cada vez mais extensa, com cada vez mais pessoas em mais bicicletas mais vezes. Com calma, fica o desafio de não se emocionar com o registro sensível de José Renato Bergo: