Destaques
Ultrapassagem
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Uma boa segurança no trânsito para os ciclistas também depende dos motoristas. Por isso, o artigo 201 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) diz que:
Deixar de guardar a distância lateral de um metro e cinqüenta centímetros ao passar ou ultrapassar bicicleta:
Infração – média;
Penalidade – multa.
Já o artigo 220:
Deixar de reduzir a velocidade do veículo de forma compatível com a segurança do trânsito:
(…)
XIII – ao ultrapassar ciclista:
Infração – grave;
Penalidade – multa;
XIV – nas proximidades de escolas, hospitais, estações de embarque e desembarque de passageiros ou onde haja intensa movimentação de pedestres:
Infração – gravíssima;
Penalidade – multa.
Em ruas muito estreitas, com passagem para um só veículo, a bicicleta tem, portanto, direito a tomar a faixa. Naturalmente a gentileza de ceder passagem assim que possível ameniza o convívio com os motoristas.
As placas que ilustram esse post buscam reforçar o bom senso que é sempre o foco em qualquer legislação de trânsito. O veículo mais pesado deve zelar pela segurança do mais leve.
“Biciclistas têm direito à faixa inteira. Mude de faixa para ultrapassar”.
Mobilidade na Dinamarca
Na Dinamarca, uma das maiores rendas per capita do mundo, quase 50% dos 1,5 milhão de habitantes que vivem na capital vão de bicicleta para o trabalho. Em compensação, apenas um terço das famílias tem automóvel.
Fatores que incentivaram a utilização da bicicleta: geografia plana, construção de vias exclusivas e sinalização adequada, criação de impostos severos para o registro e estacionamento de autos. Vale recordar o vídeo “Dinamarca, cidade dos ciclistas”. Nele é dada a informação de que 70% dos usuários da bicicleta seguem pedalando mesmo no rigoroso inverno dinamarquês.
Implicações positivas: uma pesquisa realizada durante 15 anos pelo Centro de Estudos do Coração da Universidade de Copenhage, mostrou que os cidadãos dinamarqueses que optaram pela bicicleta como principal meio de transporte, vivem bem mais do que os sedentários, apresentando um baixíssimo índice de doenças cardíacas, contribuindo por tornar a Dinamarca um dos países europeus com o menor índice de mortalidade por problemas de coração.
Até mesmo os sedentários podem contar com opção de deslocamento em Ciclo-táxis. Uma empresa chamada “Cykeltaxi” tem um vídeo interessante. Como diz o slogan deles, “De uma volta no lado verde da vida”. Transporte Ativo de passageiros (aqui, outros exemplos).
Redescoberta da Energia Humana
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Imagem: Bicyclopolis
As emissões de CO2 tem sido atacadas principalmente através do Protocolo de Quioto, que a União Européia anunciou que cumprirá. No entanto, a humanidade terá de rumar firme para um futuro mais limpo numa integração mais saudável com o meio ambiente.
Em um exercício de futurismo é difícil imaginar a civilização humana em uma era pós-petróleo. Mesmo para os que não lêem inglês, vale conferir o site Bicyclopolis. Desenhos sombrios mostram um futuro de cidades desertas cobertas de escombros. Asfalto, concreto e aço sem brilho. Mas em meio ao caos, resplandece a tão querida magrela movida a propulsão humana. O meio de transporte do futuro, até mesmo mesmo em um futuro sombrio.
Rotina diária
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O termo em inglês “commute” define com precisão a jornada “casa-trabalho-casa”. Rotina para bilhões de urbanóides pelo mundo afora.
Existem várias formas de se deslocar, todas elas requerem tempo, espaço e energia. No quesito geral a bicicleta naturalmente ganha no aproveitamento dos três, no entanto existe um fator absolutamente subjetivo.
Aqueles que tem o prazer rotineiro de ir trabalhar pedalando certamente têm acesso a uma outra cidade, um mundo quase que paralelo e que se torna um pouco parte do ciclista. “Commuting”, o diário ir e vir, não se resume aos destinos, há sempre a jornada.
Mais referências (em inglês):
– Commuting
– Bicycle Commuting
Chute em um Carro
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Num momento de fúria um homem se vira contra a máquina. Por achar uma questão relevante para seus leitores o personagem humano desse fato escreve uma coluna para o jornal e sai de férias.
O pedestre é o elemento mais frágil do trânsito e por isso a legislação brasileira enfatiza que é dever de todos protege-lo. A realidade nas ruas não costuma ser assim. Rotineiramente quem domina a máquina mais pesada intimida os mais fracos.
Seja por má fé, ou simples ignorância, o motorista brasileiro em geral desconhece seu dever de proteger a vida dos demais componentes do trânsito. Cabe sempre um alerta por parte dos mais fracos. Quanto mais educado, simples e direto, mais possibilidade de se obter sucesso em difundir o respeito.
Em sua coluna mais recente, o jornalista Artur Dapieve dedicou o espaço semanal que ocupa a questão da opressão que passa o pedestre na rua e também como o trânsito pode ser um indicador de desrespeito cívico.
Vale a pena conferir.
Chutei um carro
Na esquina de Ataulfo com Rainha GuilherminaMas foi em legitima defesa. Eram 1h30m de sábado, mais ou menos, e eu e minha mulher íamos atravessar da calçada do Polis Sucos para a do Jobi. Embora estivesse vermelho para o trânsito, alguns motoristas avançavam o sinal. Apontei pra cima, olhei em frente, como costumo fazer, e botamos o pé na faixa de pedestres. Um carro branco insistiu em forçar caminho. Passou na nossa frente, ao alcance do meu pé, e chutei a lataria.
Não forte o bastante para deixar mossa, mas chutei. O motorista solitário ficou olhando para trás e pelo retrovisor, conforme prosseguia pela Ataulfo de Paiva, em busca de mais leis de trânsito para infringir. Nem sei se ele entendeu direito o que aconteceu. E, como mostrou não saber a diferença entre verde, amarelo e vermelho, é pouco provável que compreenda um código bem mais complexo, como o alfabeto latino.
O sinal estava vermelho para o trânsito, aquela esquina estava bem iluminada, e as ruas do Leblon estavam cheias de gente pelas calçadas, festejando a iminente chegada de 2007 – apesar dos agourentos ataques terroristas patrocinados pelo tráfico de drogas na véspera. Não era um cruzamento mal iluminado, ermo, ameaçador. Eu e minha mulher não usávamos toucas ninja. E, ainda assim, o motorista avançou o sinal vermelho.
Obviamente, aquela não é a única esquina desta cidade a ter o sinal vermelho avançado, aquele não é o único horário em que se avança sinal vermelho nesta cidade e aquele não é o único motorista desta cidade a avançar sinal vermelho. Daí o meu hábito de apontar para cima e olhar em frente, enquanto atravesso a rua. No máximo, já abrira os braços ou dera uns tapinhas quase amistosos na lataria do infrator, tipo “vai, animal”. Talvez o próximo estágio da neurose urbana seja carregar um taco de beisebol.
O motorista poderia estar armado, poderia ter descido do carro branco e e você poderia ter lido o meu breve obituário na edição de domingo, sim. E daí? O que isso provaria? Que é mais sábio botar o rabo entre as pernas enquanto bárbaros avançam sinais? Já notou o absurdo de termos de ensinar às crianças que não basta esperar o sinal ficar vermelho para o trânsito, mas que é preciso esperar e ver se os carros estão a fim de parar? Se nos acostumamos com uma indignidade cotidiana, nos acostumamos com todas as outras: pitbulls sem focinheira, seqüestro coletivo de aviões, ônibus incendiados.
Na nossa sociedade autocêntrica, herança maldita de Juscelino Kubitscheck, na qual a posse de um carro substitui um bom transporte público e/ou uma vida sexual saudável, o trânsito é o mínimo denominar comum da doença coletiva. Sintomático que, aqui, o pedestre tenha de deter o passo e deixar o motorista prosseguir. Afinal, vigora a lei do trânsito mais forte: é apenas uma besta contra cem ou mais cavalos-vapor. Dos países que conheço, o nosso é o único onde o carro tem sempre a preferência informal.
(Nisso, quem diria, Brasília é quase solitária exceção de respeito ao mais fraco no trânsito brasileiro. Lá, o pedestre põe o pé na faixa e os carros ou reduzem a velocidade, ou para por completo. Bem, nalguma coisa Brasília teria de não avançar o sinal…)
Outro dia, ouvi de um colega o relato de um episódio emblemático de como o trânsito simultaneamente informa e macaqueia o confronto diário entre o público e o privado no Brasil. O carro à frente do dele furou o sinal vermelho e arremeteu contra um grupo de colegiais uniformizados da rede municipal, diante do Miguel Couto. Dentro, iam papai ao volante, mamãe de carona e, no banco de trás, o filhinho do casal, com o uniforme de uma escola particular, seguro pelo cinto. Tremenda aula de sociologia.
Essa flexibilização das leis de trânsito em benefício próprio marca, talvez mais do que qualquer arcabouço institucional, a distância entre uma democracia e uma republiqueta de bananas. Do mesmo modo que a indústria automobilística da qual emergiu o presidente Lula foi a matriz escolhida por JK para o desenvolvimento pátrio, a vista grossa para a infração de trânsito que ela trouxe a reboque é a matriz do desprezo pátrio pelo Outro.
Ao sermos tolerantes com o avanço de sinal vermelho, com a fila dupla no meio da via, com o motorista que não dá nem seta (e logo) nem satisfação na hora de entrar numa rua, com o que buzina na frente do hospital, com aquele outro que estaciona com duas rodas sobre uma calçada estreita e obriga os carrinhos de bebê a contorná-lo pelo asfalto, com o jogador de futebol que disputa um pega no seu carrão importado e mata três jovens, estamos prontinhos para outras leniências, em outras esferas da vida pública.
Ora, quem não faz caixa dois, não é esse o papo?
Tudo isso, claro, é uma racionalização a posteriori da minha madrugada de fúria, que se renova enquanto escrevo. Mas sei que não chutei a lataria do carro branco apenas pelo que o seu motorista solitário de fato era: um infrator sem vergonha de desrespeitar o nosso direito de atravessar a rua na hora combinada e, em última instância, sem vergonha de ameaçar a nossa própria existência pedestre. Chutei também o que ele, sem saber, simboliza: uma nação que se reiventa como desterro a cada troca de verde por vermelho.
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Como se lê, ando estressado. Preciso sentir um pouco de saudade da minha cidade. Por isso, estou saindo de férias. Retorno à página no dia 9 de fevereiro. Até lá.
Publicado no Jornal O Globo no dia 5 de janeiro de 2007. Reproduzido com autorização do autor.
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