Os ciclistas e as regras de trânsito

Onde houver infraestrutura para a circulação de bicicletas, haverão ciclistas dispostos a utilizar os espaços concedidos. O planejamento, execução e interligação da rede cicloviária terão influência direta sobre os números totais e até mesmo em relação as diferenças demográficas dos usuários. Ainda assim, um pequeno e aguerrido grupo tende a exigir respeito as “regras de trânsito”, como um tipo esdrúxulo de incentivo ao uso da bicicleta.

Existe uma definição desse embasamento teórico que busca adequar o ciclista às ruas é o ciclismo veicular (do inglês vehicular cycling), uma idéia que gira simplesmente ao redor de acreditar que condutores de bicicleta sejam apenas “mais um” dos atores do trânsito. E que, além disso, obedeçam os códigos de conduta que durante o século XX basicamente definiram de maneira simbólica e na prática que as ruas deveriam ser feitas apenas para a circulação motorizada.

Por mais que os ciclistas apocalípticos tenham grande valor em abrir caminho para a inserção da bicicleta nas cidades, quem pedala apesar de tudo, tende a ser um grupo pequeno. Em geral homens de perfil atlético, na faixa etária até 35 anos. Mesmo os que fogem do modelo de ciclista com lycra que “pedala forte”, tendem a ser homens abaixo dos 40 anos. Exceções feitas, apocalípticos e apocalípticas serão sempre um grupo minoritário frente ao todo da população.

Incentivar o uso da bicicleta é principalmente a defesa de espaços de circulação agradáveis e seguros para as pessoas. Ou em termos comparativos, garantir que avós, mães, pais e adultos com crianças circulem com tranquilidade de bicicleta pela cidade. Algo que só é possível com incentivos e grandes doses de entendimento sobre a natureza humana.
Basta pensar que ir voluntariamente a uma “guerra” não é comportamento padrão para a maioria das pessoas. E quem encara a bicicleta como um veículo e quer “enfrentar o trânsito”, basicamente está se submetendo às “regras de combate”, leis e ordenamentos postos no papel para garantir a segurança viária de condutores de motorizados, em especial os de quatro rodas ou mais.

Sempre bom lembrar que no trânsito alguns vestem carcaças de touros para se proteger de outros touros, quando na verdade deveríamos garantir que os touros ficassem longe dos espaços de circulação urbana e fossem relegados a funções mais dignas e longe das nossas ruas. Acima de tudo, é preciso que os próprios ciclistas deixem de lado a defesa de regras e leis feitas para fluxos taurinos e busquem defender a humanização urbana, aquela que entende que ciclista é como a água e segue pelos caminhos mais fáceis e diretos.

Onde houver uma contramão para motorizado, ciclista deverão ter garantido o fluxo em ambos os sentidos. Onde houver uma pista expressa ou rodovia, o ciclista deverá ter o fluxo garantido em uma alternativa isolada e segura. Onde houver um ciclista que avance o semáforo vermelho, deverá haver um temporizador mais adequado para diminuir a espera de quem pedala ou está a pé.

Por mais pessoas em mais bicicletas mais vezes, por tudo que a bicicleta representa.

Como seduzir a prefeitura para amar bicicletas

Promover o uso da bicicleta é pedalada de longa distância. Mais do que a velocidade é preciso constância. À convite do Bike Anjo, falamos na Oficina #2 sobre como fazer um plano cicloviário participativo. Desafio em todas as mais de 5.000 cidades brasileiras. A maior dúvida e talvez o grande aprendizado da Transporte Ativo nesses mais de 10 anos de atividade seja a arte de seduzir a prefeitura para amar a bicicleta.

Quem pedala conhece as alegrias e dificuldades da própria cidade, existem poucos ciclistas entre o corpo técnico e político das cidades. Sensibilizar esses atores é portanto o primeiro passo. Em cidades sem qualquer infraestrutura essa tarefa inclui primeiro apresentar a bicicleta e mostrar que ela existe. As contagens fotográficas fornecem esse material com perfeição, números e dados que demonstram o uso e são inteligíveis para quem baseia suas iniciativas no fluxo de motorizados.

Tal como uma discussão na mesa de jantar entre a filha ou o filho adolescente e os adultos, não há raciocínio lógico capaz de refazer anos de doutrinação rodoviarista. A bicicleta não se impõe pela força. Uma administração pública que veja na bicicleta um investimento sem sentido, jamais será convencida por argumentos racionais sobre como um planejamento cicloviário é benéfico para a municipalidade. Tal qual um jovem adolescente, estaremos legados ao ostracismo.

A desobediência civil pode ser um bom caminho para trazer a bicicleta para a mesa de negociação, bicicletadas, bicicletas brancas, pedaladas peladas e toda a forma de protesto a favor da bicicleta são capazes de forçar o diálogo com a prefeitura. Mas tal qual um adolescente rebelde, essa forma de fazer política tende a render poucas concessões por parte do poder público. Além disso, quem concede, raramente o faz com alegria e na disputa de forças, assim que cessar a pressão, a prefeitura irá passar para outros temas mais urgentes ou onde haja mais pressão.

Todo adolescente pode também agradar seus pais ao trazer para casa um boletim com boas notas, o que seria equivalente a aparições na mídia. Rendem visibilidade imediata e poder, mas são logo esquecidas. É impossível promover uma política cicloviária na cidade somente através de aparições na televisão e nos jornais locais. Ainda que seja importante ter a bicicleta na pauta de discussão local, tais aparições serão em geral muito mais esparsas que o necessário para produzir transformações.

Existe ainda a possibilidade de se aproximar dos políticos no poder e promove-los. Tal como o jovem que lava as louças da casa, em pouco tempo as tarefas diárias tornam-se apenas obrigações e outras necessidades irão sempre aparecer. Em geral quem investe muito em parcerias com quem está no comando almeja visibilidade pessoal com vistas a ingressar ou na carreira pública ou ao menos um cargo comissionado.

Dentre as diversas estratégias para ganhar voz e poder na esfera doméstica estão os belos desenhos que logo cedo as crianças aprender a fazer. Uma lembrança quase cruel da liberdade criativa e imaginação que ficou perdida com o passar dos anos. Dentro da lógica da administração municipal, belas imagens são a forma de deixar claro que o poder que exercem é apenas político e/ou econômico e que em algum lugar do passado ficou esquecido o vigor da juventude.

O verdadeiro poder é sutil, vai muito além da imposição pela força e se baseia mais na criatividade e em uma visão positiva da sociedade e mo mundo. Esse texto é um misto de tradução com a inspiração no próprio trabalho que a Transporte Ativo realiza desde que foi fundada.

Leia mais:

Como foi a Oficina #2 de Capacitação da rede Bike Anjo – Você sabe o que é um plano cicloviário?

When knowledge alone isn’t power (Texto que inspirou em parte esse post)

A bicicleta e as disputas partidárias

Foto: Vá de Bike/Rachel Schein

Foto: Vá de Bike/Rachel Schein

A promoção ao uso da bicicleta é necessidade urbana com popularidade crescente ao longo dos últimos anos nas maiores metrópoles mundiais. O dinamismo paulistano e pujança econômica tornam a cidade cenário perfeito para iniciativas que se repercutem Brasil afora. Exatamente por esse poder de influência nacional que a bicicleta na agenda da mais populosa cidade brasileira é antes de mais nada excelente notícia para o futuro da bicicleta no Brasil.

O Rio de Janeiro sempre buscou ser capital cultural do pais, o antigo distrito federal que visa manter-se promotor das revoluções de pensamento e percepção, indutor de mudanças de comportamento e de modismos para além do verão. Foi justamente nas bordas da areia das praias cariocas que as ciclovias aportaram com pompa em circunstância no país, lá nos idos da década de 1990. Eram “amigas do meio ambiente”, limparam a paisagem dos carros estacionados e ficaram durante anos sem qualquer integração com o restante da cidade.

Enquanto no Rio as ciclovias ficaram restritas à orla ou invisíveis nas baixadas da Zona Oeste, na capital paulista pouco ou quase nada foi implementado daquilo que foi planejado. São Paulo tem planos de ciclovias nos canteiros de avenidas desde os mesmos anos 1990.

Felizmente os anos 2000 trouxeram novos ares e a bicicleta como “tendência internacional”, passou a ser necessário pedalar atrás do prejuízo. Sem orla da praia e sem verba para as complexas ciclovias em canteiros centrais, São Paulo ocupou com ciclovias o eixo do metrô na Zona Leste e a orla do rio Pinheiros. Além disso, desde 2009 colocou em prática um plano de incentivar ainda mais o uso da bicicleta como lazer, as ciclofaixas operacionais aos domingos trouxeram para as grandes avenidas da cidade um fluxo respeitável de felizes neófitos e aspirantes a atleta que puderam (re)descobrir a bicicleta e a cidade através dela.

Berço do partido dos trabalhadores e da social democracia brasileira, São Paulo é certamente o estado de maior polarização e disputa partidária entre essas duas forças. Mas em geral é também em terras paulistas que esse debate ganha contornos destrutivos.

Na dança das cadeiras entre oposição e situação, coube aos aliados do PSDB criar e colocar em prática as ciclofaixas de lazer, as ciclovias do metrô e do rio Pinheiros além da parceria público-privada que trouxe para São Paulo as bicicletas públicas.

Sob os designos dos petistas, São Paulo viu se expandir nos últimos meses,como nunca antes, o tapete vermelho das ciclofaixas permanentes nas bordas das vias, majoritariamente onde antes haviam zonas de estacionamento motorizado.

O debate necessário sobre os caminhos a serem seguidos pela cidade passa também pelas disputas político-partidárias, mas já houveram momentos de confrontos no mínimo pouco benéficos para a população.

Certamente o principal descaminho seja a desnecessária reverberação dada por líderes partidários a reclamações auto-centradas do coro de discontentes que jamais aceitará qualquer mudança em prol das pessoas e dos ciclistas em detrimento da perda de espaço dos motorizados. Vozes pela manutenção do rodoviarismo seguirão na contra-mão da história e devem seguir em paz seu caminho para a irrelevância. Fazer coro a uma minoria descontente é um desserviço que não deveria ser utilizado como forma de se fazer oposição política.

Há ainda um risco real da partidarização, o travamento do debate e o atraso paralisante promovido por oposições irresponsáveis que tornam a bicicleta uma realização de determinado governo. Por hora os ataques estão centrados em uma ciclovia na avenida Paulista, símbolo da cidade. Oposição e situação ganharam espaço nos jornais para mostrar seus pontos de vista, naturalmente contaminados de uma visão partidária das próprias realizações.

Do lado petista, Chico Macena defende que “só agora, na gestão do prefeito Fernando Haddad, o assunto (mobilidade em bicicleta) passou a ser prioridade”. Na oposição, o vereador tucano Andrea Matarazzo afirma que durante a gestão de seus aliados “foi implementado em São Paulo o maior programa de incentivo à bicicleta existente até hoje no país”.

Para além das paixões partidárias, quem pensa, planeja e promove o uso da bicicleta é a favor de mais ciclovias, mais ciclofaixas e mais pessoas em mais bicicletas mais vezes na cidade, de domingo a domingo.

Os desafios aos políticos, de todos os espectros, fica posto. Cabe a quem estiver na situação fazer a mais competente e duradoura política em prol da bicicleta enquanto cabe as forças de oposição exercer as pressões necessárias para que os planos de quem está no poder sejam os mais benéficos para a cidade, além é claro de buscar soluções ainda melhores a serem implementadas quando por ventura sejam eleitos pela população.

A felicidade que uma ciclovia proporciona

ciclovia-em-sao-paulo-2014

Foto: Thiago Bennichio

Esse texto deve preferencialmente ser lido ao som de Bob Dylan e seus tempos mutantes, porque é melhor começar a pedalar agora ou ficar parado tal como uma pedra…

Setembro deverá ser um mês da mobilidade especial para a cidade de São Paulo, são previstos mais 64,5km de intervenções viárias para bicicletas, número próximo ao que foi durante muitos anos TODA a infraestrutura voltada para a bicicleta na cidade.

A cada anúncio oficial sobre os novos trechos previstos, os ciclistas comemoram, buscam o nome das ruas que costumam trafegar, ou onde gostaria de ir pedalando tranquilamente. Bicicleta em São Paulo virou a pauta positiva da gestão municipal e quem pedala tem muito a comemorar. Mas nem tudo é vento no rosto ladeira abaixo, existem desafios totalmente novos.

Segregação espacial entre o centro expandido mais próspero e bem servido de transporte público é um dos desafios. As pontes que cruzam os rios, as grandes avenidas expressas que cortam a cidade. Esses são problemas estruturais que precisam ser amenizados o quanto antes, mas que não mudarão só com tinta, sinalização e vontade política. Para garantir que a cidade mantenha o ritmo e equacione desafios que a desumanizaram, a bicicleta precisa a cada dia ir além dos anseios dos grupos em prol da bicicleta e da administração pública da vez.

Comemorações são sempre bem vindas, mas é hora de os ciclistas irem atrás da ladeira esquecida do “longo prazo”. São Paulo através da atual administração já fez por merecer a “camisa verde”, aquela dos velocistas no Tour de France. Infelizmente uma cidade precisa da camiseta amarela, algo que costuma ser inalcançável aos velocistas, afinal na primeira ladeira despontarão os escaladores. Ou para trazer de volta para a política pública, São Paulo tem um time veloz agora à frente do pelotão, mas esse time estará à frente da administração da cidade somente até a próxima eleição. O processo político se renova a cada quatro anos e mesmo que haja reeleição, há sempre renovação de vontades, anseios e necessidades que obedecem a uma busca por resultados velozes.

A camiseta branca com bolas vermelhas dos escaladores ainda está em disputa, enquanto a atual administração merece os louros da pontuação pela velocidade, é preciso que haja a consciência por parte de quem pedala que os desafios por vir irão implicar em uma “equipe” com diversos talentos e o foco na camiseta amarela, aquela do ciclista completo, aquele que tem um time forte e que sabe manter-se veloz no plano e sobe determinado as montanhas quando elas se apresentam.

Por hora a bicicleta é uma vitória com nome e partido, precisará ser uma meta para toda a cidade. Do contrário, a ladeira que hoje é possível subir no embalo da velocidade imposta, será um desafio quase intransponível quando eventualmente uma nova administração deixar de lado os 400 km propostos como meta para a cidade até o fim dessa gestão. Uma meta pomposa, mas que se tornará uma vitória da cidade somente se outro plano vier a se tornar realidade.

Caso a atual infraestrutura seja capaz de aumentar em de 300 mil para 3 milhões o número de viagens em bicicleta, será no mínimo improvável um retrocesso e a bicicleta terá se tornado efetivamente a propulsora de uma transformação necessária na cidade. Afinal, uma cidade que pedala mais, tende a caminhar mais, tende a precisar de um transporte público mais eficiente para cumprir distâncias mais longas. Em resumo, a bicicleta é hoje o melhor problema que a cidade de São Paulo tem, um problema que se encarado de maneira correta, irá mostrar nas ruas soluções para o atraso de décadas que a mobilidade motorizada proporcionou a mais rica, dinâmica e engarrafada metrópole brasileira.

Copacabana, mais de 20 anos de ciclovia

As primeiras ciclovias cariocas foram construídas na orla da zona sul da cidade. Ao longo da Avenida Atlântica entre a rua Francisco Otaviano até a Pedra do Leme foram 4 quilômetros de asfalto com 2,70 metros de largura construídos no ano de 1991.

Desde a inauguração, nunca foi feito um levantamento completo de quantas bicicletas utilizam a infraestrutura. Mas para tudo sempre há tempo e o vídeo mostra um pouco como foi a contagem eletrônica de bicicletas.

Via: Bike é Legal.