Transporte Ativo, 11 anos

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Final de ano é para relembrar e comemorar as conquistas passadas e renovar os ânimos para pedalar ainda mais. Dezembro também é mês de aniversário da TA, são exatos 11 anos nesse dia 22.

Ao longo desse período, foram 478 ações, 978 aparições na mídia, sendo: 125 TV, 64 Radio, 539 web e 250 Impressos.

Do material produzido e divulgado, foram 1.233.998 Downloads no site. O grande destaque cabe aos 94.983 Downloads do CTB de Bolso, arquivo mais baixado e que ainda teve 120.000 impressos distribuídos e mais de 10.000 downloads do aplicativo Android.

O material impresso inclui 6 publicações originais: De bicicleta para o Trabalho, Bicicleta na Empresa, Frota de Biciciletas; Guia para contagem Fotografica de bicicletas, Diagrama Bicicletários, Seja Educado. Além de 20 traduções

Nas ruas, 3 ações que se espalharam pelo país: Vaga Viva, Desafio Intermodal e Contagens de Bicicletas. As duas primeiras batizadas por nós, e que se tornaram muito maiores que nós mesmos. Outro exemplo nas ruas é a realização do Dia Mundial sem Carro no Rio entre 2005 e 2009, ação que passou a ser encampada pela prefeitura.

Graças a dedicação cidadã de associados e promotores do uso da bicicleta Brasil afora, são ainda 8 Mapas colaborativos feito as partir de nosso tutorial.

Disseminar conhecimento também rende boas pedaladas foram 170 Palestras, apresentações e seminários em 25 cidades de 8 países: Brasil, Argentina, Peru, Colombia, Equador, Inglaterra, Holanda e Aústria. E havia muita diversidade entre os espectadores: do Poder Público, de concessionárias de transporte, escolas, universidades, associações classistas, sociedade civil organizada etc.

O reconhecimento também veio com 4 Prêmios, sendo dois internacionais: Prêmio ANTP-Abradibi Melhor Iniciativa de Promoção e Incentivo ao uso da Bicicleta 2005, Prêmio Pedala Brasil de Melhores Iniciativas em Prol da Mobiblidade por Bicicleta 2007 e 2 Cycling Visionaries Awards no Velo City Vienna 2013. Foram ainda 5 menções honrosas/homenagens: Honra ao Mérito, Pedala Brasil de Melhores Iniciativas de Comunicação em Prol da Mobiblidade por Bicicleta 2007, Homenagem Shimano Latin America 2011, Honra ao Mérito, Parceiro Ambiental, Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Rio de Janeiro 2012, Honra ao Mérito, Concurso Rio APPs, Secretaria de Ciência e Tecnologia, Rio de Janeiro 2012, Menção Honrosa no Prêmio Mobilidade Minuto do Institute pour la Ville em Mouvemente 2014.

Fomos ainda membros fundadores e conselheiros da UCB – União de Ciclistas do Brasil e da WCA – World Cycling Aliance.

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Sem as pessoas que pedalam junto, nada disso teria sido possível. São mais de 50 voluntários dedicados além de 10 pessoas envolvidas diretamente. Valeu Zé, João, Arlindo, Vera, Edu, Denir, Blé, Rodrigo, Robson, Fabio e os muitos parceiros pelo mundo afora.

Cidades para crianças

A cidade ideal da criança é aquela em que é possível ter liberdade e autonomia. Caminhar, parar, olhar, correr, sentir, conversar. Ir e vir solto, leve e em segurança.

O vídeo acima é daqueles que coloca um cisco no olho e faz escorrer uma lágrima, mostra a poesia urbana que muitas vezes deixamos esquecida. Desperta a invisível beleza contida em toda cidade.

No opressivo cotidiano urbano, é mais fácil ver as faltas, todas chamam muito a atenção. Descobrir soluções no que já existe é antes de mais nada mudar a perspectiva. Faz falta uma revolução estética, mexer naquilo que está posto primeiro dentro das mentes humanas que habitam a urbe. Feita a reforma mental, adaptar o mundo construído é quase fácil.

O vídeo “Caminhando com Tim Tim” também está disponível via youtube.

Paris ficará livre para as pessoas

A cidade de Paris não inventou a roda, mas tratou de popularizar a bicicleta e para isso o Velib foi fundamental. O primeiro grande sistema de bicicletas públicas, que se somou a uma rede de ciclovias e ciclofaixas revolucionou a cidade mais turística do planeta e com um dos mais densos sistemas metroviários.

Seguindo a lógica de investimentos da administração municipal de Bertrand Delanoe, a atual prefeita Anne Hidalgo tem planos para uma cidade livre para pessoas e com menos poluição até 2020. A poluição do ar é um problema a ser combatido no entendimento da opinião pública parisiense e a restrição aos motores diesel e motores à explosão em geral é um passo fundamental para limpar os ares de moradores e de milhões de turistas.

Centro da cidade livre de carros

Cabe ressaltar que Paris não inventou a lógica de um centro urbano livre de carros. Calçadões e até centros históricos permitidos apenas para pedestres, ciclistas e veículos de carga são realidade até mesmo no Brasil. A importância da decisão tomada na capital francesa é sobre o impacto que uma metrópole para pessoas e veículos limpos representa mundo afora.

O presente nos mostra congestionamento e poluição em todas as grandes capitais mundiais, que a mais visitada delas retome o paradigma de cidades centradas ao redor das pessoas é certamente uma decisão que definirá o futuro urbano do planeta.

Cidades radiantes

Foi também da França que veio a idéia da cidade do século XX. Através do suíço Le Corbusier, espalhou-se pelo mundo a revolução urbanísticas das cidades máquinas, espaços construídos à partir do nada e planejados de maneira rígida em zonas residenciais, comerciais e industriais. Uma proposta de uma nova sociedade, moderna, limpa e eficiente.

Como era de se esperar, o modelo de Ville Radieuse (ou Cidade Radiante) defendido por Corbusier, foi apenas parcialmente implementado e no geral falhou em seus princípios. As concentrações urbanas jamais poderiam ser pensadas como tábulas rasas a serem desenhadas no papel para funcionar de acordo com a lógica de máquinas. O elemento humano, esse “detalhe imperfeito”, mudou muito pouco (ou quase nada) com a invenção da modernidade. Natural portanto que mais importante que adequar o espaço urbano aos “novos tempos”, é preciso mante-lo adequado às necessidades de seus moradores e visitantes.

Preconceitos escancarados

Infelizmente a invenção da lógica da cidade como espaço de circulação entre “zonas” permanece viva até hoje no famoso e famigerado “senso comum”. Por mais que a elite brasileira visite e admire o quão ciclável Paris seja hoje, ainda sobrevive a defesa simbólica da rua como espaço público de uso privado dos que podem pagar.

Em (mais um) caso, moradores de São Paulo demonstram o quanto a cidade ainda pedala ladeira acima para ser um pouco mais européia. Seja ao adaptar o modelo parisiense, ou buscar se tornar uma Copenhague dos trópicos como definiu a revista inglesa The Economist.

Declarações insulfladas na cobertura midiática visam a desqualificar o debate, reforçar preconceitos na defesa infrutífera de um modelo de cidade que nasceu no século XX e que lá ficou.

O vídeo abaixo e o texto que o acompanham é material vasto para irritar ciclistas e cicloativistas e fazer corar quem acompanha as vanguardas do planejamento urbano mundial.

Antes que a marcha ciclística da história condene as metrópoles brasileiras ao congestionamento motorizado apocalíptico, é preciso sensibilizar corações e mentes sobre o futuro inevitável da reumanização urbana. Afinal, cidades foram e continuam sendo as colméias humanas por excelência. Há quem não goste de gente, ou de colméia, resta a estes buscar alternativas.

Leia mais:

Paris mayor announces plans for a car-free city centre, plus €100m for bike lanes
Ville Radieuse / Le Corbusier
Moradores de áreas nobres da capital acionam MP contra ciclovias

Do que depende a sobrevivência das cidades

Repensar a cidade através da escala humana passa necessariamente por conhecer um pouco da vida e obra de Jane Jacobs, referência mundial da luta pela manutenção do ambiente urbano como espaço humano. Valem destacar três características dessa jornalista, escritora e ativista política: o autodidatismo, a articulação política e a maternidade.

Com uma quase aversão ao mundo acadêmico e suas formalidades, Jacobs construiu uma carreira ao redor do aprendizado na prática e uma formação generalista. Primeiro como jornalista depois como pensadora urbana. Sua articulação política veio em oposição a uma força avassaladora que desumanizava as cidades estadunidenses, o planejamento urbano centrado em grandes projetos, herméticos, impactantes e majestosos. Todos os atributos de um “cemitério digno e bem cuidado” nas palavras de Jacobs.

Por ser mulher e mãe em um ambiente opressivamente masculino, Jane Jacobs tinha um elemento fundamental de contestação para apresentar: o feminino. Existe uma corrente de pensamento que coloca o feminino como um valor de complementaridade ao ambiente natural, ainda que nem todas as mulheres sejam sensíveis, cooperativas e solidárias com a natureza. O exemplo que se aplica à Jacobs é no entanto bastante prosaico. Ela foi a oposição fundamental à Robert Moses, o homem que moldou Nova Iorque com grandes projetos e grandes vias expressas. Uma delas, nunca construída, passaria justamente no parque onde Jane levava suas crianças para brincar. Para Moses, a única oposição ao seu plano para o Washington Square Park era um “bando de mães”. De um lado a força cooperativa de uma mulher articulada e do outro a sanha desenvolvimentista que não aceitava barreiras naturais ou humanas.

A via expressa que cortaria o Parque nunca foi concluída e enquanto o reconhecimento póstumo à Jane Jacobs segue cada dia mais presente, a trajetória e realizações de Robert Moses são hoje um legado superado de planejamento urbano.

Três frentes para salvar as cidades

Da trajetória de mobilização de Jane Jacobs, são outras três frentes que ajudaram a manter e promover uma Nova Iorque mais humana. Organização de base para aumentar o número de aliados, pressão nos líderes locais e uma campanha forte para ganhar a atenção dos meios de comunicação. São Paulo atualmente tem todos os elementos propícios para o surgimento de lideranças que confrontem a destruição urbana de um planejamento que já se provou equivocado ao longo do século XX no mundo e na própria capital paulista. O alinhamento entre o poder público e as construturas seja a manifestação mais visível das forças que agem no presente para resultados nefastos no futuro.

A “Operação Urbana Consorciada Faria Lima” sofreu (e ainda sofre) oposição difusa por quem acredita na necessidade de um planejamento urbano centrado nas pessoas e menos na reorganização dos fluxos de tráfego particular e coletivo, principal objetivo declarado da Operação.

Um crescente movimento de base ao redor de questões urbanas vem surgindo já há alguns anos na cidade e se articula para contestar os investimentos em mobilidade individual motorizada. Investimentos que reforçam a destruição do espaço público e geram mais congestionamento motorizado, apesar de alegar o oposto. As festas e ocupações realizadas por diversos atores no Largo da Batata em Pinheiros são parte da contestação necessária e também uma tentativa contemporânea de repensar os usos do espaço público e suas transformações.

Pela festa e com alegria, as pessoas tentam reinventar um espaço que era vivo e degradado e que foi dinamitado para ficar organizado, amplo e morto. O ativismo pé no chão que faz das ruas espaços para dançar. Uma iniciativa feita in loco e com pessoas no mesmo local modificado com um pensamento centrado em mapas, planilhas de investimento e visões aéreas.

A pressão nos líderes locais culminou na incorporação ao discurso do prefeito da cidade de muitas das bandeiras defendidas por aqueles que contestam o modelo urbano do século XX, ainda vigente em São Paulo. Mesmo que sem uma guinada política em favor do planejamento humano ou rompimento com as forças em prol da expansão desmembradora do espaço público.

Justamente pelo perfil festivo dos “protestos”, a cobertura midiática tende a ser positiva, ainda que não explore os elementos de contestação presentes na idéia dos organizadores. Mas ao contrário dos anos 1960, existe o boca-boca amplificado das redes sociais, um espaço mais plural de construção de narrativa, onde se alia a festa com seu viéis de combate ao status quo.

Momento de transição

São Paulo ainda terá de lidar com os Certificados de Potencial Adicional de Construção (CEPACs) emitidos para permitir prédios mais altos que custeiem as transformações no espaço público dentro de operações urbanas. Novas avenidas, viadutos, complexos arquitetônicos desconectados da cidade e só acessíveis por meios motorizados, tudo isso ainda segue por vir. Ao mesmo tempo, as forças de oposição se articulam em discurso e na prática para dar um basta a expansão de um modelo de cidade que deveria ter sido deixado para trás.

Nas palavras de Jane Jacobs, se os planejadores urbanos se dispuserem a sair para caminhar nos espaços que buscam “readequar”, será possível ver uma série de dicas para a construção de ambientes agradáveis.

Cidades mais humanas serão feitas através de mais participação das pessoas e da defesa incessante do espaço público. E o pedestrianismo como valor fundamental ajuda que mais gente entenda o que pode melhorar. São Paulo carece da sua Jane Jacobs, mas se há esperança para o futuro, ela reside nas mulheres e homens que festejam e se articulam por uma outra paulicéia possível.

Mais informações:
Downtown is for People – Jane Jacobs, 1958
When David Fought Goliath in Washington Square Park
Conheça a Operação Urbana Faria Lima – SP Urbanismo
CEPAC – Operação Urbana Consorciada Faria Lima
Relações de gênero, meio ambiente e a teoria da complexidade
A Batata Precisa De Você

Como pedalar de óculos na chuva

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Cada gota entre o óculos e o rosto rasga um pouco e cega os olhos outro tanto. Mas quando a chuva de verão vem forte e postergar a pedalada é indesejável ou impraticável, resta seguir.

Uma boa capa de chuva eventualmente irá sofre com a densidade da água que escorre pelo cangote peito abaixo. As lentes coberta de gotas acabam por mais atrapalhar a visão do que corrigir as distorções da miopia.

Luzes de freio, concentração total nos buracos e tampas de bueiros. Por caminhos conhecidos fica tudo mais simples e aos poucos é possível se entregar ao prazer da água que cai, torrencial.

Concluída a aceitação o aprendizado passa a ser a cegueira e o instinto de seguir quase de olhos fechados. Não existe mais velocidade, apenas a fluidez.

A água escorre pela capa de chuva, no rosto, sobe do chão para os pés, percorre os pneus. Desce pelos paralamas, acumula-se nas pequenas depressões no asfalto. Torna-se nada, apenas água. E chega-se ao destino.