Construção da segurança

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O enfrentamento mais decisivo em curso para quem usa e promove a bicicleta está além das ruas. Está no discurso que se propaga sem saber, está no preconceito que se manifesta velado ou explícito. Nas palavras que se repetem, que constroem e reforçam barreiras que impedem a humanização dos espaços públicos de circulação e das próprias cidades.

Durante o século das duas guerras mundiais, as carruagens motorizadas saíram em massa das linhas de montagem para ganhar as ruas. Os mortos e feridos contaram-se aos milhares em um embate que tirou à força as crianças e adultos das ruas para que os automóveis pudessem circular na maior velocidade possível.

E não foi em silêncio que as famílias velaram seus mortos. Houve um processo de demonização do automóvel, imediamente percebido como um ator destrutivo nas ruas das cidades. Para que as linhas de montagem continuassem a produção foi preciso promover um novo conceito, o de que os veículos motorizados, o novo ator no trânsito urbano, eram seguros e adequados para as ruas.

O esforço da industria automobilística para viabilizar o uso intensivo de seus produtos nas cidades foi imenso e frutífero. Em poucas décadas, o século XX tornou-se o século do automóvel e as ruas perderam muito do seu caráter histórico de espaço público, uma construção social de 5 mil anos.

Mortos e feridos nas ruas contam-se às dezenas de milhares. No Brasil o número gira ao redor dos 50.000 mortos por ano. Sendo as pessoas fora dos automóveis, em especial os pedestres, as maiores vítimas.

Ator consolidado nas ruas do século XXI, o automóvel deixou de ser diretamente responsabilizado pelas perdas de vidas humanas que gera. Encarado como fato consumado nas cidades o trânsito motorizado é conversa de elevador e suas vítimas geralmente veladas em silêncio.

A segurança das ruas é acima de tudo uma construção social. Hoje essa construção permite que pedestres e ciclistas sejam tratados como vítimas a serem responsabilizadas. A reversão do discurso que aceita os mortos e feridos no trânsito como casualidades é uma necessidade do século XXI. Enquanto o embate do século XX foi entre a demonização do automóvel e a industria automobilística, o embate atual é da qualidade de vida contra a degradação do espaço público das cidades.

A vilanização dos motores acabou derrotada e hoje as cidades são bem diferentes de como eram em 1900. As cidades de 2100 certamente serão outras e para que façam sentido e possam abrigar grandes populações humanas que gerem prosperidade, é preciso promover o uso racional e seguro do automóvel em ruas que possam garantir mais fluidez para as pessoas que utilizam transportes ativos e os transportes motorizados coletivos.

Ruas e ciclofaixas de lazer

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O Rio de Janeiro por hora não terá uma ciclofaixa operacional de lazer para fazer a ligação entre a Quinta da Boa Vista e o Aterro do Flamengo. E talvez essa não seja uma notícia tão ruim.

São Paulo investiu com grande sucesso no modelo de ciclofaixa operacional de lazer, uma adaptação cicloviária do modelo de ruas de lazer que tem exemplos ao redor do mundo.

Durante um período de tempo, aos domingos e feriados, ruas são abertas para a circulação exclusiva de pessoas em bicicletas, patins skates, etc, essas são as ruas de lazer.

As ciclofaixas de lazer, no modelo paulistano, abrem uma pista no viário para a circulação exclusiva de bicicletas durante um curto período na semana. A visibilidade e a promoção da viabilidade da bicicleta como veículo urbano (ainda que só aos domingos e feriados) é o principal ganho para a cidade.

Pelo sucesso alcançado, a rede de ciclofaixas operacionais de lazer de São Paulo se expandiu pela cidade e tornou-se modelo no Brasil. Os custos envolvidos são altos. É preciso sinalizar as vias, comprar cones e principalmente pagar pessoas para montar e desmontar a operação.

A ligação Quinta da Boavista / Tijuca ao Aterro do Flamengo seria maravilhosa, mas as ciclofaixas de lazer aos domingos, no modelo paulistano, são formas não democráticas de lazer. As ruas de lazer já em operação no Rio (em São Paulo e diversas cidades) são muito mais democráticas e permitem a todos que tenham mais uma opção de lazer aos domingos e feriados.

Ao privilegiar os ciclistas, estes tendem a achar que o espaço é só seu e não gostam de dividi-los com pedestres, patinadores, skatistas dentre outros que também deveriam ter direito a um lazer extensivo.

Nos moldes das Summer Streets de Nova Yorque , para todos, nossas áreas de lazer se destacam mundialmente, mas para os cariocas e paulistas é algo tão comum e antigo que sequer damos conta do que temos.

No Rio centenas de ruas são fechadas ao trafego aos domingos e feriados, mas nenhum marketing é feito em cima disso, em São Paulo, apenas algumas faixas em grandes avenidas fecham parcialmente e o marketing é tão grande que parece algo sensacional, enquanto é algo bem pequeno em comparação com o potencial das ruas de lazer.

O modelo de Bogotá, “ciclovias” dominicais abertas a pessoas em bicicleta, skate e patins, é uma alternativa mais viável de popularizar o lazer no espaço público das ruas e avenidas e ao mesmo tempo promover o uso da bicicleta, mas não só ele.

Com mais de 120 km de vias para pessoas aos domingos e feriados, Bogotá privilegiou a simplicidade, com avenidas inteiras, e não apenas uma faixa de circulação, dedicadas a pessoas, sem distinção sobre o meio de transporte usado.

Toda cidade precisa oferecer lazer aos seus habitantes, e promover o lazer em bicicleta é uma forma útil e inteligente de tornar nossas cidades melhores. O (temporário) insucesso da ciclofaixa operacional de lazer carioca é uma boa oportunidade para discutirmos modelos oferecidos pelas cidades aos seus moradores e visitantes.

Ponte anti-inundação em São Paulo

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Foto: Daniel Guth

A “valet-ponte” que ilustra esse texto é um retrato das águas de março em São Paulo, uma cidade que descobre enchente onde antes havia a baixada de um rio, descobre corredeiras de água suja pelo asfalto onde antes escorriam cachoeiras.

Uma redistribuição eficiente do espaço de circulação urbano, com mais árvores, rios a céu aberto e solo permeável é mais do que sonho utópico. É um redesenho urgente da metrópole que já foi da garoa e hoje é da tromba d´água com enchente.

A cada boletim informativo da CET-SP que divulga o número de pontos de alagamento intransitáveis, melhor ler que por ali perto passa um rio escondido em uma tubulação subterrânea que não lhe dá vazão.

Pela ponte e entre rios circulam os ciclistas, imunes ao semáforos que se apagam com as trombas d´água, às árvores caídas que inviabilizam a circulação motorizada e ao caos que se instala em uma cidade que virou as costas para os seus rios.

É Lenine que canta “esse lugar é uma maravilha, como faz para sair da ilha? É pela ponte, é pela ponte”.

O documentário Entre Rios com a história hídrica de São Paulo:

ENTRE RIOS from Caio Ferraz on Vimeo.

Mapa para ciclistas no iPhone

O Mapa Cicloviário Unificado do Rio de Janeiro é uma iniciativa colaborativa que nasceu para ajudar os ciclistas cariocas.

Dentro do espírito colaborativo, o amigo Hendi Coelho utilizou o banco de dados do mapa e construiu um aplicativo completo que traz todos os pontos do mapa. Com o celular na mão é possível achar a estação de bicicleta pública mais próxima, a oficina mecânica e até um local para calibrar os pneus.

As ciclovias e toda a infraestrutura cicloviária da cidade ainda está sendo aplicada no mapa e no futuro será possível ter também as rotas de circulação.

Faça o download gratuito do aplicativo cicloviaRio e explore a cidade. O aplicativo permite o envio de dúvidas e correções diretamente para os colaboradores responsáveis pelo mapa cicloviário.

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Veja mais aplicativos para os ciclistas que utilizam celulares Android.

Você praça

Quem circula pelas ruas de São Paulo, ou até mesmo que está de olho nas novidades que aparecem nas redes sociais podem já ter visto uma imagem que traz um stencil com a frase”

Você praça, acho graça

Você prédio, acho tédio

O autor é Dafne Sampaio, que se define como “um sujeito de cabelos e barba grisalhos, óculos” e busca muros e tapumes pela cidade para fazer o diálogo com esses espaços e com a cidade, suas pessoas.

As reações de quem passa e vê o jornalista em ação nas ruas são sempre cordiais e despertam sorrisos. São Paulo, cidade opressiva com ruas travadas com tantos carros, em que falta espaço público para contemplação certamente precisa desse debate.

Praças nesse contexto são a graça de poder estar na cidade em um ambiente público, o prédio é a esfera privada, o espaço sem diversidade e cada vez mais isolado do tecido urbano por muros altos, grades e garagens.

A história completa de como surgiu a idéia do estêncil está no blog do artista. Há ainda o texto “Por uma cidade cheia de graça” que conta um pouco mais.