Devolvam a cidade para as crianças

As ruas das cidades um dia já foram para jogar bola, queimada, pular amarelinha, ralar o joelho nas primeiras pedaladas. Hoje a diversão é contra a lei e as crianças precisam se proteger do onipresente fluxo motorizado.

Questionar o uso do espaço público das ruas é papel de todos e uma atividade que interessa a ciclistas, mas também a pais, mães e todos os que vivem e circulam pelas cidades. A devolução da cidade para as pessoas tem um caminho simbólico a ser percorrido através das crianças.

As grandes (e caras) estruturas de concreto que se espalharam por nossas cidades tem sido questionadas, porém ainda são sinônimo de progresso. Mas com quantas toneladas de aço, cimento e brita se faz uma cidade melhor?

Em Utrecht na Holanda tem até escorrega no lugar de escada para acessar mais rápido uma estação de trem, diversão e promoção ao uso do transporte público para crianças e adultos. É um “acelerador de transferência ferroviária“.

Quando a cidade puder ter fluxos compatíveis com a vida e espaços para as brincadeiras livres das crianças, estaremos todos um pouco melhor. Até lá serão muitas pedaladas e o enfrentamento de um discurso que considera o fluxo motorizado soberano em relação à vida.

Assista ao vídeo veiculado em um jornal local carioca: Menino é flagrado descendo Elevado Paulo de Frontin de velocípede

Conselhos direto do selim

photoO conselho de transportes da cidade do Rio de Janeiro tem espaço para o selim como um dos representados.

Organização paritária com participação do governo, universidade, trabalhadores e sociedade civil, pela primeira vez bicicletas, motoristas e deficientes são convidados à participar de um conselho deste tipo.

Além dos departamentos governamentais envolvidos com o trânsito da cidade, estão por lá:
Coppe/UFRJ, PUC-Rio, ANTP, Transporte Ativo, ITDP, representantes dos motoristas de ônibus e deficientes físicos, dentre outros. Através de reuniões bimestrais, o conselho irá tratar da Mobilidade Urbana e sua governança. Com um olhar para frente em busca de soluções.

Prioridades do Conselho Municipal de Transportes:

  1.  Transporte Público de Alta Capacidade –  Trens Metrô BRT e Barcas;
  2. Integração física e tarifária;
  3. Transporte de Média e Baixa Capacidade – ônibus, VLT, taxis, vans, bicicletas.

Metas do Conselho Municipal de Transportes:

  • Reduzir pela metade o tempo das viagens;
  • Reduzir 15% os acidentes até 2016 com base em 2008;
  • Integrar todo o Tranporte Público ao Bilhete Único;
  • 60 % circulando em TP de alta capacidade até 2016. Hoje são 20%;
  • Modernizar a frota de Transporte Publico em 100% até 2016;
  • Ter 100% dos Taxis regularizados;
  • Indicadores de qualidade.

O maior desafio das cidades hoje é o transporte e o sistema de mobilidade urbana será o indicador maior do sucesso de uma cidade.

Na primeira reunião do conselho foi feito um histórico desde 1900, que nos trouxe até os dias de hoje. Ao final as visões de futuro. Mesmo convidada para o conselho, a bicicleta não aparece neste histórico.

O papel da Transporte Ativo, como representantes da bicicleta, será as possibilidades e benefícios da mobilidade sobre duas rodas à pedal para cada novo projeto, seja como alimentador do transporte público de alta capacidade ou como elemento fundamental para a circulação local dentro dos bairros.

Segurança no trânsito: causas e consequências

O foco de segurança no trânsito, (road safety), muitas vezes se perde numa luta sem fim, ou frustante, pois a preocupação maior fica mais nas consequências do que nas causas.

Muito se faz para amenizar a dor das pessoas que perderam parentes e amigos em acidentes de trânsito, muito se faz para conscientizar sobre o uso seguro de veículos motorizados, carros e motos. Mas faz falta saber o porque das pessoas utilizarem carros e motos.

Cadeirinha para crianças, cinto de segurança, saber atravessar a rua, capacete, tudo parece uma tentativa de se adaptar a uma situação, mudar apenas sua triste estatística, mas não uma luta para mudar o paradigma da mobilidade.

Obviamente, muitos reconhecem que o uso obsessivo e irresponsável do carro e da moto é um problema grave. Exatamente por isso o foco precisa se voltar para questionar o uso do carro – e com isto incentivar mais pedestres e bicicletas. Ainda que hoje as preocupações e discursos girem ao redor de tornar mais “seguro” o uso de carro e motocicleta.

O gráfico acima mostra o número de mortos no trânsito por 100.000 habitantes no Brasil. Vê-se o impacto positivo da promulgação do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) em 1997, mas os efeitos da nova (e mais rigorosa) legislação se dissiparam ao longo dos anos.

Punições, fiscalização, multas e legislação fazem parte da solução do problema, mas é preciso entender e promover alternativas. A construção consistente de uma política de incentivos a comportamentos seguros é certamente mais eficiente do que pensar somente na punição dos que violam normas complexas.

Esse texto foi produzido após “Seminário Nacional sobre Advocacy para ONGs com foco em Segurança no Trânsito ” realizado em Brasília nos dias 12 e 13 de agosto de 2013 pela OPAS.

Veja fotos do seminário e saiba mais sobre a apresentação de Eduardo Biavati.

Barreiras aos ciclistas

A inclusão da bicicleta de maneira plena na mobilidade urbana das cidades é uma trajetória longa com episódios simbólicos durante o caminho.

O tratamento cotidiano recebido por ciclistas e pedestres é talvez a maior exemplificação da importância de defender a inclusão e a atenção às necessidades de pedestres e ciclistas. Fotos de interdições completas de calçadas para obras, sem a garantia de alternativas seguras, são corriqueiras.

O problema certamente vai muito além da atenção do mestre de obras em preservar seu trabalho de restauração até que o cimento seque. É retrato de que a fluidez segura e confortável de pedestres reside na lista de inexistências da mobilidade urbana.

Certamente o melhor exemplo recente seja o impressionante muro na beira de uma ciclovia na zona Leste de São Paulo. Da noite pro dia surgiu uma parede no meio do caminho, no meio do caminho a parede ficou, grudada ao guard-rail. Aos pedestres e ciclistas coube encarar o muro de frente e depois de contorná-lo, pular a infame estrutura de ferro. Essa ultima sempre lá para proteger os motoristas de muros e paredes que por ventura “interrompam” suas velozes trajetórias.

No futuro a mobilidade urbana será com menos sinalizações, divisões entre calçada e rua. Nesse futuro a circulação das pessoas será prioridade e as altas velocidades que tornam as ruas incompatíveis com a vida serão restritas à distantes auto-estradas. Até que esse futuro se construa, há que mudar a percepção que o caminho de pedestres e ciclistas pode ser interrompido sem qualquer consideração.

Leia mais sobre o muro: “Ciclovia em São Paulo foi fechada por um muro” e sobre “Os muros concretos que dividem o mundo“.

Cidades precisam de escala humana

Calçada sufocante em São Paulo

Calçada sufocante em São Paulo

Cidades são organismos vivos e felizmente sempre em mutação. Quem vive a rede urbana através do transporte público, o de transporte ativos, descobre em suas caminhadas e pedaladas que muitas vezes o ser humano parece ser um convidado trapalhão em um ambiente de amplitude e linhas retas para a circulação viária de motorizados.

A engenharia de trânsito, aquela que planeja a cidade para fluxos motorizados, nos leva a crer que a fluidez é uma entidade a ser preservada acima de todas as outras necessidades urbanas.

Dentro dessa lógica pode parecer natural organizar fluxos, sinalizar prioridades e comunicar com placas e sinalizações horizontais os caminhos e descaminhos a serem tomados por pedestres e veículos. Mas essa forma de ação ainda é insuficiente para quebrar a percepção de que o mais importante no ambiente urbano é a escala humana.

Triciclo de carga transporta criança de maneira improvisada enquanto trafega na calçada

Triciclo de carga transporta criança de maneira improvisada enquanto trafega na calçada

Talvez a foto acima explique de maneira precisa o significado de escala humana, ou da sua inadequação nas ruas do Rio de Janeiro a necessidade de locomoção das pessoas. Ir e vir é necessidade para todos e as cidades quanto mais orientadas para o fluxo motorizado, mais inviáveis tornam-se para o próprio fluxo em si. Com isso geram conflitos e desconfortos a todos.

Placas e sinalizações irão ajudar no longo caminho de reverter a noção cultural de que a prioridade urbana é fazer fluir entes motorizados. A prioridade precisa voltar a ser os deslocamentos de pessoas e com essa lógica em mente, todo o resto se reorganiza.

A escala humana nas cidade joga luz sobre a necessidade de mais densidade de espaços de moradia, lazer e trabalho. Traz consigo a necessidade de deslocamentos mais curtos para facilitar caminhadas e pedaladas e tirar a pressão sobre o deslocamento de pessoas através de grandes distâncias. O que pressiona com lotação dos transportes públicos e congestionamentos dos motorizados na infraestrutura viária.

Há um longo caminho para chegarmos à cidades em escala humana. Mas esse caminho já foi iniciado e as cidades que pretendem sobreviver as pressões de um futuro cada vez mais urbanizado precisam trabalhar para garantir que haja variedade de opções e repertório de uso das ruas. O que só é possível quando as necessidades humanas são colocadas acima das fluidez motorizada, tornando os veículos automotores convidados trapalhões dentro da cidade.

Sinalização horizontal para bicicleta em São Paulo

Sinalização horizontal para bicicleta em São Paulo