Ruas e ciclofaixas de lazer

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O Rio de Janeiro por hora não terá uma ciclofaixa operacional de lazer para fazer a ligação entre a Quinta da Boa Vista e o Aterro do Flamengo. E talvez essa não seja uma notícia tão ruim.

São Paulo investiu com grande sucesso no modelo de ciclofaixa operacional de lazer, uma adaptação cicloviária do modelo de ruas de lazer que tem exemplos ao redor do mundo.

Durante um período de tempo, aos domingos e feriados, ruas são abertas para a circulação exclusiva de pessoas em bicicletas, patins skates, etc, essas são as ruas de lazer.

As ciclofaixas de lazer, no modelo paulistano, abrem uma pista no viário para a circulação exclusiva de bicicletas durante um curto período na semana. A visibilidade e a promoção da viabilidade da bicicleta como veículo urbano (ainda que só aos domingos e feriados) é o principal ganho para a cidade.

Pelo sucesso alcançado, a rede de ciclofaixas operacionais de lazer de São Paulo se expandiu pela cidade e tornou-se modelo no Brasil. Os custos envolvidos são altos. É preciso sinalizar as vias, comprar cones e principalmente pagar pessoas para montar e desmontar a operação.

A ligação Quinta da Boavista / Tijuca ao Aterro do Flamengo seria maravilhosa, mas as ciclofaixas de lazer aos domingos, no modelo paulistano, são formas não democráticas de lazer. As ruas de lazer já em operação no Rio (em São Paulo e diversas cidades) são muito mais democráticas e permitem a todos que tenham mais uma opção de lazer aos domingos e feriados.

Ao privilegiar os ciclistas, estes tendem a achar que o espaço é só seu e não gostam de dividi-los com pedestres, patinadores, skatistas dentre outros que também deveriam ter direito a um lazer extensivo.

Nos moldes das Summer Streets de Nova Yorque , para todos, nossas áreas de lazer se destacam mundialmente, mas para os cariocas e paulistas é algo tão comum e antigo que sequer damos conta do que temos.

No Rio centenas de ruas são fechadas ao trafego aos domingos e feriados, mas nenhum marketing é feito em cima disso, em São Paulo, apenas algumas faixas em grandes avenidas fecham parcialmente e o marketing é tão grande que parece algo sensacional, enquanto é algo bem pequeno em comparação com o potencial das ruas de lazer.

O modelo de Bogotá, “ciclovias” dominicais abertas a pessoas em bicicleta, skate e patins, é uma alternativa mais viável de popularizar o lazer no espaço público das ruas e avenidas e ao mesmo tempo promover o uso da bicicleta, mas não só ele.

Com mais de 120 km de vias para pessoas aos domingos e feriados, Bogotá privilegiou a simplicidade, com avenidas inteiras, e não apenas uma faixa de circulação, dedicadas a pessoas, sem distinção sobre o meio de transporte usado.

Toda cidade precisa oferecer lazer aos seus habitantes, e promover o lazer em bicicleta é uma forma útil e inteligente de tornar nossas cidades melhores. O (temporário) insucesso da ciclofaixa operacional de lazer carioca é uma boa oportunidade para discutirmos modelos oferecidos pelas cidades aos seus moradores e visitantes.

Ponte anti-inundação em São Paulo

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Foto: Daniel Guth

A “valet-ponte” que ilustra esse texto é um retrato das águas de março em São Paulo, uma cidade que descobre enchente onde antes havia a baixada de um rio, descobre corredeiras de água suja pelo asfalto onde antes escorriam cachoeiras.

Uma redistribuição eficiente do espaço de circulação urbano, com mais árvores, rios a céu aberto e solo permeável é mais do que sonho utópico. É um redesenho urgente da metrópole que já foi da garoa e hoje é da tromba d´água com enchente.

A cada boletim informativo da CET-SP que divulga o número de pontos de alagamento intransitáveis, melhor ler que por ali perto passa um rio escondido em uma tubulação subterrânea que não lhe dá vazão.

Pela ponte e entre rios circulam os ciclistas, imunes ao semáforos que se apagam com as trombas d´água, às árvores caídas que inviabilizam a circulação motorizada e ao caos que se instala em uma cidade que virou as costas para os seus rios.

É Lenine que canta “esse lugar é uma maravilha, como faz para sair da ilha? É pela ponte, é pela ponte”.

O documentário Entre Rios com a história hídrica de São Paulo:

ENTRE RIOS from Caio Ferraz on Vimeo.

Você praça

Quem circula pelas ruas de São Paulo, ou até mesmo que está de olho nas novidades que aparecem nas redes sociais podem já ter visto uma imagem que traz um stencil com a frase”

Você praça, acho graça

Você prédio, acho tédio

O autor é Dafne Sampaio, que se define como “um sujeito de cabelos e barba grisalhos, óculos” e busca muros e tapumes pela cidade para fazer o diálogo com esses espaços e com a cidade, suas pessoas.

As reações de quem passa e vê o jornalista em ação nas ruas são sempre cordiais e despertam sorrisos. São Paulo, cidade opressiva com ruas travadas com tantos carros, em que falta espaço público para contemplação certamente precisa desse debate.

Praças nesse contexto são a graça de poder estar na cidade em um ambiente público, o prédio é a esfera privada, o espaço sem diversidade e cada vez mais isolado do tecido urbano por muros altos, grades e garagens.

A história completa de como surgiu a idéia do estêncil está no blog do artista. Há ainda o texto “Por uma cidade cheia de graça” que conta um pouco mais.

Carnaval, época de ruas para pessoas

O carnaval no Brasil é o período do ano em que as ruas são devolvidas as pessoas para comemorações e festas.

Ainda assim, as cidades e suas administrações municipais ainda buscam aprender como readequar, ainda que de maneira excepcional, o espaço público para circulação e ocupação exclusiva de pedestres.

O já tradicional carioca molda a cidade semanas antes dos desfiles das escolas de samba na Marquês de Sapucaí. Os blocos de rua atraem multidões para a festa o que impacta negativamente o fluxo motorizado.

Ciente da importância da festa para seus cidadãos e turistas, a prefeitura do Rio de Janeiro sempre faz campanha pública para que as pessoas priorizem o transporte público e também a bicicleta. photo 2

A enormidade do fluxo humano é ao mesmo tempo beleza e drama. O fluxo carnavalesco é festa, mas dada a quantidade de pessoas que atrai, tem também graves problemas. Para listar o principal deles, resíduos da festa. Seja a serpetina, as latinhas de cerveja ou a urina.

Felizmente os fluxos diários, fora da época de festas são mais equacionáveis, mas precisam levar do carnaval a lição principal, as ruas pertencem as pessoas e é necessário garantir que o espaço público possa ser usado com prioridade absoluta para as pessoas.

A direção e o propósito dos deslocamentos é secundário, seja para festa ou para a ida ao trabalho, as ruas pertecem aos cidadãos e devem ser usadas de maneira eficiente para os diversos fluxos urbanos.

Bicicletário Cultural colaborativo

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Bicicletário do Teatro Vila Velha em Salvador.
Foto: Pablo Vieira Florentino

Cidade que optou pela solução moçárabe de construir-se sobre cumeadas artificiais, como nos lembra o grande geógrafo Milton Santos, Salvador é marcada por suas praças em belvedere, sempre debruçadas do alto dos morros ora com vista para o mar, ora para os vales. Dentre estas, apenas uma funciona como pequeno parque de bairro: o Passeio Público de Salvador.

Construído dentro do paradigma da reforma neoclássico-iluminista e da expansão urbana sob o vice-reinado do Marquês de Pombal, o Passeio Público abriga em uma de suas entradas o Palácio da Aclamação, hoje um museu estadual. Dentro dele já se localizou a Galeria Oxumaré, berço do modernismo na Bahia, e hoje fica o lendário Teatro Vila Velha – complexo cultural com dois placos, quatro salas de ensaio, três grupos residentes (entre os quais o Núcleo Vila Dança e o Bando de Teatro Olodum), e que sedia diversos eventos internacionais. Do Velho Vila surgiram nomes como Glauber Rocha, lá estreou Gal Costa, e a frente dele está há décadas o hoje ex-Secretário Estadual de Cultura Marcio Meirelles.

Recentemente, o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural do Estado da Bahia (IPAC) resolveu erradicar as vagas de estacionamento para automóveis que equivocadamente se encontravam dentro da área do parque. Aproveitando esse fato, e aliado a enorme expansão do uso de bicicleta por freqüentadores e funcionários do Teatro Vila Velha, o Coletivo Mobicidade e a Associação Psicólogos do Trânsito e Mobilidade Humana (PATRAMH) resolveram fazer algo a respeito (veja mais sobre a ação).

No entorno do Passeio Público, dia 18 de janeiro à noite (horário de pico de demanda para o teatro), foi realizada a primeira contagem fotográfica de usuários de bicicleta, seguindo a metodologia desenvolvida pela Transporte Ativo; e no dia seguinte, 19, sábado pela manhã, fez-se um mutirão para instalar um bicicletário de seis vagas no local. Em contrapartida, o Teatro Vila Velha tem estabelecido preços promocionais nos ingressos de suas atividades para aqueles que o frequentarem de bicicleta.

A localização do bicicletário é estratégica, não só por ser perto da entrada de serviço do teatro e da rampa de acesso a sua bilheteria, mas também porque libera a visualidade do totem do teatro e a usabilidade do sofá de concreto que pode ser visto na foto. Antes vedado pela presença de automóveis, esta área tem sido sempre freqüentada por grupos de pedestres que se sentam e conversam animadamente, como numa sala de estar, uma vaga-viva permanente.

Mais ainda, é sempre bom lembrar que sendo o Passeio Público uma das entradas para o Circuito Osmar do Carnaval (Avenida Sete de Setembro e Campo Grande), quem quiser pode ir pedalando e guardar a bicicleta dentro dele.

Nota, o post é de autoria do Lucas Jerzy Portela d’O Último Baile dos Guermantes.