Bicicletas, segurança e mobilidade

Quando se discute o uso da bicicleta, a segurança é sempre identificada como questão vital.

Para incentivar e apoiar o uso da bicicleta, é preciso que a segurança e o engajamento público andem de mãos dadas.

Usar os benefícios para a saúde como argumento e gatilho para uso da bicicleta não é bom o suficiente. Ninguém pode esperar que pessoas comecem a pedalar se um nível mínimo de segurança não for alcançado. Basicamente isso significa providenciar espaço para andar de bicicleta nas áreas urbanas – o que pode ser feito de muitas maneiras diferentes.

Um boletim publicado pelo projeto Civitas Mobilis avalia a situação de segurança em quatro cidades europeias (Ljubljana, Odense, Toulouse e Veneza) e faz uma síntese das discussões havidas num workshop sobre o assunto, que traduzimos a seguir, com adaptações:

Lições aprendidas

Para reforçar a cultura de mobilidade sustentável e implantar condições mais seguras para o uso da bicicleta em áreas urbanas, as soluções propostas precisam abranger diferentes áreas de ação:

• Infraestrutura
• Regulamentos
• Consistência e equidade
• Cominação (fazer cumprir as leis)
• Educação
• Sensibilização e compreensão mútua

Especialistas apontaram que as questões de segurança devem ser focadas em:

• segurança nos cruzamentos
• segurança da bicicleta contra acidentes e crimes
• promoção da cultura de uso seguro da bicicleta
• cooperação entre ONGs e Prefeituras

De acordo com a estatística de acidentes, a segurança em cruzamentos foi identificada como o ponto mais crítico quando se anda de bicicleta. Para maior segurança, várias soluções técnicas têm sido identificadas (sinalização, vias e áreas exclusivas para bicicletas), mas cada um tem vantagens e desvantagens.

A principal solução é adotar a área de espera (“ciclocaixa”) para ciclistas entre a faixa de pedestres e os veículos motorizados. Na Dinamarca, por exemplo, uma maior segurança para os ciclistas que vão virar à esquerda no cruzamento foi obtida com faixas exclusivas paralelas à travessia de pedestres. Com faixas exclusivas em interseções adota-se uma infraestrutura que permite que o ciclista seja visto pelos condutores de automóveis e caminhões.

Em Liubliana, o maior problema de segurança são os roubos que acontecem constantemente. Uma das possíveis soluções para este problema é a introdução de chips de identificação das bicicletas. Fazer seguro é possível somente quando são usados travas e cadeados com qualidade certificada. Neste caso, a questão financeira não é o preço do chip, mas o tempo empregado pela polícia ao procurar a bicicleta roubada.

A promoção da cultura para uso seguro da bicicleta pode ser feita de várias formas, utilizando diferentes ferramentas e com foco em públicos diferentes.

Apenas projetos educativos são demorados, uma vez que levam, como no caso de Odense, de 20 a 30 anos para alcançar a mudança comportamental. A educação deve ser completada: 1) pela cominação, ou seja, forçar o cumprimento das leis, medida geralmente considerada antipática e desestimulante, mas obviamente indispensável quando mudanças rápidas são necessárias; e 2) por medidas de engenharia, fornecendo infraestrutura segura como base.

Em Odense, há 30 anos começou a política de resolver os problemas do uso da bicicleta na cidade, com ações para tornar a mobilidade por bicicleta melhor e mais segura (nova e melhor infraestrutura cicloviária) e os políticos foram envolvidos, dando apoio à bicicleta. Foi estabelecida uma boa comunicação entre a administração da cidade e os ciclistas. Em 1998 a Dinamarca adotou um novo projeto de mobilidade por bicicleta, tendo as questões de saúde como uma das principais forças motrizes. Contudo, a experiência em Odense e Louvain mostra que, em termos de educação, o mote é trabalhar com crianças.

Nas cidades pesquisadas, foram estabelecidas cooperações de vários níveis e dimensões entre ONGs e administrações públicas nas últimas décadas. Em Veneza, por exemplo, o coordenador de mobilidade por bicicleta costumava trabalhar para ONGs e tem uma abordagem mais crítica do que outros funcionários públicos, pois conhece diretamente os problemas enfrentados por quem anda de bicicleta. Em Liubliana foi instituída uma abordagem mais participativa – há 10 anos, por meio de manifestações e com propostas de eliminar pontos críticos e de haver ciclovias limpas e contínuas, ONGs começaram a informar a administração da cidade sobre os problemas críticos que os ciclistas enfrentam na cidade. Em Toulouse, várias organizações oferecem serviços de aluguel de bicicletas, desde voluntários a empresas privadas. Em Munique, juntamente com as autoridades, ONGs realizaram campanhas inovadoras na cidade, como dias sem carro, fechamento de áreas da cidade ao tráfego motorizado e atividades educativas.

Para conhecer, com mais detalhes, as medidas adotadas nas cidades citadas, leia o Boletim Mobilis nº 4 (PDF, em inglês).

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Mostrando preocupação sobre este tema, no dia 22 de julho, a Prefeitura do Rio promoveu o Painel Brasileiro de Segura Viária, como parte dos preparativos do Dia Mundial Sem Carro – 22 de setembro. Saiba mais aqui.

Medo não muda nada

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Contagem Túnel Velho

Sobre a “Cultura do Medo“, livros foram escritos, teses, mestrados doutorados. Mas ciclistas apocalípticos que pedalam em condições longe da ideal sempre acabam ouvindo a mesma pergunta:

– Mas você não tem medo?

Quem nunca ouviu essa pergunta, ou a sua variante: “Mas não é perigoso?”, que atire o primeiro pedivela. Mas não vale escrever mais um livro sobre isso. A única resposta possível é a mais óbvia:

– A percepção do medo é sempre subjetiva e quanto mais bicicletas nas ruas, mais seguro para todos.

Liberdade é um exercício cotidiano praticado individualmente. O exemplo da primeira foto que ilustra esse post é de uma imagem corriqueira no Rio de Janeiro, registrada durante uma contagem fotográfica no túnel Velho em Copacabana. Pode parecer perigoso, mas o risco real e a percepção dele ao longo dos anos é que mudou. As bicicletas continuam bem parecidas.

Por exemplo, na outra boca do túnel:

túnel Velho - 1927
Foto de Augusto Malta – via: foi um RIO que passou

Entre os mais de 80 anos que separam as duas imagens nossas cidades mudaram para pior. As bicicletas são uma das ferramentas para as mudanças positivas e para usá-las mais, o mito do medo precisa ser derrotado. Para isso não adiantam estatísticas que comprovem a acidentalidade de veículos automotores ou pedestres. Precisamos apenas de mais vida nas ruas.

Primeiro mudam os cidadãos, com o tempo muda a infraestrutura das cidades. Pedalemos!

Outra leitura:
Fear is the mind killer – Cyclelicio.us

Relacionados:
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Valores democráticos nas ruas

O direito inalienável de se desengarrafar

Uma das graves distorções que tem acometido nossos cidadãos é confundir a mobilidade individual motorizada com um direito. Ir e vir é sim um preceito constitucional. Ir e vir de carro, não.

Moema tem as condições ideais de ser um bairro modelo para uma nova São Paulo. Ruas tranquilas e largas que seguem paralelas as grandes avenidas. O compartilhamento entre veículos motorizados e bicicletas nas vias internas do bairro é uma abordagem interessante para facilitar os deslocamentos e diminuir os congestionamentos constantes.

Um plano modelo de circulação de bicicletas, desenvolvido pela TCUrbes, está sendo analizado pela Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) e uma notícia já saiu nos jornais. Da reportagem entitulada “Projeto põe ônibus e bicicleta na mesma faixa“, surgiu a polêmica em relação as futuras ciclofaixas de Moema.

A viabilidade e vantagens da bicicleta já tem sido comprovada aos domingos. Há exatamente um ano, a ciclofaixa de lazer ajudou a impulsionar o fluxo de ciclistas. Alguns aproveitam para repor energias nos restaurantes ao longo do trajeto e tem até concessionária de automóveis que oferece água para chamar a atenção dos “ciclistas-consumidores”.

Durante apenas 7 horas na semana, ciclistas já começaram a impor uma pequena revolução. Trata-se de uma transformação na circulação, mas principalmente uma melhoria na qualidade de vida dos moradores e da cidade.

Mais bicicletas circulando, também durante a semana, irão garantir a construção de uma cidade com mais qualidade de vida, com um trânsito mais amistoso. Uma cidade na qual comerciantes poderão ter mais espaço para seus produtos ao invés de lojas funcionando como ilhas de prosperidade cercadas de carros por todos os lados.

É preciso coragem dos administradores e dos técnicos de trânsito para implementarem mudanças. Mas também é preciso informar com clareza o caminho que se pretende tomar. Assim a oposição as soluções alternativas poderão ser transpostas com mais facilidade.

Foram décadas para sufocar a cidade em engarrafamentos sem fim. Serão mais alguns anos para que se construa um trânsito livre e é esse o direito inalienável pelo qual todo paulistano, de nascimento ou por adoção, deve lutar. Sem distinção de bairro ou condição social, o ir e vir é inalienável e políticas que facilitem o fluxo de pessoas em bicicleta irão beneficiar a todos.

Outras opiniões:

“Por que punir Moema com ciclovia ?”
Campanha: PUNAM O MEU BAIRRO
How bike lanes and sharrows are born in Pittsburgh

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Vinte é o suficiente

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Na Inglaterra o lema é: “20 é o bastante”. Diversas cidades tem unificado o limite de velocidade das ruas residenciais para 20 milhas por hora, o equivalente a 32 km/h. O maior benefício da unificação é a universalização do comportamento.

Motoristas que vivem em ruas mais tranquilas onde crianças podem caminhar e pedalar com segurança entendem melhor porque é bom ir devagar. A segurança viária passa a ser portanto um conceito comunitário para além de placas e sinalização não respeitada.

Violações aos limites de velocidade tem um forte componente de coerção social. A campanha “20’s Plenty” trata com extremo louvor o princípio de que as pessoas respeitam mais regras que “fazem sentido”. Afinal cada motorista tem como parâmetro a conduta em “sua rua” e passa a universalizar o comportamento cortês na “rua dos outros”.

Um grande problema da mobilidade urbana é a atitude dos condutores e para reverter comportamentos detrutivos, novas idéias são o único caminho. A universalização das Zonas 30 por trás do lema “20 é o bastante” é certamente uma abordagem que trabalha não só com a informação estática, mas principalmente com a mudança de comportamento.

No Brasil, o Rio de Janeiro já criou as suas “Zonas 30”, que teve sucesso e adesão por parte dos motoristas. Para o exemplo de Copacabana se espalhar, já fica a sugestão de slogan: 30 é bom pra gente!

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