Entre os dias 27 e 29 de abril de 2016 foi realizado o IV Workshop – A Promoção da Mobilidade por Bicicleta no Brasil com o tema: “Qualificando e fortalecendo as organizações”.
Durante os três dias foi possível traçar um caminho completo desde as origens da sociedade civil até a sempre necessária lembrança sobre o que nos une, fortalece e dá forças para seguir em frente: a bicicleta.
Quem somos, para onde vamos, por quê vamos?
Clarisse Linke, diretora executiva do ITDP Brasil, foi a responsável por dar o contexto histórico logo no primeiro dia. Ao mostrar a evolução do conceito de sociedade civil em relação ao Estado e ao mercado, ela demonstrou a importância do autoconhecimento para as organizações.
O mergulho nas referências deixou claro como a marcha da história define o papel das organizações. Desde os tempos do Leviatã de Hobbes, até as conceituações de Gramsci e Habermas, a sociedade civil define-se como essa força entre o Estado e o Mercado.
O cenário, com o passar do tempo, torna-se complexo ampliam-se às fontes de recurso, as regulações legais e práticas de gestão. Evoluiu o capitalismo e houve fortes impactos nos caminhos possíveis para o terceiro setor que funciona com híbrido na busca por benefícios coletivos utilizando recursos privados. Equilibra-se assim entre o Estado e seus recursos públicos e o Mercado de benefícios privados.
Certamente a principal conclusão é que precisamos conquistar legitimidade, representatividade e credibilidade, através de uma abordagem centrada no ser humano com princípios éticos que facilitem, capacitem e catalisem formas de participação e o empoderamento das pessoas. E tudo isso ainda com eficiência e efetividade, tal como a bicicleta, o meio de transporte mais eficiente jamais inventado.
Ferramentas participativas de análise
Montado o pano de fundo histórico, era a hora de colocar a mão na massa. Renata Florentino, coordenadora geral da Rodas da Paz, e Gabriela Binatti, da Transporte Ativo, apresentaram algumas ferramentas participativas de análise que podem ajudar as organizações da sociedade civil a alcançar melhores resultados.
Foi possível conhecer um pouco e sentir como trabalhar na execução de um mapa de atores, simular uma elaboração de cenários e uma análise de fortalezas, oportunidades, fraquezas e ameaças (FOFA ou SWOT).
Assim como em um oficina mecânica, cada ferramenta serve para determinado ajuste. Uma elaboração de cenários precisa de uma grande diversidade de participantes e boa divulgação. Só através da ampla participação será possível produzir resultados além da caixa dos convertidos.
Já um mapa de atores é uma ferramenta de uso interno e não divulgável. Através dela, as pessoas de uma organização podem entender de quem precisam se aproximar para conseguir mais apoios e a quem precisam estar atentos para não ter sua trajetória interrompida por forças contrárias.
Geralmente utilizada em processo de planejamento estratégico, a ferramenta FOFA é de fácil aplicação e por isso bastante popular. Através da união entre o diagnóstico externo e o interno é possível debater uma visão de futuro e a missão da organização.
Formações em Ciclomobilidade
Em um painel com mediação de Renata Falzoni, participantes do Workshop puderam conhecer as diferentes aplicações de oficinas de formação em ciclomobilidade em diversas cidades brasileiras. Compuseram a mesa: Daniel Guth da Ciclocidade (São Paulo), Renata Florentino da Rodas da Paz (Brasília), Phelipe Rabay da Ciclovida (Fortaleza) e Marcia Menêses da Mobicidade (Salvador).
O tema da formação foi mais uma oportunidade de entender como cada cidade tem suas motivações e ações bem distintas para alcançar o mesmo objetivo final.
Com mais de 10 anos de atuação, a Rodas da Paz faz uma capacitação do voluntariado para suas ações. O grande benefício é manter uma base atuante de voluntários e ao mesmo tempo ter por perto os “dinossauros”. Um caminho em que se preserva a memória institucional e constrói-se um futuro através da renovação de quadros.
A Mobicidade Salvador fez sua primeira formação em 2016, capacitar para ação também foi o viés. Era importante qualificar as discussões em audiências públicas sobre o plano diretor e o plano de mobilidade. As bicicletas precisavam entrar na pauta e a melhor maneira de garantir que a mobilidade ativa fosse incluída no futuro da cidade era através da multiplicação de vozes, com mais ciclistas em defesa das magrelas.
A Ciclocidade já realizou duas formações, em uma mistura do que é feito em Brasília e Salvador. Buscou-se inicialmente capacitar ciclistas nas mais diversas áreas da cidade a tornarem-se atores relevantes na discussão das pautas relacionadas à mobilidade. O enfoque foi mais centrado nos meios de como realizar incidência política em favor da bicicleta na cidade.
O sucesso da primeira formação foi o catalisador para o aumento das inscrições através do boca a boca o que mostra um caminho necessário (ainda que longo) de investir em trazer cada vez mais pessoas para a discussão.
O aprendizado portanto requer alternativas locais, mas é acima de tudo um esforço que se soma aos poucos nas diversas organizações ao redor do Brasil em busca de aglutinar um país com grupos fortes e unidos em buscas da qualidade de vida nas cidades por meio de uma mobilidade mais humana.
Como transformar informação em ação
No caminho para a conclusão do Workshop, Victor Andrade, do Laboratório de Mobilidade Prourb-UFRJ, nos trouxe um panorama dos desafios atuais com riscos globalizados e descontrolados.
Os bichos humanos mudaram fisicamente muito pouco nos últimos milhares de anos, enquanto a organização social transformou-se drasticamente. Nos tornamos incapazes de lidar com a modernização que alcançou tal estágio de complexidade que tornou-se um problema em si mesma.
Urbano por excelência, o planeta moderno do antroproceno é ambiente de gráficos em ascensão exponencial. A taxa de habitantes, sua concentração nas cidades, os gases de efeito estufa etc. Em tudo, a única constante é a velocidade, sempre crescente.
É possível no entanto partir da premissa que o desenho urbano está diretamente ligado aos padrões de comportamento da sociedade. Os resultados do passado são colhidos no presente. Nossas cidades muradas sofrem com epidemia de obesidade e outras doenças crônicas não transmissíveis e a depressão como mal do século XX ainda nos impacta.
Felizmente o horizonte é repleto de possibilidades. Temos no momento o dever de agir para um futuro urbano centrado nos animais frágeis que somos. A política urbana tem o papel de identificar alternativas de adaptação do atual cenário para maximizar resultados positivos e minimizar as consequências negativas.
Um caminho possível, num horizonte de debate democrático é através da conexão entre ativismo, política e políticas públicas. Embasados em dados de qualidade seremos cada vez mais fortes e capazes de construir novos caminhos. É possível ver janelas de oportunidades nos becos sem saída em que nos prendemos voluntariamente e daí, abrir portas para um futuro com uma humanidade mais saudável.
Organizações de excelência na promoção ao uso da bicicleta
Marcio Deslandes representou a Federação Européia de Ciclistas (ECF) e a World Cycling Alliance para falar sobre “Governança da Bicicleta”. Foi de certa forma a possibilidade de visualizar os efeitos práticos da implementação ao longo dos anos do que foi o aprendido durante o Workshop.
Através da identificação do potencial da bicicleta em diferentes áreas, do mapeamento dos atores e da governança, é possível alcançar grandes distâncias e facilitar para que cada vez mais pessoas pedalem.
De maneira resumida, a governança envolve responsabilidade corporativa (em inglês, compliance), prestação de contas, transparência e equidade.
Transparência é fundamental quando se entende o caráter de benefícios públicos que uma organização da sociedade civil deve promover. É preciso, antes de mais nada, o desejo de tornar público os caminhos seguidos, tanto como prestação de contas, quanto para colaborar no aprendizado coletivo de todo o setor.
Para além de todos os conceitos teóricos, governança no terceiro setor envolve estabelecer parcerias, construir pontes e criar alianças que com o passar do tempo fortalecem o grande objetivo comum, ter mais pessoas em mais bicicletas mais vezes.
O Amor à Bicicleta
Renata Falzoni, cicloativista do “Bike é Legal” brindou a todas as pessoas no Workshop com a mais bela e empolgada declaração de amor pelas duas rodas movidas a pedal.
A palestra de encerramento foi o momento da pura inspiração e o momento para relembrar porque é preciso dedicar tanto esforço, na maioria das vezes puramente voluntário, em prol das bicicletas.
Falzoni, claro, passou por todas as vantagens da bicicleta, eficiência, justiça social, eficiência energética etc. Seguiu por entre as mais diversas definições do que a bicicleta representa para as pessoas. De óculos para ver a realidade social até a capacidade que a magrela tem de levar-nos para além dos nossos próprios sonhos.
O percurso foi então para a analogia dos ciclistas como um grupo de viciados em endorfina que busca sempre aliciar mais gente para o consumo da “droga da felicidade”. Aquela que nosso corpo produz sozinho, sempre que praticamos o esforço físico repetitivo de girar os pedais.
Com um efeito similar aos opióides, a endorfina atua no nosso sistema nervoso central, inibindo a dor, trazendo euforia, aumentando o bem estar, prevenindo contra a depressão e controlando a ansiedade. Em resumo, é um medicamento que não se vende com benefícios individuais que contrabalançam praticamente todos os efeitos negativos do desenho urbano segregador praticado ao longo do século XX.
Nas palavras de Renata, essa paixão que nos move enquanto pedalamos precisa ser radical no amor, ou seja, praticada com um certo amadorismo daqueles que acreditam nos seus ideais e os promovem para além de cálculos puramente financeiros.
Que venha o V Workshop e que a inspiração que circulou no Studio-X Rio, com o apoio do Banco Itaú possa se propagar pelas ruas brasileiras. Obrigado a todas e todos e pedalemos juntos até 2017.