Olímpiadas Rio 2016 prestes a começar e a cidade prepara-se para sentir os impactos de um mês completamente diferente. Espalham-se mensagens de restrição à circulação. Pede-se ao carioca que evite determinadas regiões.
A novidade talvez, e que gerou mais revolta, é que até mesmo as bicicletas aparentemente não serão bem vindas durante os jogos. Ao menos foi essa a mensagem divulgada em e-mail direcionado a quem comprou ingressos.
A importância de uma mobilidade focada em incentivos é uma das lições olímpicas que certamente ainda não foi compreendida. É preciso deixar de lado as políticas de punição e cerceamento para pensar nas melhores maneiras de ajudar quem se diverte e trabalha durante os jogos, com direito a um legado positivo para a população quando a festa acabar.
Legado Olímpico nos transportes
Na atual configuração da região metropolitana do Rio de Janeiro, todos os anos são perdidos R$ 19 bilhões nos congestionamentos, ou seja, 5,9% de tudo que é produzido na região se perde em um sistema ineficiente de transportes. Esse valor é quase o dobro dos cerca de R$ 10,5 bilhões gastos nos 16 km de metrô construído para as Olimpíadas.
Com grandes cifras, o setor de transporte é muitas vezes apenas uma máquina de espalhar concreto, asfalto e trilhos para, ao final, apenas enxugar gelo. O motivo é justamente a falta de um olhar para o que deve ser mais incentivado.
Grandes avenidas com BRT, expansões viárias e até mesmo grandes sistemas de transporte sobre trilhos tem dois efeitos claros já no curto prazo: aumentam o número de viagens e principalmente as distâncias possíveis de serem percorridas.
A nova linha de metrô que conecta a Barra até Ipanema deverá levar diariamente cerca de 300 mil cariocas mais rápido, mas a distância física entre as moradias e os empregos persistirá.
Segue-se um caminho que trata a cidade como espaço a ser percorrido, quando já deveríamos estar no estágio de buscar viver com qualidade dentro do tecido urbano.
Justamente na bicicleta está o segredo para essa transição e os desafios dos mega eventos na inclusão da mobilidade ativa é apenas uma versão concentrada do desafio cotidiano de promover cidades melhores para as pessoas.
Pedestres e Bicicletas nos mega eventos – Alemanha 2006
Todo mega evento só existe com uma enorme concentração de pessoas. Seja Copa do Mundo ou Olimpíadas, os pedestres serão necessariamente bem vindos. Afinal, os únicos lugares que precisam de acesso dedicado para motorizados são cinemas drive-in e oficinas mecânicas.
Em 2006 a Alemanha foi exemplo no cuidado com pedestres promovendo infraestrutura para a caminhada que fosse agradável e convidativa nos acessos aos estádios. Sobraram bons exemplos com até 10.000 fãs caminhando até 5 km para assistir as partidas.
Investimentos e facilidades para pedestres foram a garantia de uma mobilidade mais eficiente e de menor impacto. Do total de viagens até os locais de jogos em todas as cidades, cerca de 75% foram feitas por transporte público, a pé ou em bicicleta. Os outros 25% foram convidados de honra, VIPs e jornalistas, todos com direito a estacionamento exclusivo muito próximo ao gramado.
No entanto, a exemplar política alemã para mega eventos e a vontade de mitigar impactos negativos do transporte fizeram pouco para atrair pessoas em bicicletas para os estádios. Em média 200 pessoas pedalaram para cada jogo, com picos de no máximo 700, números muito pouco expressivos.
Londres 2012, ainda longe de ser exemplar
Há quatro anos a capital britânica já vivia um grande aumento do uso da bicicleta, que trouxe consigo o crescimento do número de ativistas e defensores da mobilidade ativa. Natural portanto que Londres 2012 já tenha visto a pressão de grupos de ciclistas por incentivos para pedalar até as competições.
A realidade foi um pouco diferente e a contribuição dos grupos organizados em favor da bicicleta foi justamente buscar maneiras de contornar os congestionamentos olímpicos e também de tentar acessar os locais dos jogos pedalando.
Interdições, zonas de exclusão, pistas exclusivas para os carros e ônibus da família olímpica. Os londrinos viveram tudo isso e os benefícios da bicicleta se tornaram óbvios para mais pessoas. Afinal o congestionamento é também um fator de incentivo à mobilidade ativa.
Bicicleta na Rio 2016, o que ainda é possível fazer?
Preocupações de segurança e mesmo a enorme concentração de pessoas fazem de mega eventos momentos de criação de zonas de exclusão. Em geral, ao redor dos estádios só entra quem tem ingresso e apenas caminhando.
Para assistir às competições ainda é preciso passar por detectores de metais etc. A própria natureza de procedimentos de segurança rígidos já excluem a mobilidade ativa por patins, skate ou patinete.
A bicicleta ainda tem uma pequena brecha. Apesar da falta de incentivos é possível chegar mais perto em diversos locais de competição em bicicleta, do que através do transporte público. A quem quiser ir pedalando basta levar boas trancas, estacionar fora da zona de exclusão e seguir a pé o resto do caminho.
A bicicleta dará uma grande contribuição quase involuntária durante as Olimpíadas. Com as diversas restrições à mobilidade motorizada, pedalar durante os Jogos será a melhor maneira de se manter imune aos já previstos congestionamentos olímpicos.
Pedalemos portanto.
Saiba mais:
- Legado de Mobilidade Urbana – Rio 2016
- Obras de mobilidade urbana não atendem maioria da população
- O custo dos deslocamentos nas principais áreas urbanas do Brasil
- Legacy Report – 2006 FIFA World Cup
- Going to the Olympics? Get on your bike!
- Get ready to ride during the Olympics – a survival guide!
- Mega events – pacemaker of sustainable urban transport concepts