Uma excelente crônica de Tutty Vasques sobre o trânsito na cidade do Rio de Janeiro. Boas idéias cada vez mais circulando nas mentes cariocas. Nossas cidades cada vez mais precisam do oxigênio das boas idéias para que possamos nos locomover com mais eficiência.
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Ilustração de Pojucan.
Texto reproduzido mediante autorização do autor. Publicada originalmente na Revista Veja-Rio, disponível online.
Inteligência no trânsito
Ressaca, se ainda não passou, passa com o Desfile das Campeãs! O triste, depois do Carnaval, é o trânsito na cidade, que, se nas últimas semanas já não era a mesma maravilha de janeiro, a partir de agora vira o inferno de sempre. Os carros voltaram todos das férias. Vêm aí os engarrafamentos de março fechando o verão, sem qualquer promessa de solução para um problema que a certas horas fere os direitos humanos de qualquer cidadão que precise cruzar, por exemplo, Botafogo.
Cidades como o Rio de Janeiro deveriam manter um batalhão de especialistas em engenharia de trânsito 24 horas por dia em busca de idéias simples que facilitem o ir-e-vir da população no caos urbano. Se essa gente já existe, empregada na CET-Rio, por que não ousa mais soluções criativas como a faixa reversível da Rua Jardim Botânico no rush de fim de tarde? A medida vigora desde 1988 com ótimo resultado para o escoamento do trânsito que vem de Botafogo para a Barra da Tijuca, sem que o Detran precise gastar mais que uns baldes de tinta para demarcar faixas no asfalto, além de meia dúzia de placas de alerta a motoristas e pedestres.
Outra que fez um bem danado àquelas bandas da cidade foi a “obra” dos três blocos de concreto que fecharam a saída do Túnel Zuzu Angel para a Gávea. Quem vinha da Barra tinha o hábito de duplicar o engarrafamento da auto-estrada, entupindo também a Marquês de São Vicente. Os motoristas não ganhavam um minuto com isso e paralisavam o bairro nos horários de rush. Naquela região, aliás, algo poderia ainda ser pensado para estimular os estudantes da PUC a ir de bicicleta para a universidade. A garotada sai motorizada do Leblon, de Ipanema, da Lagoa, desprezando a teia de ciclovias que desembocam no bicicletário do campus. A juventude dourada da Zona Sul prefere encarar fila no estacionamento.
A cultura carioca não conseguiu, lamentavelmente, assimilar o projeto de ciclovias como alternativa de transporte saudável, não poluente e econômico. Salvo honrosas exceções, as bikes – um negócio que cresceu de forma espetacular no Rio – só saem da garagem nos fins de semana e feriados como equipamento de lazer, tal qual skates, patins, pranchas de surfe… O que é maravilhoso numa cidade solar como o Rio de Janeiro, mas a verdade é que pouca gente vai trabalhar ou estudar pedalando.
Talvez porque o clima deixe as pessoas receosas de chegar ao destino suando em bicas, alguns trechos de ciclovia mais afastados da orla caíram em desuso. Ficam lá ignorados primeiro pelos ciclistas, depois pelos motoristas e transeuntes, até ganhar o esquecimento também dos responsáveis pela conservação da malha cicloviária. Essa história toda me veio à cabeça no trânsito lento da General Polidoro, ali em frente ao cemitério São João Batista, itinerário freqüente nos meus deslocamentos para chegar ao trabalho. Olhando para a calçada oposta à dos mortos comecei a me dar conta de que está desaparecendo o trecho de ciclovia entre o Mercado das Flores e a Rua da Passagem – se localizou? –, lá onde Botafogo ficou parecido com São Cristóvão.
Tem coisas que você só presta atenção em engarrafamentos. Eu vinha reparando ultimamente que nesse trajeto a pista das bicicletas foi gradativamente invadida por automóveis e motos estacionadas, ambulantes, sacos de lixo, cavaletes, poças d’água… Como também nunca vi ciclistas por ali, me pus a pensar de onde vinha e para onde ia aquele equipamento urbano que aparentemente não serve pra nada. Um dia parei o carro e fui conferir. Achei o princípio da ciclovia 10 metros adentro da Rua Sorocaba. Mal virei a General Polidoro à esquerda, apareceu no chão a marca de que eu já havia percorrido 1 200 metros em vinte passos.
É preciso uma certa noção de arqueologia para seguir a pista que de vez em quando desaparece sob a calçada de prédios novos. Reaparece adiante cheia de buracos e obstáculos, uma imensa bagunça. Nenhuma bicicleta me ultrapassou no percurso, que, enfim descobri, vai dar na Mena Barreto, seguindo à direita para a Praia de Botafogo e à esquerda até o metrô.
Como uma lei que fica só no papel, aquele trecho da ciclovia existe só no chão, por decreto. É o desperdício de uma boa idéia que os militantes verdes conseguiram agregar ao projeto Rio Orla em 1992. De lá para cá, foram construídos 140 quilômetros de ciclovias, do Recreio dos Bandeirantes à Praça Mauá, de Ipanema a Bangu. Está na hora de avaliar os exageros, entender por que o projeto deu mais certo em determinados trechos, fazer respeitar ou eliminar as pistas de pouco movimento e, sobretudo, estimular o carioca a se locomover de bicicleta fora dos horários de lazer. Deve haver alguma coisa inteligente para pensar a respeito, né não?
E-mails para o cronista: tutty@nominimo.com.br
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Muito pertinente o comentário em vários aspectos, também aqui em São Paulo, vemos o abandono do equipamento público ou sua deturpação por terceiros… é incrível como certas coisas são simplesmente esquecidas… e quanto aos alunos de faculdades, realmente não entendo porque aqui na USP, existe um estacionamento tão grande, existem tantos alunos que têm condições de vir estudar com seus veículos (lembrando que é pública) e mais absurdo que isso possa parecer, seus alunos conseguiram simplesmente a proibição da circulação de bicicletas dentro do campus (alunos e funcionários têm permissão de circular)… em detrimento da segurança dos veículos que ali circulam (é mole?)… claro que a desculpa foi outra!!