O trânsito seguro de bicicletas

Bicicletas são veículos seguros por excelência capazes de manter velocidade graças ao esforço físico de seu condutor. Sendo essa dependência do ciclista seu maior trunfo.

É no entanto bastante comum ouvir comentários e dúvidas daqueles que por ventura ainda não pedalam quanto a segurança de se conduzir um bicicleta nas cidades. É uma pergunta difícil, que gera embaraço aos mais desatentos mas cuja resposta pode ser repetida com o mantra em relação a segurança intrínseca da bicicleta: sua limitação de velocidade de acordo com a capacidade do condutor.

Ainda assim, a segurança da bicicleta por si só, perde evidência em cidades com ruas e avenidas tomadas por veículos motorizados e altos níveis de estresse. O problema então deixa de ser a bicicleta e passa a ser o uso das ruas.

Nascida no século XIX, a bicicleta chegou ao século XXI firme, forte e capaz de desempenhar um papel que ficou esquecido em muitas cidades ao redor do mundo. O melhor meio de transporte em curtas distâncias e máquina mais eficiente jamais produzida pelo homem para a conversão de força muscular em movimento.

Para que o potencial da bicicleta seja devidamente compreendido e exercido, é preciso permitir que seus usuários desfrutem da segurança natural do veículo e essa segurança se constrói com intervenções diretas na pacificação da circulação urbana.

A lógica da velocidade motorizada em largas avenidas é um retumbante fracasso, tendo a degradação urbana e a inviabilização da circulação humana como consequências diretas. Discutir segurança dentro desse cenário tem de passar pelo debate e promoção de rotas seguras para deslocamentos humanos.

Nas cidades do século XX, foi introduzido um elemento novo, o automóvel. Para que ele pudesse circular em segurança, foi preciso confinar os pedestres nas calçadas e retirar todas as interferências das ruas. Nosso tempo é de reversão do uso do espaço urbano em favor das pessoas, e o caminho passa pela mudança do discurso em relação ao uso da bicicleta.

Para aumentar a segurança dos ciclistas

Existe uma teoria de que o aumento no número de pedestres e ciclistas está diretamente ligado à diminuição no número de ciclistas e pedestres mortos no trânsito. A princípio a idéia pode parecer contraditória, mas uma análise completa dos dados ajuda a apontar a melhor maneira de promover a segurança viária dos elementos mais frágeis no trânsito: o incentivo para que mais pessoas se desloquem à pé ou em bicicleta. É a famosa segurança na quantidade.

Muitas vezes a segurança viária é dependente de mais e mais regulamentação, com vultosos investimentos em sinalização, organização, semáforos e diversos outros dispositivos. Mais simples é facilitar e garantir o fluxo seguro de pedestres e ciclistas, pressuposto inclusive previsto e muitas vezes ignorado no artigo 24 do Código de Trânsito Brasileiro.

Diz ele:

Art. 24. Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição:

(…)

II – planejar, projetar, regulamentar e operar o trânsito de veículos, de pedestres e de animais, e promover o desenvolvimento da circulação e da segurança de ciclistas;

(…)

XVI – planejar e implantar medidas para redução da circulação de veículos e reorientação do tráfego, com o objetivo de diminuir a emissão global de poluentes;(…)

Pela quantidade de incisos desse único artigo, fica claro que a legislação mergulhar diversos meandros e orientações específicas e acaba por se perder. Fica em segundo plano o pressuposto mais básico de garantir a vida dos diferentes usuários das vias. Nas palavras de um político conservador inglês:

“Regulação demais diminui a responsabilidade individual, desincentiva a negociação interpessoal e na busca por diminuir os riscos, acaba por aumentá-los.”

Os números já estão em favor da bicicleta. No Brasil ciclistas representam são 7% dos deslocamentos e 4% dos “acidentes”, automóveis 24% dos deslocamentos e 27% dos “acidentes”, enquanto as motos representam 12,6% dos deslocamentos e 22% dos “acidentes”. A fonte desse dados é o cruzamento de dados da “Pesquisa IPEA –Mobilidade Urbana 2011” e o “Mapeamento das Mortes por Acidentes de Trânsito no Brasil – Confederação Nacional de Municipios 2009”.

No pioneiro estudo sobre segurança viária de ciclistas e que usa o termo “segurança na quantidade” de maneira pioneira a matemática é simples:

“Consideradas diversas circunstâncias, se o uso da bicicleta dobra, o risco individual de cada ciclista cai em aproximadamente 34%.”

Portanto desafiar o senso comum em relação a segurança viária é sair da bolha e ganhar as ruas. Nelas será possível entender que se há uma “guerra” no trânsito ela se resolverá com a humanização. A agressividade que hoje toma conta das ruas e afeta ciclistas, motoristas e pedestres, vitimando sempre os mais frágeis, em grande parte se deve ao desenho do espaço urbano.

As cidades ao invés de espaço de circulação somada a interação humana tornam-se versões mal adaptadas de autoestradas. A segregação viária presente em rodovias visa garantir velocidade e segurança para os veículos motorizados, ao ser aplicada no espaço urbano, essa lógica subverte o sentido das cidades e do espaço público das ruas.

Com informações do Grist:
There’s safety in numbers for cyclists
The a$#&^% biker problem: Why it’s hard to share the road

O trânsito é uma ciência humana

Paris irá testar uma nova medida para aumentar a segurança dos ciclistas que a cada dia mais se multiplicam pela cidade. Quem estiver de bicicleta não irá precisar parar em determinados cruzamentos semaforizados. Em outras palavras, na cidade luz, quem estiver de bicicleta será permitido por lei a fazer o que todo ciclista mundo afora faz, avançar o sinal vermelho em nome da própria segurança.

A medida é uma maneira de aumentar a segurança dos ciclistas, e não há nenhuma contradição na idéia. Ciclistas circulam pelas cidades em um universo próprio, fortes demais perante o pedestre, frágeis demais diante dos motorizados. Uma cidade que pensa nos ciclistas e na sua segurança precisa incorporar um pouco da lógica de circulação da bicicleta.

De acordo com as autoridades de trânsito parisiense, permitir que os ciclistas avancem no semáforo vermelho irá garantir maior fluidez para as bicicletas e evitará que se forme um grande massa de ciclistas saindo ao mesmo tempo junto com os carros.

A verdade é que, apesar do que diz a legislação de trânsito, ciclistas não gostam de sinal vermelho e em nome da própria segurança muitas vezes desrespeitam as convenções semafóricas. Dois motivos simples justificam a iniciativa, evitar a “largada” junto com os carros e também buscar pedalar em paz no quarteirão seguinte.

Dito de outra forma, um ciclista consciente ao avançar o sinal vermelho evita a ameaça de veículos motorizados arrancando em velocidade e ao mesmo tempo consegue circular um trecho depois do cruzamento sem ter que lidar com os motorizados. Tudo isso ainda mantendo o momento, isso é, maximizando a própria energia.

Uma animação explicativa, ajuda a entender a importância da conservação de movimento para o ciclista. E além disso, deixa claro que pela dinâmica da bicicleta, é perfeitamente seguro que ao invés de respeitar a indicação de parada obrigatória, como os veículos motorizados, o ciclista deve dar a preferência.

Leia mais: Pela manutenção da lei da inércia

Planejar cidades para pessoas é sair dos padrões rígidos da engenharia de tráfego que priorizam normas e métodos em detrimento da autogestão e responsabilidade dos diferentes agentes no trânsito. As regras de trânsito foram concebidas para promover e garantir a segurança das carruagens motorizadas popularizadas ao longo do século XX. Vivemos um tempo em que a prioridade urbana voltou a ser das pessoas e a iniciativa parisiense é mais uma nesse sentido.

Humanizar as ruas é priorizar os vulneráveis em detrimento dos mais fortes, é promover a interação humana no trânsito em detrimento da fé cega na sinalização. É treinar o olhar para entender as pessoas ao invés de impor o comportamento normatizador. Por mais pessoas em mais bicicletas mais vezes, de maneira mais segura.

Com informações de The City Fix – Paris to Allow Cyclists to Run Red Lights

Perdendo tempo com capacetes


O texto a seguir é tradução do artigo de Ceri Woolsgrove, publicado pela Federação dos Ciclistas Europeus – ECF, em 20/10/2011


O Ministro dos Transportes da Alemanha, Peter Ramsauer, disse que, se o índice de uso de capacete não começar a ficar acima dos 50%, ele vai pensar em instituir uma lei que torne o capacete obrigatório na Alemanha. Embora a coligação do partido FDP não concorde, ele acha que os menores devem ser obrigados a usar capacetes.

“Se a taxa de uso de capacetes, que hoje está em 9%, não aumentar significativamente para bem mais de 50% nos próximos anos, certamente temos que introduzir uma lei do capacete”, Ramsauer disse em uma entrevista em Berlim. O ministro disse que 450 ciclistas foram mortos no ano passado na Alemanha, metade deles por causa de lesões na cabeça. Ele disse que muitas dessas mortes poderiam ter sido evitadas se os ciclistas estivessem de capacete.

Infelizmente é uma estatística quase impossível de comprovar. Capacetes conseguem mesmo eliminar ferimentos fatais na cabeça naqueles que se envolvem num acidentes de verdade? Como é que capacetes protegem de carros em alta velocidade? Estes são números que não temos e realmente precisamos descobrir. Mas, até aqui, o que nós sabemos? Sabemos que os países que introduziram leis tornando o capacete obrigatório simplesmente não reduziram nem ferimentos na cabeça nem acidentes; na verdade há bons motivos para argumentar que houve um aumento de lesões na cabeça (por exemplo, o caso clássico da Austrália em 1992).

Em certo sentido, parece estranho que leis do capacete obrigatório poderiam realmente aumentar ferimentos na cabeça! Mas o que aconteceria aos 90% dos ciclistas, que não usam capacete, se forem forçados a usar um capacete? Eles ainda andariam de bicicleta? Quão seguras parecerão as ruas aos olhos de quem quer começar a andar de bicicleta, se todos forem obrigados a usar capacetes e houver bem poucos ciclistas nas ruas ao redor? É um tanto quanto intimidador para qualquer ciclista iniciante. E menos bicicletas nas ruas certamente significa menos infraestrutura, e, portanto, ruas menos seguras, pois sabemos que quanto menos ciclistas nas ruas, menos seguras elas são (o princípio da “segurança pela quantidade”). Mais igualdade, mais segurança.

Qual é o lugar mais seguro para andar de bicicleta na Europa? Aqui está a pista: eles adoram laranja, tem o maior número de ciclistas e raramente se vê um capacete. Andar de bicicleta é uma coisa normal, uma atividade diária e segura.

Uma lei obrigando uso do capacete pode parecer de baixo custo, mas é uma gambiarra, e estamos convencidos de que seria muito onerosa se adotada e colocaria na contramão tudo o que se sabe sobre segurança cicloviária. Eu juro que se passássemos todo esse tempo falando de infraestrutura para bicicletas ou características de segurança dos carros e caminhões ou educação do motorista ou planejamento urbano etc etc, do mesmo modo que gastamos tempo discutindo capacetes, poderíamos estar muito perto de eliminar mortes de ciclistas de uma vez por todas, de modo linear e generalizado.

Estamos convencidos de que uma lei do capacete obrigatório tornaria as ruas mais perigosas e com menos ciclistas. Isto é o que se ganha. Perderíamos todas as calorias a serem queimadas, todos os corações cada vez mais fortes e todas aquelas pernas fortes trabalhando para conter as emissões poluentes de nossos carros!

Por fim, uma estatística. Na Europa:
• Há 6,4 mortes de pedestres por 100 milhões de kms trafegados;
• Há 5,4 mortes de ciclistas por 100 milhões de kms trafegados

Vamos levar as coisas a sério e acabar de vez com as mortes de ciclistas. Mas é preciso lembrar que ciclistas enfrentam riscos semelhantes aos pedestres e não devemos obrigar nem um nem outro a usar equipamentos de proteção em suas atividades corriqueiras e cotidianas.