Campanhas de segurança no trânsito

Não corra, não bata, não morra, respeite. Em geral campanhas em prol da segurança viária feitas por órgãos de trânsito ao redor do mundo começam com negativas ou súplicas para que as regras sejam respeitadas.

Existem também as campanhas amedrontadoras, que visam assustar ao máximo as pessoas para inspirar o sentimento de “não seja o próximo”. De maneira geral o discurso visa sempre manter o status quo, sem jamais questionar a infraestrutura urbana e a lógica das ruas e estradas construídas para a velocidade e fluidez motorizada em detrimento à vida.

Nas palavras do ídolo das pistas Nelson Piquet: “O trânsito no Brasil é muito mais fatal do que um circuito de Fórmula 1.” Chega a ser quase irônico que um dos líderes na promoção à segurança nas pistas, Emerson Fittipaldi, protagonizou recentemente uma campanha que resume a lógica de buscar a mudança de conduta pelo discurso moralista de “deveres individuais”.

O discurso de “despertar a consciência no trânsito” já nasce fadado ao insucesso, já que a condução de um veículo motorizado, de uma bicicleta ou o simples ato de pedalar são movimentos de natureza inconsciente. Afinal depois de aprender a dirigir ou pedalar, tomamos decisões sem precisar refletir sobre cada uma delas.

De maneira consciente as pessoas tendem a diminuir seus riscos e não causar danos a ninguém. Mas tudo na engenharia de trânsito é feito para que os condutores possam se abster ao máximo do ambiente externo e concentrem seus esforços cerebrais em seguir velozes e em linha reta. Respeitando as linhas pintadas no chão, grandes semáforos, faixas de pedestres e placas, comportamento que torna invisível as calçadas e por consequência os pedestres.

A lógica de adequar pedestres e ciclistas a regras de conduta feitas para a segurança viária dos motorizados ainda irá nos brindar com bizarros exemplos de campanhas “educativas” de segurança no trânsito. O mais recente deles vem da Noruega, terra natal do ciclista profissional Thor Hushovd. Um “destemido ciclista” que precisa “compartilhar a via” com motoristas desatentos e sem “dar mole pro azar”.

Parabéns ao órgão de trânsito da Noruega por conseguir unir em uma só campanha o conceito legalista vazio de “compartilhe a via” ao amedrontamento de ciclistas. Tudo isso em um vídeo que mistura esporte e mobilidade da pior maneira possível e estigmatiza o ciclista como um inconsequente em meio ao perigoso mundo motorizado.

 

 

As bicicletas de Viena

Bonde e bicicleta, opções de transporte em Viena

Bonde e bicicleta, opções de transporte em Viena

Além de sediar o Velo City, 2013 também é o ano da bicicleta na cidade. São centenas de atividades ao longo do ano. O uso da bicicleta na capital da música aumentou muito nos últimos dez anos e hoje já tem 3% de todas os deslocamentos urbanos feitos em bicicleta. A meta da divisão modal é chegar em 5% das viagens em bicicleta até 2015.

As opções de transporte em Viena contrastam imensamente com a das cidades brasileiras. Há uma imensidão de opções, tem metrô, bonde, trem, ônibus, taxis, dois sistemas de carros compartilhados, dois sistemas de bicicletas públicas, a calçadas mais lisas que o asfalto das ruas, um delírio para pedestres, patinadores, skatistas e um modal que lá surpreende pela enorme quantidade e variação etária, o patinete.

Mãe usa patinete para acompanhar o filho de bicicleta

Mãe usa patinete para acompanhar o filho de bicicleta

Viena é a Capital Mundial (informal) do Patinete. São centenas de tipos, modelos e usuários. A variedade de opções e os usos dos meios de transporte tornam a mobilidade em Viena surpreendente. A cidade sempre foi conhecida com a cidade dos transportes públicos de qualidade, hoje podemos chamar de cidade da mobilidade e integração modal, com soluções modernas, simples e efetivas. Um lugar onde as ruas são compartilhadas por automóveis superesportivos  senhoras que pedalam tranquilamente e modernos e silenciosos bondes.

Ciclofaixa em avenida de Viena

Ciclofaixa em avenida de Viena

Atualmente a cidade conta com mais de 1700kms de infraestrutura cicloviária. E por incrível que parece a extensão de ciclovias segregadas é menor do que as do Rio de Janeiro. Viena tem muitas vias compartilhadas, faixas compartilhadas, calçadas compartilhadas, com poste no meio do caminho e tudo que tem direito, vias com contrafluxo, muitas Zonas 30 e uma infinidade de bicicletários espalhados por todos os cantos da cidade.

Foi certamente uma excelente escolha para cidade sede do Velo City 2013 pela história e pelo carinho e dedicação em fazer da bicicleta, do transporte público e dos deslocamentos humanos uma opção convidativa.

A maior conferência sobre bicicletas

O VeloCity 2013 foi o maior de todos até hoje. Mais de 1300 participantes com uma diversidade gigantesca de perfis, nacionalidades, idéias, soluções, resultados, apresentações. Viena foi o palco que uniu o “mundo da mobilidade por bicicletas”. Do ativista ao prefeito, do usuário ao fabricante/projetista.

O grande destaque foram as políticas de redução de velocidade dos motorizados nas ruas. O tema nunca havia sido abordado de forma tão ampla rendeu as palestras e plenárias mais aplaudidas do evento. 30Km/h, um número mágico para a mobilidade urbana.

Foi também o ano da logística ou “cyclelogistcs”, tema amplamente abordado, uma das tendências mais fortes que o evento apresentou. Com orgulho estávamos lá com a pesquisa realizada há dois anos em Copacabana e que teve resultados surpreendentes. Do “quintal de casa”, uma pesquisa vencedora do prêmio Visionary Award.

O tema de 2013 foi “The Sound of Cycling, urban cycling cultures”, buscava mostrar as diferentes culturas da bicicleta que interagem e promovem cada vez mais seu uso, isso em pleno berço da música clássica em um ambiente onde cultura e música estão no ar e nas ruas.

Já o clima entre os participantes do evento era aquela sensação de ter muita gente boa ao redor do mundo vibrando na mesma sintonia. Uma sensação de que sim, um mundo mais amigo da bicicleta é possível. E claro, que cada vez mais as cidades e países tem investido na bicicleta e decretado o fim da velha mobilidade.

É apenas uma questão de tempo e de como acelerar o processo.

O que é promover o uso da bicicleta

Prêmio "Cycling visionaries Awards", Viena, Áustria.

Prêmio “Cycling visionaries Awards”, Viena, Áustria.

As cidades, ao redor do mundo, precisam da bicicleta. Isso é fato e felizmente muitos prefeitos começam a ver isso e tomam medidas que garantem cada vez mais o conforto e segurança de quem opta por pedalar nas cidades.

Para que a população esteja pronta para adotar a bicicleta, é preciso conquistar corações e mentes e é disso que trata a promoção ao uso da bicicleta. Uma tarefa árdua sem dúvida, mas que lida diretamente com as estruturas de poder da “sociedade do automóvel”, ou “motorcracia”. Ou simplesmente a maneira como nossas cidades foram modificadas ao longo do século XX para se adequarem ao fluxo de veículos motorizados em detrimento de todas as demais necessidades.

Já estamos em outro milênio e ainda é comum pensar que o fluxo de veículos motorizado é o único uso possível das ruas, quando na verdade as ruas existem para comportar o fluxo e permanência das pessoas, independente do meio de transporte.

Justamente esse entendimento míope das ruas é o que contamina os corações e mentes da população urbana. Sejam pedestres, ciclistas e motoristas. Essa linha de pensamento aceita que os mais frágeis devem utilizar armaduras e se defender contra o fluxo motorizado em alta velocidade.

Dentro da defesa do status quo, estão também os próprios ciclistas, em especial os “ciclocapacetistas”, aqueles que defendem com fé cega o uso do capacete e dos equipamentos de segurança acima de todas as coisas.

Defendem o capacete para justificar um fato que não é natural; pelo contrário, poderia muito bem ser evitado. É um fato cultural. Usam argumentos do medo e da segurança para manter uma situação isto é: “eu uso capacete e consegui sobreviver à guerra do trânsito”.

Vale questionar a própria necessidade dessa “guerra no trânsito”. É possível fazer um paralelo entre o “ciclocapacetistas” que “quebrou o capacete em mil partes” e um soldado que volta vivo da guerra e diz que conseguiu sobreviver porque o estilhaço da bomba pegou no capacete.

Antes de discutir a necessidade do capacete para soldado, precisamos discutir se é preciso haver guerra. Neste sentido, quem defende com unhas e dentes o uso de capacete de alguma forma está querendo se “adaptar” à situação, e não está querendo mudá-la. “É um fato triste ter guerra, mas elas existem e os soldados precisam de capacete.”

Muito pelo contrário, ciclistas não são soldados que devem se “proteger a todo custo” dos “inimigos”. É preciso acima de tudo ter o entendimento que o uso que se faz hoje das ruas das nossas cidades é uma distorção e que essa distorção só irá ser revertida quando houver o entendimento de que acima de tudo é preciso promover o uso da bicicleta com conforto e segurança.

As medidas para isso já estão no papel e em diversos estudos. É o planejamento cicloviário que:

  1. legitima o uso que os ciclistas fazem das ruas, como atores legítimos no trânsito,
  2. coíbe o excesso de velocidade por parte dos veículos motorizados
  3. aumenta as zonas compartilhadas com limite de velocidade de até 30 km/h
  4. constrói ciclovias segregadas em vias de grande fluxo motorizado
  5. distribui bicicletários em espaços públicos e privados.

Mas o planejamento cicloviário para ser bem implementado precisa do devido apoio da população e é esse o papel da promoção ao uso da bicicleta.

Promover o uso da bicicleta é simplesmente entender o potencial das bicicletas para as pessoas e as cidades e transmitir de maneira clara esses benefícios para a população. Mas para isso é preciso quebrar os preconceitos e as idéias construídas pela “motorcracia”.

Lá no começo do século XX, vivemos “a transição da época em que os motoristas eram considerados responsáveis por todo atropelamento e em que era impensável pensar em culpar uma criança (ou seus pais) por ser morta ao brincar ou atravessar distraída uma rua, ao momento em que se tornou aceitável limitar a presença de pedestres em faixas específicas. (1)”

É preciso viver a transição oposta, ser a favor da bicicleta e entender que o ciclista não é nem pedestre nem motorista e por isso tem outras necessidades e motivações nos seus deslocamentos. Defender os desejos dos ciclistas implica ser a favor da readequação das cidades em favor das pessoas e não na adequação das pessoas às cidades.

(1) – trecho retirado da resenha do livro Fighting Traffic.

Comunicação em prol da mobilidade

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A mobilidade sustentável e a readequação das cidades brasileiras acaba de ganhar um incentivo a mais.

ITDP (Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento) lança o 1o Prêmio de Jornalismo de Mobilidade Urbana Sustentável. A iniciativa irá premiar jornalistas brasileiros que publicaram matérias que buscaram “conscientizar as pessoas sobre a necessidade de melhorar a qualidade de vida nas grandes cidades, por meio de políticas adequadas de transporte sustentável.”

Jornalistas deverão inscrever suas reportagens entre os dias 15 de maio e 15 de julho de 2013 através do email premio@itdp.org. O material inscrito deve ter sido publicado em meios de grande circulação nacional ou regional, entre 1 de janeiro de 2012 e 14 de julho de 2013, no Brasil.

Os inscritos serão selecionados por um comitê de especialistas que irá escolher 3 finalistas. Dentre os três haverá um vencedor e duas menções honrosas. O jornalista escolhido ganhará uma viagem para Nova Iorque para participar de uma visita técnica às iniciativas de mobilidade sustentável em outubro de 2013.