O planejamento cicloviário em implantação no bairro de Laranjeiras, no Rio de Janeiro, é um exemplo de aprendizado coletivo em favor da bicicleta. Uma comunidade que se uniu e colaborou com o poder público, que fez a sua parte.
São várias soluções nos diferentes trechos, sempre na tentativa de equacionar o principal conflito em todas as ruas: espaço. Há sempre a busca pelo tênue equilíbrio entre as necessidades das pessoas a pé, de quem opta pela bicicleta e das que compõem o fluxo motorizado.
O início da transformação cicloviária de Laranjeiras
Laranjeiras e Cosme Velho são bairros contíguos, tendo no largo do Machado, e sua estação de metrô o grande centro do bairro, já quase no Catete. As distâncias são em geral muito curtas ou pouco práticas de serem percorridas de ônibus e longas demais para uma caminhada. A bicicleta é portanto ferramenta de excelência para a população.
Havia então um grande potencial ainda não realizado para o uso das bicis. A pedalada inicial para dar caldo no volume de pessoas em bicicleta foi em 7 de setembro de 2011 com uma bicicletada pelo bairro. Uma massa crítica que ganhou as ruas pedalando e agora, aos poucos, a população local vê chegar a infraestrutura cicloviária permanente.
Primeiro foi preciso entender o cenário. Uma primeira contagem, feita na rua das Laranjeiras em 05 de outubro de 2011 contabilizou 978 bicicletas em um período de 12 horas. Um novo levantamento foi feito em 12 de setembro de 2012 e dessa vez foram 1.265 ciclistas e 3 pessoas de skate.
Para comemorar o mês da mobilidade daquele 2012, teve ainda pedalada e uma vaga viva. No espaço normalmente utilizado para o estacionamento de veículos motorizados, a população pôde conhecer o projeto de ciclovia realizado pelo arquiteto e morador, Rodrigo Azevedo, que unia Cosme Velho e Laranjeiras ao metrô, à ciclovia do Aterro, e a Botafogo. O espaço foi também uma pequena ágora para debater caminhos, rotas e trajetos, com o objetivo de amadurecer o desenho da ciclovia com a ajuda de quem pedala pelos bairros todos os dias.
Do ativismo ao papel e daí para as ruas
A lógica pensada para ordenar o fluxo motorizado, era um desincentivo para o uso da bicicleta e até mesmo um risco. Desvios longos, trechos na contramão, calçadas apertadas e compartilhadas com bicicletas. Era esse o cotidiano.
Dentro do planejamento cicloviário feito por uma empresa especializada com o auxílio da população, o cardápio de opções e soluções possíveis foi sendo montado. Mais do que encaixar a bicicleta, era preciso acalmar o trânsito motorizado e facilitar a fluidez das pessoas em bicicleta com segurança.
Só com muita observação do comportamento dos ciclistas nas ruas era possível definir as linhas de desejo, entender o comportamento das pessoas e prever necessidades para quem gostaria de pedalar. E tudo isso deveria vencer eventuais resistências em nome da fluidez motorizada vindas da Secretaria Municipal de Trânsito e da CET-Rio.
Além disso, sempre chegavam novas opiniões de pessoas interessadas, mas que não estavam familiarizadas com cada uma das dificuldades já percorridas e vencidas ao longo do processo.
Chega uma hora que é preciso decidir fechar a porta das colaborações e tocar para frente. A unanimidade é uma ilusão e por hora ainda não fomos capazes de alcançar a solução ideal, ainda mais frente ao desafio imposto pelo rodoviarismo urbano, que ainda resiste. .
Primeiras experiências
Uma experiência real é fundamental para sentir como as soluções estudadas e desenhadas funcionam no asfalto e concreto. São apenas primeiras impressões, mas ajudam a concluir um pouco dessa longa e coletiva pedalada.
O trecho do Largo do Machado até o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) é bem gostoso de pedalar, navegar com tranquilidade em meio a trânsito intenso é uma delícia. O único desconforto é em frente ao Liceu Franco-Brasileiro, com uma calçada minúscula e um grande fluxo de pedestre. O privilégio de espaço para os motorizados precisa ser revisto ali urgentemente.
Em frente ao INES as coisas começam a ficar truncadas. Perde-se muito tempo para atravessar a rua e o volume de pessoas e bicicletas é muito pequeno para a pequena ilha em meio ao intenso fluxo motorizado. A ciclovia que segue na calçada é tranquila, com pequenas invasões no ponto de ônibus, mas sem maiores problemas. Há um pequeno contorno ao redor do largo na entrada da Rua Leite Leal, seria mais fácil seguir reto, mas na ausência de fluxo motorizado, é um trecho tranquilo.
Problemático mesmo é o trecho em frente à Hebraica, a imprudência dos condutores dos motorizados causa desconforto, passam em alta velocidade tangenciando os tachões no solo, muito próximo ao ciclista que sobe pela ciclovia, mas na contramão da via.
A liberdade e o conforto do trecho em que a ciclofaixa segue em ambos os sentidos e os motorizados em mão única, dão lugar ao desconforto no trecho em que a rua das Laranjeiras torna-se mão dupla. As soluções ali são complexas, mas a principal conquista em prol das pessoas ainda está por ser feita, medidas de moderação viária, com mais espaço para pedestres e ciclistas, mas acima de tudo, velocidades menores para os motorizados.
O cruzamento entre a Rua das Laranjeiras e a Pinheiro Machado ainda é problemático. Por três motivos. O primeiro é o encontro entre os ciclistas e os motoristas que fazem a conversão na Rua Pinheiro Machado. A maior parte deles não espera o ciclista passar para entrar. O segundo problema acontece quando o ciclista que vem da Rua Pinheiro Machado pelo pequeno trecho de ciclovia que corre paralelo ao viaduto, no lado esquerdo da via, chega ao final do trecho e vai de encontro ao fim de um retorno. Nesse local, o motorista não tem como enxergar o ciclista que vem pela ciclovia na contramão. O terceiro problema é o encontro desse mesmo ciclista na contramão com o pedestre, que atravessa olhando para o lado oposto. Em curto tempo de observação, é possível entender a conflituosa dinâmica desse trecho. Entre as propostas apresentadas pelos moradores do bairro estão o nivelamento da rua com a calçada, que funcionaria como um redutor de velocidade, e o fechamento do retorno.
Uma das principais vitórias do planejamento cicloviário em Laranjeiras no entanto, está na ligação com Botafogo. A rua Pinheiro Machado sempre foi uma trecho complicado para se pedalar, motorizados em velocidades altíssimas, calçadas pequenas e compartilhadas entre pedestres e ciclistas e um trecho específico sem nem ao menos um metro para caminhar ou pedalar em segurança. A curva no acesso à Muniz Barreto equacionou uma grande demanda por conforto, mas ainda faltam medidas para garantir que os condutores de motorizados exerçam mais prudência nesse trecho que ainda segue perigoso.
Bem, o trecho em que a Rua das Laranjeiras fica em mão dupla é ruim, mas não havia alternativas fáceis para resolver a passagem de bicicletas em dois sentidos. É fundamental a redução do limite de velocidade dos carros para começar a melhor integração do bairro às pessoas naquele trecho, mas essa medida ainda pode demorar.
Pedalar no contrafluxo nem sempre é agradável com carros e bicicletas vindo, mas ali a praticidade dessa possibilidade é mesmo um avanço e tanto para a mobilidade do bairro.
Expectativas e necessidades futuras
O aprendizado ainda em curso nas ruas de Laranjeiras e Cosme Velho já serviram para unir a população local, mas acima de tudo, para fornecer um pequeno manual de como enxergar e incluir a bicicleta.
As dificuldades estão postas, mas as possibilidades e conquistas também estão ao alcance. Que a cidade aprenda e acima de tudo, que a inclusão da bicicleta represente uma reversão de prioridades. Que a fluidez humana volte a ser prioridade e que o mais importante seja resguardar e proteger as vidas dos riscos impostos por pesadas máquinas motorizadas.
Esse texto conta com o depoimento de amigos e moradores da região e foi escrito em parceria com Michelle Chevrand, diretamente envolvida em todo o processo em curso no bairro de Laranjeiras.