Valores democráticos nas ruas

As ruas são o espaço público por excelência, onde todos tem de circular. Já foi dito que a largura das calçadas são a medida da democracia de uma cidade. Afinal todos são pedestres, podendo transitoriamente estar de bicicleta, no transporte público ou dentro de um automóvel particular. Curioso no entanto como a mobilidade é arena para debates em que a propriedade particular é posta acima de interesses públicos.

Vale traduzir para a realidade das ruas três principíos democráticos fundamentais:

– Liberdade de expressão
– Alternância de poder
– Pluraridade

As ruas devem poder garantir a todos que se manifestem livremente, falar o que pensam e ouvir a opinião dos outros em medo de represálias. Nas ruas isso implica que os meios de transporte maiores devem zelar pela segurança dos menores e todos pelo pedestre. Tal princípio já está previsto no CTB, vitória para a democracia.

Quando o mais forte tem o monopólio do uso da força sem alternância de poder, uma sociedade se engessa e não progride. Alternância de poder é adequar que diferentes fluxos tenham garantido o acesso seguro as vias. Em que cada um a seu tempo e respeitando a presença do outro, todos possam utilizar as ruas.

Cidades plurais são sempre melhores. Cidades onde existe uma enorme quantidade de opções de transporte e em que a escolha depende de cada um. O transporte individual, seja bicicleta, motocicleta ou automóvel, tem vantagens em relação ao transporte público, mas não podem orientar políticas públicas de mobilidade urbana.

Meios de transporte público diversificados e que sejam uma alternativa eficaz ao transporte individual são a melhor maneira de garantir que os cidadãos possam escolher a maneira como irão se deslocar. E que uma divisão heterogênea entre os diferentes modais seja possível.

Todos os princípios democráticos aplicáveis as ruas já estão previstos em lei. No entanto, a realidade prática ainda não contempla uma democracia efetiva. As pressões para adequar as cidades aos meios de transporte individuais e motorizados ainda seguem com um grande poder de influência. No entanto essa distorção histórica está também no curso de ser corrigida.

Para que as ruas possam efetivamente ser um espaço para todos. Independente da classe social, credo, ou meio de transporte escolhido.

Árvores, ar e planejamento urbano

A natureza nos presta grandes serviços sem cobrar nada. É a chuva que lava o ar que respiramos, trazendo de volta as toneladas de fumaça que mandamos para os ares.

Mas a água com a qual contamos para lavar a sujeira que emitimos tem um ciclo próprio. No sudeste brasileiro é no inverno que chove menos. Frio e o clima seco se somam para prejudicar a saúde da população.

Muitos morrem e outros tantos acabam com pulmão de fumante compulsivo sem tragar um cigarro sequer. E a culpa certamente não é do inverno, mera estação do ano, processo cíclico de bilhões de anos.

E é justamente durante o inverno que recomeça a repercussão do discurso de que a qualidade do ar e a baixa umidade são motivos para que as pessoas se abstenham de fazer atividades físicas. Mas pouco se fala em medidas que efetivamente possam evitar que a qualidade do ar se torne péssima.

O rodízio de veículos foi implementado também para diminuir os efeitos da poluição. O envelhecimento e aumento da frota neutralizaram os efeitos benéficos para a qualidade do ar. No entanto uma medida fundamental do planejamo urbano pode e deve ser mais utilizada, a arborização. Cinco benefícios fundamentais são:

– Filtragem do ar
– Regulação do micro-clima nas ruas e na cidade
– Redução da poluição sonora
– Drenagem da chuva
– Recreação e preservação de valores culturais

Viver em uma cidade não é fácil, mas os benefícios compensam para a maioria da população, nem que seja para viver com pouca qualidade de vida, mas com a subsistência garantida. A construção de políticas públicas para garantir a qualidade de vida dos urbanóides é condição fundamental para que as cidades possam continuar a existir. E a vida humana necessariamente precisa dos serviços da natureza, seja a chuva que lava os ares os a árvores que regulam o clima.

Mais:
Mapa da qualidade do ar em São Paulo
Ecosystem services in urban areas – Bolund

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Geologia, engenharia e harmonia

Devagar também nas estradas

Um estudo preliminar holandês concluiu o que qualquer motorista atento ao consumo de combustível sabe, ir devagar na estrada ajuda a economizar. Ao manter velocidades menores durante uma viagem, é possível também diminuir as emissões de CO2.

A tese que os pesquisadores da CE Delft levantaram é que trata-se de uma boa política pública reduzir os limites de velocidade nas estradas. Para emitir menos CO2 e portanto contribuir menos para o aquecimento global. Os ganhos podem chegar a 30% com a redução do limite de velocidade para 80 km/h nas auto-estradas. Vale lembrar que em muitas estradas brasileiras o limite para veículos pesados já é de 90 km/h.

Vale destacar os custos e benefícios:

CUSTOS SOCIAIS:

– Maior tempo de viagem
– Redução no índice de passageiros transportados/veículo/quilômetro
– Custos de fiscalização

BENEFÍCIOS SOCIAIS:

– Redução da emissão de CO2
– Redução na emissão de poluentes
– Redução da poluição sonora
– Aumento da segurança viária
– Redução dos congestionamentos
– Diminuição nos gastos com infraestrutura
– Economia de combustível

Transplantando esse estudo para a realidade brasileira, os benefícios podem ser ainda maiores. Tanto por salvar vidas nas estradas e também por tornar possível igualar a velocidade máxima dos veículos leves e pesados.

Para ler o resumo:
Why slower is better
(via treehugger)

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Em favor das reduções de velocidade
Um número mágico

Enxurradas urbanas

Quando a bicicleta é a opção, devagar e sempre, vão todos.

De trem, movem-se no ritmo das composições que vem e vão.

Congestionamento, originally uploaded by kassá.

Na enxurrada de carros, ninguém se move.

Cento e cinquenta pessoas em de Bogotá. Com ruas inteligentes a cidade pode ser de poucos, de muitos, ou de todos.

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Ruas Inteligentes

Linhas de desejo e representatividade

Rios sempre foram obstáculos naturais. Em São Paulo são a grande barreira para os meios de transporte ativos. Os rios Pinheiros e Tietê formam uma linha real que separa o centro expandido da capital do resto da mancha urbana metropolitana.

Alças de acesso que permitem velocidades altas para os motorizados e a ausência de faixas de pedestres acabam por desencorajar viagens a pé e de bicicleta nas pontes. Em algumas delas caminhar e pedalar é até proibido.

Como forma de reforçar o desejo de pedalar em segurança sobre o rio Pinheiros, ciclistas pintaram uma ciclofaixa na ponte Cidade Universitária. O fluxo de pedestres é enorme por conta da USP de um lado e da estação de trem do outro lado do rio. Some-se a isso a grande oferta de empregos de um lado e moradias do outro.

O “cicloativismo apocalíptico” exemplificado na sinalização não-oficial carrega consigo o desejo ancestral de traçar o caminho mais curto e seguir por ele. Nas palavras do filósofo Gaston Bachelard, é a linha de desejo, ou trilha social. Foi desse modo humano de viajar que se fizeram caminhos na mata, que viraram trilhas, estradas. Por onde passaram boiadas, trilhos e estradas.

Caminhos em qualquer cidade, ou espaço humano habitado, serão sempre os mais curtos e fáceis. Durante as últimas décadas esse caminho era pensado para a utilização de veículos motorizados. A demanda e ineficiência em deslocar pessoas provaram a falência desse modelo. Para mitigar o colapso, resta investir em alternativas que encoragem o uso de meios de transporte inteligentes para as inúmeras demandas humanas por ir e vir.

Leia mais:
atos de amor e coragem (pedaline)
23 de maio (apocalipse motorizado)
Desire path (wikipedia)
Subconscious Democracy and Desire (Copenhagenize)

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