Bicicleta nos planos

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Com o objetivo de sensibilizar sobre a inclusão da bicicleta nos Planos de Mobilidade Urbana (PMU) das cidades brasileiras, a rede Bike Anjo, a Transporte Ativo e a União de Ciclistas do Brasil se uniram para realizar a campanha Bicicleta nos Planos.

A iniciativa busca orientar a sociedade civil organizada e cidadãos, bem como técnicos municipais, gestores e decisores políticos, sobre como garantir que a legislação em favor da mobilidade ativa seja implementada.

A bicicleta na Política Nacional de Mobilidade Urbana

A Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU), que determina sobre a obrigatoriedade de elaboração dos Planos de Mobiblida Urbana, cumpre o papel de orientar, instituir diretrizes para a legislação local e regulamentar a política de mobilidade urbana, trazendo consigo uma mudança no modelo de gestão no que diz respeito à forma como sempre tratamos as necessidades de deslocamento urbano da nossa população. No entanto, os governos locais devem ter vontade política e corpo técnico capacitado para desenvolver e implementar o seu Plano de Mobilidade Urbana, que deve estar em consonância com o Plano Diretor da Cidade.

Os impactos positivos da inclusão da bicicleta nos PMUs são inúmeros, seja no âmbito econômico (redução nos custos com saúde pública e aumento da arrecadação de tributos advindos do aumento no faturamento do comércio nos locais seguros para bicicletas), social (vias mais movimentadas e mais seguras, democratização do espaço público, inclusão social), ambiental (redução da poluição) e político (melhoria da imagem da cidade diante dos cidadãos).

Uma grande motivação para que os gestores públicos elaborem um Plano de Mobilidade Urbana está nos orçamentos, pois os munícipios que não elaborarem o seu ficam impedidos de ter acesso a recursos federais para obras de mobilidade.

Saiba mais:

Conheça quem usa a bicicleta no Brasil

Perfil_Ciclista_Brasileiro-2015-CAPA

Para preencher uma lacuna onde até então havia escasso conhecimento sobre os usuários e o uso da bicicleta como transporte urbano no Brasil, nasceu o Perfil do Ciclista Brasileiro. Iniciativa da Parceria Nacional Pela Mobilidade em Bicicleta, união de organizações ao redor do Brasil em prol de quem pedala.

Foram entrevistados 5012 ciclistas em dez cidades das diferentes regiões brasileiras: Aracaju, Belo Horizonte, Brasília, Manaus, Niterói, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. Para isso, foram a campo, durante os meses de julho e agosto de 2015, mais de 100 pesquisadores.

Como aplicação imediata dos dados coletados e analisados nesta pesquisa, temos o fornecimento de subsídios para que gestores públicos, urbanistas e outros atores envolvidos formulem uma agenda mais precisa e robusta de políticas públicas e ações de promoção do transporte cicloviário.

Uma revolução em curso

Há uma revolução acontecendo nas cidades brasileiras tendo como protagonistas os ciclistas urbanos: as bicicletas são vistas com cada vez mais frequência nas ruas.Estamos vivenciando o nascimento de uma cultura de mobilidade urbana emergente – focada nos pedestres e ciclistas – em resposta aos desafios sociais, econômicos e ambientais enfrentados pela sociedade brasileira.

Apesar dos avanços alcançados, a condição atual das cidades brasileiras está longe da ideal. O padrão de desenvolvimento urbano hegemônico ainda traz o carro particular como protagonista e relega ciclistas e pedestres ao segundo plano. Esta situação tem levado nossas cidades ao colapso e revela a urgência de uma inflexão no modelo de desenvolvimento urbano brasileiro.

Muitos são os desafios, mas acreditamos num futuro melhor com a transformação das cidades brasileiras em ambientes convidativos aos ciclistas. Buscamos um modelo de cidade democrática e acessível.

Saiba mais:
Perfil do Ciclista Brasileiro – 2015, o livreto
Perfil do Ciclista Brasileiro – 2015, o relatório
 Perfil do Ciclista Brasileiro – (Observatório das Metrópoles)

 

Aprendizados de uma nova ciclovia

O planejamento cicloviário em implantação no bairro de Laranjeiras, no Rio de Janeiro, é um exemplo de aprendizado coletivo em favor da bicicleta. Uma comunidade que se uniu e colaborou com o poder público, que fez a sua parte.

São várias soluções nos diferentes trechos, sempre na tentativa de equacionar o principal conflito em todas as ruas: espaço. Há sempre a busca pelo tênue equilíbrio entre as necessidades das pessoas a pé, de quem opta pela bicicleta e das que compõem o fluxo motorizado.

O início da transformação cicloviária de Laranjeiras

Laranjeiras e Cosme Velho são bairros contíguos, tendo no largo do Machado, e sua estação de metrô o grande centro do bairro, já quase no Catete. As distâncias são em geral muito curtas ou pouco práticas de serem percorridas de ônibus e longas demais para uma caminhada. A bicicleta é portanto ferramenta de excelência para a população.

Havia então um grande potencial ainda não realizado para o uso das bicis. A pedalada inicial para dar caldo no volume de pessoas em bicicleta foi em 7 de setembro de 2011 com uma bicicletada pelo bairro. Uma massa crítica que ganhou as ruas pedalando e agora, aos poucos, a população local vê chegar a infraestrutura cicloviária permanente.

Primeiro foi preciso entender o cenário. Uma primeira contagem, feita na rua das Laranjeiras em 05 de outubro de 2011 contabilizou 978 bicicletas em um período de 12 horas. Um novo levantamento foi feito em 12 de setembro de 2012 e dessa vez foram 1.265 ciclistas e 3 pessoas de skate.

Para comemorar o mês da mobilidade daquele 2012, teve ainda pedalada e uma vaga viva. No espaço normalmente utilizado para o estacionamento de veículos motorizados, a população pôde conhecer o projeto de ciclovia realizado pelo arquiteto e morador, Rodrigo Azevedo, que unia Cosme Velho e Laranjeiras ao metrô, à ciclovia do Aterro, e a Botafogo. O espaço foi também uma pequena ágora para debater caminhos, rotas e trajetos, com o objetivo de amadurecer o desenho da ciclovia com a ajuda de quem pedala pelos bairros todos os dias.

Do ativismo ao papel e daí para as ruas

A lógica pensada para ordenar o fluxo motorizado, era um desincentivo para o uso da bicicleta e até mesmo um risco. Desvios longos, trechos na contramão, calçadas apertadas e compartilhadas com bicicletas. Era esse o cotidiano.

Dentro do planejamento cicloviário feito por uma empresa especializada com o auxílio da população, o cardápio de opções e soluções possíveis foi sendo montado. Mais do que encaixar a bicicleta, era preciso acalmar o trânsito motorizado e facilitar a fluidez das pessoas em bicicleta com segurança.

Só com muita observação do comportamento dos ciclistas nas ruas era possível definir as linhas de desejo, entender o comportamento das pessoas e prever necessidades para quem gostaria de pedalar. E tudo isso deveria vencer eventuais resistências em nome da fluidez motorizada vindas da Secretaria Municipal de Trânsito e da CET-Rio.

Além disso, sempre chegavam novas opiniões de pessoas interessadas, mas que não estavam familiarizadas com cada uma das dificuldades já percorridas e vencidas ao longo do processo.

Chega uma hora que é preciso decidir fechar a porta das colaborações e tocar para frente. A unanimidade é uma ilusão e por hora ainda não fomos capazes de alcançar a solução ideal, ainda mais frente ao desafio imposto pelo rodoviarismo urbano, que ainda resiste. .

Primeiras experiências

Uma experiência real é fundamental para sentir como as soluções estudadas e desenhadas funcionam no asfalto e concreto. São apenas primeiras impressões, mas ajudam a concluir um pouco dessa longa e coletiva pedalada.

O trecho do Largo do Machado até o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) é bem gostoso de pedalar, navegar com tranquilidade em meio a trânsito intenso é uma delícia. O único desconforto é em frente ao Liceu Franco-Brasileiro, com uma calçada minúscula e um grande fluxo de pedestre. O privilégio de espaço para os motorizados precisa ser revisto ali urgentemente.

Em frente ao INES as coisas começam a ficar truncadas. Perde-se muito tempo para atravessar a rua e o volume de pessoas e bicicletas é muito pequeno para a pequena ilha em meio ao intenso fluxo motorizado. A ciclovia que segue na calçada é tranquila, com pequenas invasões no ponto de ônibus, mas sem maiores problemas. Há um pequeno contorno ao redor do largo na entrada da Rua Leite Leal, seria mais fácil seguir reto, mas na ausência de fluxo motorizado, é um trecho tranquilo.

Problemático mesmo é o trecho em frente à Hebraica, a imprudência dos condutores dos motorizados causa desconforto, passam em alta velocidade tangenciando os tachões no solo, muito próximo ao ciclista que sobe pela ciclovia, mas na contramão da via.

A liberdade e o conforto do trecho em que a ciclofaixa segue em ambos os sentidos e os motorizados em mão única, dão lugar ao desconforto no trecho em que a rua das Laranjeiras torna-se mão dupla. As soluções ali são complexas, mas a principal conquista em prol das pessoas ainda está por ser feita, medidas de moderação viária, com mais espaço para pedestres e ciclistas, mas acima de tudo, velocidades menores para os motorizados.

O cruzamento entre a Rua das Laranjeiras e a Pinheiro Machado ainda é problemático. Por três motivos. O primeiro é o encontro entre os ciclistas e os motoristas que fazem a conversão na Rua Pinheiro Machado. A maior parte deles não espera o ciclista passar para entrar. O segundo problema acontece quando o ciclista que vem da Rua Pinheiro Machado pelo pequeno trecho de ciclovia que corre paralelo ao viaduto, no lado esquerdo da via, chega ao final do trecho e vai de encontro ao fim de um retorno. Nesse local, o motorista não tem como enxergar o ciclista que vem pela ciclovia na contramão. O terceiro problema é o encontro desse mesmo ciclista na contramão com o pedestre, que atravessa olhando para o lado oposto. Em curto tempo de observação, é possível entender a conflituosa dinâmica desse trecho. Entre as propostas apresentadas pelos moradores do bairro estão o nivelamento da rua com a calçada, que funcionaria como um redutor de velocidade, e o fechamento do retorno.

Uma das principais vitórias do planejamento cicloviário em Laranjeiras no entanto, está na ligação com Botafogo. A rua Pinheiro Machado sempre foi uma trecho complicado para se pedalar, motorizados em velocidades altíssimas, calçadas pequenas e compartilhadas entre pedestres e ciclistas e um trecho específico sem nem ao menos um metro para caminhar ou pedalar em segurança. A curva no acesso à Muniz Barreto equacionou uma grande demanda por conforto, mas ainda faltam medidas para garantir que os condutores de motorizados exerçam mais prudência nesse trecho que ainda segue perigoso.

Bem, o trecho em que a Rua das Laranjeiras fica em mão dupla é ruim, mas não havia alternativas fáceis para resolver a passagem de bicicletas em dois sentidos. É fundamental a redução do limite de velocidade dos carros para começar a melhor integração do bairro às pessoas naquele trecho, mas essa medida ainda pode demorar.

Pedalar no contrafluxo nem sempre é agradável com carros e bicicletas vindo, mas ali a praticidade dessa possibilidade é mesmo um avanço e tanto para a mobilidade do bairro.

Expectativas e necessidades futuras

O aprendizado ainda em curso nas ruas de Laranjeiras e Cosme Velho já serviram para unir a população local, mas acima de tudo, para fornecer um pequeno manual de como enxergar e incluir a bicicleta.

As dificuldades estão postas, mas as possibilidades e conquistas também estão ao alcance. Que a cidade aprenda e acima de tudo, que a inclusão da bicicleta represente uma reversão de prioridades. Que a fluidez humana volte a ser prioridade e que o mais importante seja resguardar e proteger as vidas dos riscos impostos por pesadas máquinas motorizadas.

Esse texto conta com o depoimento de amigos e moradores da região e foi escrito em parceria com Michelle Chevrand, diretamente envolvida em todo o processo em curso no bairro de Laranjeiras.

Retrato de um Brasil que pedala

Foto: Felipe Baenninger/ Projeto Transite

Foto: Felipe Baenninger/Projeto Transite

A interpretação dos dados  da pesquisa do perfil do ciclista brasileiro é trabalho árduo que ainda está sendo feito. Da junção da crueza dos números com um olhar atento afloram conclusões, tendências e principalmente caminhos traçados e rumos para o futuro.

Dez cidades em todas as regiões do Brasil compõe o retrato da média nacional, sendo que apenas Niterói não é uma capital. Além da maior cidade do interior fluminense, somam-se Aracaju, Belo Horizonte, Brasília, Manaus, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo.

Tempo e frequência de uso da bicicleta

Num comparativo que exclui o Rio de Janeiro e São Paulo (já analisadas), destaque para a capital pernambucana,  que praticamente não teve ciclistas esporádicos, 89.6% das pessoas entrevistadas utiliza ao menos 5 vezes por semana a bicicleta.

De maneira geral o planejamento urbano para bicicletas foca no usuário que cumpre distâncias curtas de até 5 quilômetro, as que podem ser pedaladas em cerca de 20 minutos. Os dados nacionais mostram a preponderância desse tipo de uso Brasil afora.

tempoNo tempo de deslocamento, Recife e Niterói apresentam percentuais que se destacam da média nacional, o uso da bicicleta para deslocamentos entre 10 e 30 minutos é preponderante, são cerca de 64% das pessoas entrevistadas em ambas as cidades que pedalam nesse intervalo.

Chama atenção ainda, a inexistência de deslocamentos acima de 1 hora em Niterói e o baixo número no Recife (1,6%), face a média nacional de 4,8%. Salvador no entanto puxa o resultado geral para cima, com 8,6% que pedalam mais de 60 minutos em seus trajetos principais. Em geral um número de deslocamentos longos expressivo indica sobretudo deficiências no transporte público somado a grandes distâncias urbanas.

Bicicleta e integração intermodal

IntegracaoModal

Brasilia é a cidade da integração Bicicleta com o transporte público. São 51,7% das pessoas entrevistadas que combinam o pedal a algum outro meio de transporte. Já em Manaus 98,3% cumprem os trajetos pedalando de ponta a ponta e irrisórios 0,7% faz alguma integração. Em Niterói, os números são quase  o exato oposto de Brasília, 51,7% não integra a bicicleta a outros meios, enquanto 41,7% combinam o pedal com outro meio de transporte.

Integração bicicleta-trem em Brasília. Foto: Rodas da Paz

Integração bicicleta-trem em Brasília. Foto: Rodas da Paz

 

O nível de instrução do ciclista brasileiro

Em Manaus impressiona o número dos sem instrução: 10,6%. Já em Niterói o percentual de pessoas com ensino superior completo está próximo à média nacional de 23,4%, enquanto na cidade o total foi de 21,8%, chama a atenção no entanto os 16,1% com pós-graduação.

Em Porto Alegre 39,3% tem o ensino médio completo, número idêntico ao dos que cursaram o ensino superior.  Em Recife o percentual mais alto é de pessoas com formação fundamental, 41,8%, quase o dobro da média nacional de 22,8%, já os de que tem o ensino médio é bem próximo ao número geral levantado nas demais cidades, média geral de 42,5% enquanto a capital de Pernambuco o número é de 38,2%.

Perfil de renda do ciclista brasileiro

Quanto à faixa de renda, duas capitais nordestinas tem um perfil de renda bastante similar, com a maioria absoluta com rendimentos mensais de até 2 salários mínimos. Sendo 73,8% em Aracaju e 72,% no Recife. Salvador apresentou uma distribuição um pouco diversa, com 55,8% nessa faixa de renda, número similar a Manaus, 59,9%. A média nacional ficou nos 65,3%.

Brasília apresentou um recorte mais diverso, com as faixas de renda distribuídas de maneira mais diluída com destaque para os 16,6% dos sem renda, número que está de acordo com o grande número de jovens entre os 15-24 anos (38,1%), acima de todas as outras cidades incluídas na pesquisa e quase o dobro da média nacional (20,1%).

Um perfil de quem usa a bicicleta no Brasil

Confira o comparativo com os dados do perfil dos ciclistas das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro e do Brasil.

Faça o download das planilhas:

Dados preliminares do Perfil do Ciclista Brasileiro (pdf)
Dados preliminares do Perfil do Ciclista de Aracaju (pdf)
Dados preliminares do Perfil do Ciclista de Belo Horizonte (pdf)
Dados preliminares do Perfil do Ciclista de Brasília (pdf)
Dados preliminares do Perfil do Ciclista de Manaus (pdf)
Dados preliminares do Perfil do Ciclista de Niterói (pdf)
Dados preliminares do Perfil do Ciclista de Porto Alegre (pdf)
Dados preliminares do Perfil do Ciclista do Recife (pdf)
Dados preliminares do Perfil do Ciclista de Salvador (pdf)

A mais bela ciclovia e falsas polêmicas

Uma matéria publicada no Jornal “O Globo” gerou reações apaixonadas por quem gosta ou promove a bicicleta. O título já resume a questão:

manchete-oglobo-ciclovia-niemeyer

 

Surfando nos comentários, o humor imperou: “Dirige olhando pra frente! Se quiser olhar pro mar compra um barco“.

Uma das mais belas pistas construídas no Rio de Janeiro, a avenida Niemeyer sempre foi local inóspito para os pedestres e ciclistas. Sendo as maiores dificuldades sofridas por quem vai a pé, equilibrando-se na mureta entre o despenhadeiro e o trânsito motorizado.

A via compartilhada entre pedestres e ciclistas irá garantir o acesso à paisagem e principalmente a segurança e tranquilidade de todos que desejem ir do Leblon à São Conrado fazendo o uso da própria força.

Por conta da comoção em torno da inadequação da reportagem, ciclistas cariocas elaboraram uma carta ao jornal que até o momento ainda não foi acolhida ou publicada. Em resumo, os ciclistas devolveram nos anos 1990 a vista do mar através das ciclovias na orla da Zona Sul, antes bloqueadas por automóveis estacionados.

Agora alguns pequenos trechos entre o Leblon e a Barra terão bicicleta e seu azul como paisagem para os motoristas e passageiros por ventura presos em congestionamentos. Abaixo o texto, compartilhado inicialmente no facebook.

Carta-resposta à matéria “Ciclovia na Niemeyer e em São Conrado atrapalhará a visão do mar para quem estiver de carro”, publicada em 20 de setembro no jornal O Globo

Prezados editores e repórteres do jornal O Globo,

Fazemos parte de um grupo de pessoas que utiliza e promove a bicicleta como meio de transporte na cidade do Rio de Janeiro. Visitamos as obras da ciclovia da Av. Niemeyer em abril deste ano. O geólogo da Geo-Rio e fiscal da obra da ciclovia, Élcio Romão, que lamentavelmente não foi ouvido na matéria “Ciclovia na Niemeyer e em São Conrado atrapalhará a visão do mar para quem estiver de carro”, nos mostrou os desafios técnicos para execução do projeto que beneficiará, principalmente, os moradores do Vidigal e da Rocinha. É uma obra complexa que envolve diversos tipos de tecnologias, desapropriações de imóveis, tratamento de encosta e realocação de árvores e vegetação.

Em resposta à matéria publicada no dia 20 de setembro no jornal O Globo, seguem algumas considerações:

Já no título, o jornalista parte do ponto de vista do motorista do carro. Rapidamente passamos a perceber que as falas escolhidas como opiniões mais dizem contra do que a favor das ciclovias.

Vamos aos argumentos:

“No trecho em que a ciclovia está na altura da tubulação da Cedae, quem estiver de carro não verá o mar” – a fala é do arquiteto e urbanista Canagé Vilhena. Como o Presidente da Comissão de Segurança do Ciclismo do Rio, Raphael Pazos, bem afirmou, o motorista que usa a Niemeyer não pode se distrair observando a paisagem, ele deve estar concentrado na direção do veículo. O tempo de travessia de um automóvel a 40 km/h é de 1 minuto e 48 segundos. Devemos prescindir de infraestrutura e segurança para o pedestre e o ciclista para que o motorista veja o mar por menos de dois minutos? Além disso, crescemos num Rio de Janeiro de monstros, construções catastróficas como a Perimetral, que tornaram áreas densamente povoadas cuja arquitetura é um patrimônio da cidade, em desertos cinzas e violentos. Considerando a quantidade de viadutos e vias expressas da cidade, a construção da ciclovia da Niemeyer causará um impacto mínimo pra não dizer nulo na paisagem. Além disso, está prevista a construção de mirantes ao longo do trecho, possibilitando ao carioca novas formas de vislumbrar a cidade. Com certeza, a Niemeyer estará muito mais aberta às pessoas e atrairá muitos turistas.

“Com a mureta de proteção da ciclovia, será impossível ver o mar para quem estiver dentro de um automóvel”. Canagé complementa sua fala anterior citando uma possível mureta. No entanto, não existe mureta prevista no projeto e sim uma grade de proteção, como pode ser visto neste video: https://www.youtube.com/watch?v=cEKWK0s37z0
Ou seja, a ciclovia não irá atrapalhar a visão dos motoristas e sim os ciclistas que por ela passarão a circular. Vale lembrar que, em 1992, os ciclistas brindaram os motoristas com a vista exuberante da orla de Copacabana que, antes da ciclovia, era uma área tomada por carros estacionados.

“Se a ideia era construir uma ciclovia, a prefeitura poderia muito bem ter investido numa estrutura mais larga, pensando também nos pedestres”. Mais uma pessoa que demonstra desconhecer o projeto. A frase é da vice-presidente do IAB, Fabiana Izaga. A ciclovia da Niemeyer é uma ciclofaixa compartilhada, ou seja, o espaço será compartilhado entre ciclistas e pedestres, como a ciclovia da Lagoa. Na maior parte dos trechos, segue o tamanho padrão para ciclovias. Nos locais que vão de encontro a muros e fachadas das mansões à beira-mar, o trecho será mais estreito. É importante reforçar que, em ciclofaixas compartilhadas, a preferência é sempre do pedestre.

“Aparentemente faltou planejamento” – a frase é da presidente da Associação de Moradores do Leblon, Evelyn Rosenzweig. Gostaríamos de saber em que momento esta senhora se interessou em conhecer o projeto mais profundamente? Quando esteve na prefeitura ou mesmo no canteiro de obras para conhecer os detalhes? Será ela uma usuária da bicicleta, do automóvel ou do transporte público? Como é possível um jornal como O Globo publicar uma opinião que começa com “aparentemente”, palavra vazia que nos remete a uma especulação. Como ciclistas diretamente envolvidos com a implantação de ciclovias junto à prefeitura sabemos o tempo que demora para um projeto como este acontecer: são muitos anos entre o início do planejamento e a execução. Ou seja, se alguma coisa faltou não foi o planejamento.

Infelizmente, o jornal não cumpriu sua tarefa de informar bem os seus leitores. Nenhuma das fotos que ilustram a reportagem foi feita por profissionais do jornal, e a matéria dá a entender que o repórter nem esteve no local para ver o trecho que cita. Faltam apuração e informações essenciais para o entendimento da falsa denúncia. A matéria parece estar muito mais preocupada em surfar na falsa rivalidade entre motoristas e ciclistas do que realmente informar os cidadãos sobre seus direitos e propor um debate sério sobre o tema.

Por 99 anos (desde a inauguração da Avenida Niemeyer), pessoas em bicicletas ou a pé são muito mal recebidas no local. Pela agressividade costumeira do motorista carioca, circular pela Niemeyer é difícil, perigoso ou no mínimo desconfortável. Nesses 99 anos, O Globo nunca se deu ao trabalho de questionar a falta de acesso à “visão do mar” para quem não está de carro. O jornal é feito para quem? Nitidamente, não para o bem comum, não para a cidade do Rio de Janeiro.

Enviamos esta carta à redação do jornal O Globo e até o presente momento não tivemos retorno. Por favor, compartilhem.

Assinam esta carta: André Casati, Andréa Cals, Arlindo Pereira Jr., Bê Lima, Carlos Aranha, Carolina Queiroz, Crix Lustosa, Eduardo Bernhardt, Elcio Cardoso da Silva, Blé Binatti, Maysa Blay, Michelle Castilho, Michelle Chevrand, Raphael Pazos Español, Renan Braga, Rosa Maria Mattos, Tati Carvalho, Tiago Moraes Leitman, Ze Lobo.

Pedalemos, na mais bela das ciclovias, onde será ainda mais fácil e tranquilo ultrapassar mais de 100 carros em 5 minutos.