Como criar filhos em grandes cidades

Quando chegam os filhos, e até mesmo antes, muda a visão das funções urbanas e as formas também parecem se modificar. É importante saber o caminho e como chegar ao hospital ou casa de parto, o transporte público precisa ser ainda melhor para atender as necessidades de tempo de um transitar que deixa de ser individual e passa a ser atividade para ser exercida em dupla e logo também com um bebê de colo.

A única conveniência no transporte público é o assento preferencial, uma normativa legal que muitas vezes tem pouco efeito prático e que significa apenas a vontade de definir privilégio através de uma lei ao invés de conscientizar a população quanto ao óbvio da gentileza e cortesias urbanas de ceder o lugar a quem dela mais precisa.

Já a mobilidade que deixa de ser individual e passa a ser em dupla implica muitas vezes na submissão a velha carruagem do século XX. A fragilidade de uma mulher grávida logo se transforma na proteção de uma cadeira especial para o transporte de bebês em carruagens. Grande vantagem é que em geral a fragilidade da vida dentro de um automóvel fica claramente demonstrada e a imprudência da juventude ao volante fica por completo soterrada, ao menos na transição para a novidade da maternidade e paternidade.

O ambiente urbano continua rigorosamente o mesmo, mas agora as inclinações das calçadas incomodam a caminhada com o carrinho de bebê, as distâncias urbanas facilmente percorridas a pé por adultos sozinhos ganham outros contornos quando se carrega um pequeno ser tal e qual um canguru no colo. A comércio de bairro passa a ser valioso e a criança força os pais a orientar as compras dos itens de primeira, segunda e até terceira necessidades.

Por fim, mesmo que as crianças sejam francesas e não façam manha (tal como define um livro famoso para neófitos na criação de filhos) é preciso buscar programas e atividades adequadas e aí as dificuldades se mostram por vezes quase cruéis. Criança precisa de espaço, precisa de liberdade enquanto os pais muitas vezes desconfiam que isso seja possível com segurança. Nos anúncios dos jornais estampam-se áreas de lazer, mas feudos confinados geram apenas pobreza de experiência para mentes em desenvolvimento. O inusitado da praça, a harmonia que se constrói no espaço público. Tudo isso é desafiador.

Pião de Tampinha de Detergente, invenção dos subúrbios para uma brincadeira que se vende pronta nos anúncios de televisão

Tal como as crianças pobres da periferia que precisam criar seus próprios brinquedos, os espaços urbanos adequados a circulação e permanência de crianças (e seus cuidadores) são uma grande necessidade do século XXI. Estamos discretamente aprendendo a moldar nosso ambiente de acordo com as necessidades dos humanos, nesse trajeto os “mais pequenos” tem grandes contribuições a nos dar.

A nave que se constrói irá nos transportar para os lugares mais próximos. A praça da vizinhança onde todos podem ir mas que ainda não vê gente que a frequente.

Alfabetismo urbano

Amor pela bicicleta - via Instagram Transporte Ativo

Amor pela bicicleta – via Instagram Transporte Ativo

As bicicletas, todas elas, tem sido fundamentais para redesenhar as cidades que imaginamos. Contribuem para mudar a visão de mundo que quem pedala, de quem ainda não pedala e principalmente de quem planeja e influi na organização urbana.

Um vídeo das viagens feitas pelas bicicletas públicas londrinas ajudam a marcar a importância de pedalar para a reinvenção urbana necessária.

Aos poucos as rotas mais populares são mais marcadas e definem as origens e destinos preferidos pelos usuários do sistema, mas as consequências vão além de um desenho animado. A popularização do uso da bicicleta é o atalho capaz de redefinir prioridades urbanas. Um caminho com diversas etapas, que começa através de atitudes individuais de quem opta por pedalar, passa pelas atitudes coletivas de quem promove o uso da bicicleta e chega até as políticas públicas.

O meio mais comum de locomoção nas cidades brasileiras é o caminhar, mas o desenho urbano é pensado para os cidadãos que utilizam motores para cumprir distâncias curtas, médias e longas. Reverter essa lógica, construída ao longo do século XX, é um trabalho necessário e em curso. Ainda assim, muitos dos que sofrem nos congestionamentos esperam uma solução para seu problema, sem saberem ao certo o que é necessário para apaziguar o sofrimento diário que compartilham com os condutores parados ao redor.

No dia-a-dia pedalar no trânsito urbano é deparar-se com episódios constantes desse analfabetismo funcional que atinge as pessoas presas atrás do volante. O principal fenômeno certamente é a acelerada para parar no próximo semáforo fechado. E tal qual a lebre e a tartaruga, o ciclista costuma seguir devagar e sempre e ultrapassar as tensões de quem não viu as cidades serem modificadas e construídas em função da mobilidade motorizada e reconhece apenas soluções vistas de dentro do carruagem de aço.

Em silêncio, o ciclista que ultrapassa, é ultrapassado e cruza mais uma vez até sumir no emaranhado das ruas é um lição de alfabetização urbana. Ensina em silêncio que a bicicleta é a ferramenta mais eficiente para os deslocamentos humanos. Como brinde, ainda fica o aprendizado de que mesmo planejadas para deslocomentos motorizados, as cidades acabaram por ser tornar espaços de livre trânsito apenas para quem ocupa pouco espaço.

Há motivo para otimismo nas ruas do Rio

Foto: Dandarah Jordão

Foto: Dandarah Jordão

Em meio aos preparativos e expectativas para Copa do Mundo e Olimpíadas uma transformação em curso nas ruas do Rio tem o potencial de deixar marcas para o futuro do Rio de Janeiro. As pressões pela melhoria do transporte público e a expansão da malha metroviária estão longe de serem atendidas. E antes das mudanças grandiosas com obras vultosas, a bicicleta foi capaz de entrar na agenda de transformação urbana pela sutileza.

O Rio de Janeiro sonha em ser metrópole mundial. O metro quadrado absurdamente caro já tornou esse lado perverso das grandes cidades mundiais uma realidade. As pressões e dificuldades para que a população se adapte estão postas nas ruas, avenidas e nas expansões urbanas mais vistosas. Novamente a bicicleta surge, sutil. Toda cidade “de classe mundial”, capaz de influenciar o futuro urbano do planeta adotou a bicicleta. Nos sonhos cariocas portanto, impossível não promover as pedaladas.

No embate entre sutileza e grandes obras, há muito debate necessário a ser travado. Mas é preciso sempre lembrar que gratuita e acessível para todos, a bicicleta é aquela ferramenta sutil anti-gentrificação. Veículo que precisa da diversidade de gente, de negócios e moradias. A cidade da bicicleta, aquelas de classe mundial e tudo o mais, integra melhor seus moradores ao tecido urbano com moradias e empregos próximos e claro, uma população com uma renda suficiente para ser capaz de arcar com os custos de moradia.

A invasão das bicicletas no centro do Rio de Janeiro traz consigo uma meio de subverter uma cidade sonhada somente para quem pode pagar (caro) por ela.

A importância de promever a bicicleta no Congresso

Na divisão de poderes do Estado o legislativo certamente é o maior mistério. As discussões, comissões, disputas e omissões para a criação de novas leis e reformas das existentes são extremamente complexas de serem entendidas por quem está de fora, isto é, a maioria de nós eleitores.

Os caminhos dentro do Congresso são longos e até mesmo tortuosos, literalmente. Por entre longos corredores é fácil se perder em meio a desumana arquitetura das esculturas de concreto de Niemeyer. É a “casa do povo”, mas não é capaz de receber as demandas populares. Corredores de teto baixo e salas com mesas e cadeiras fixas muito espaçadas tornam o ambiente a antítese da Ágora e até certo ponto inviabilizam o debate legislativo entre representantes eleitos e os cidadãos.

Apesar das dificuldades físicas e também das simbólicas, é no Congresso Nacional que se modificam as leis e também se criam novas. Influir nesse espaço costuma ser algo da prerrogativa de grupos que investem na pressão para que interesses particulares estejam acima da vontade da população.

A sociedade civil brasileira, promotores da bicicleta inclusos, ainda aprende como fazer pressão em torno das suas demandas. Desconhecemos os caminhos entre corredores do Congresso e naturalmente as forças em disputa entre os que lá circulam. Ainda assim há muitos espaços ainda vazios, prontos para serem pedalados.

Bicicletas na agenda nacional do país, com representatividade local e força de pressão nas esferas locais, estaduais e federal é uma construção possível que aos poucos começa a se desenhar.

Por hora batalhamos pela isenção do IPI para bicicletas, uma idéia que já atraiu mais de 85 mil assinaturas virtuais que funcionaram como meio de pressão para que um pequeno grupo de ciclistas tivesse força para pressionar senadores e deputados, in loco.

Entenda um pouco mais o que os ciclistas foram fazer no Congresso Nacional no Vá de Bike.

Pontes urbanas e nossas cidades

Quem já pedalou pelas ciclovias holandesas certamente se impressionou com as pontes e as conexões quase invisíveis entre os dois lados de um canal ou simplesmente para passar debaixo de uma auto-estrada.

São Paulo é uma cidade partida, talvez até mais partida do que o Rio de Janeiro de Zuenir Ventura. Entre rios, a paulicéia cresceu e desvairou-se. Para além das margens centrais foram morar os migrantes pobres e os que foram expulsos da zona central cada vez mais valorizada, especulada e gentrificada.

Mas como cidade de rios, ainda que muitos deles asfaltados, São Paulo tem pontes e por incrível que pareça, não há ponte, viaduto ou passagem subterrânea que dê as boas vindas para pedestres e ciclistas cruzarem de uma margem a outra dos rios. Honrosas excessões as antigas pontes que cruzam o vale do rio Anhangabaú, onde aliás não se vê mais água, ainda que as chuvas de verão ocasionalmente nos façam lembrar do porquê do nome “vale” associado a região.

Para além de pontes para conectar a cidade partida entre o centro expandido e o restante da cidade, São Paulo precisa de um pouco mais de cidade ao redor dos seus rios. Afinal como comprova quem caminha nas margens dos rios Tietê e Pinheiros, há muito pouco de agradável e divertido para ser visto por quem trafega pela região em velocidades humanas.

Até que tenhamos portanto todas as pontes humanizadas, teremos de construir juntos uma cidade mais interessante. E o primeiro passo para esse nova cidade é garantir que mais pessoas possam desfrutar, mesmo das partes menos interessantes, a pé ou de bicicleta.

Fotos via treehugger:
7 bike bridges in the Netherlands offer us a few lovely lessons