Bicicletas humanizam o patrulhamento por proximidade

BlackLivesMatter

A bicicleta é sem dúvida uma invenção fascinante e muito útil. Por suas qualidades como baixo custo, simplicidade de uso, manutenção e estacionamento; capacidade de carga etc, naturalmente se tornou um veículo de importantes contribuições para a humanidade. Ela tem grande sucesso no uso para mobilidade, esporte, lazer, saúde, trabalho. Suas diversas qualidades multiplicam a utilidade e expandem as aplicações. Assim, a bicicleta também serve à segurança seja pública ou privada. Deslocamento rápido, fácil e aumento da distância percorrida pelos agentes são algumas das virtudes para adoção do nossa querida bicicleta pela polícia, por exemplo. Seja patrulhando, perseguindo criminosos ou atuando em eventos ela é aplicada como uma ferramenta multitarefa dos policiais.
Infelizmente ela também sofre com as falhas de julgamento e desvio de conduta que muitas pessoas praticam e eventualmente é mal utilizada, seja por policiais como por bandidos que as utilizam para assaltar.

A morte de um cidadão norte americano numa ação policial nos EUA motivou protestos intensos em várias cidades americanas. E as imagens do enfrentamento de guardas e manifestantes mostraram algo que muito incomodou quem gosta de pedalar: as bicicletas foram usadas pelos agentes da lei para agredir alguns manifestantes.

Pensando além dos motivos para a reação dos policiais é preciso entender que a bicicleta é utilizada mundialmente como um veículo para o patrulhamento de proximidade. Ao tornar o patrulheiro mais acessível à população incentiva-se uma relação mútua de confiança e parceria com os cidadãos que não se consegue com o uso de veículos motorizados, usualmente mais segregadores e opressores que as bicicletas.

Por outro lado, como os demais dispositivos destinados ao “servir e proteger”, ela infelizmente também pode ser empregada para agredir e oprimir. Não porque ela tenha sido projetada para isso, mas porque em toda decisão há espaço para escolhas boas e ruins.

Com treinamento adequado a bicicleta pode ser uma aliada dos profissionais que ajudam a manter a lei e a ordem combatendo os crimes cometidos pelos bandidos. Mas em uma sociedade mundial que ainda enfrenta o desafio de aumentar a justiça social; a equidade de gênero, raça, credo e os direitos humanos universais, usar bicicletas como arma contra manifestantes é vergonhosamente explicado. Mas não justificado! As imagens dos EUA ilustram bem o erro de julgamento e de metodologia para dispersar aqueles manifestantes.

Cabe a todos multiplicar as boas práticas, reprimir e condenar o mal, sem importar quem o pratica e com qual objeto para evoluirmos como cidadãos e como sociedade. A imagem carismática da bicicleta não será maculada pela violência cometida com ela. Se houvesse um placar mundial ela certamente estaria vencendo no quesito de bom uso. Quem pedala quando pode está sempre fazendo o bem sem olhar a quem.

Forte X Frágil

1

O Código de Trânsito Brasileiro é claro: o maior deve zelar pela segurança do menor nas ruas. Esta regra, embora não esteja clara nas mentes e ações de muitos motoristas, bem como a percepção popular, tem ajudado a difundir a ideia de que ciclistas e pedestres são os componentes mais frágeis no trânsito. De fato, em caso de choque de um veículo motorizado com um destes dois o potencial de danos é grande (e agravado pelo contumaz excesso de velocidade). Mas em situações normais pedestres e ciclistas tem uma série de vantagens nas ruas das metrópoles, e até de algumas cidades médias que já padecem dos males do trânsito moderno.
Ciclistas não ficam engarrafados, portanto estão menos expostos à poluição – que faz muito mal em ambientes fechados como o de carros e ônibus presos no mar de veículos. Também estão menos sujeitos a assaltos visto que ficam menos tempo parados que os motoristas, mais suscetíveis a abordagens criminosas. Indo de bicicleta o estresse é menor, é mais fácil de estacionar (e a custo zero!), a saúde melhora e a economia de tempo, dinheiro e incomodação é enorme.
A bicicleta pode não ser a solução definitiva para o trânsito engarrafado, mas como este é cada vez mais comum e longo, torna-se uma opção por suas vantagens e por evitar a fragilidade que o automóvel impõe aos motoristas do século XXI.
Por fim, ciclistas e pedestres ajudam a humanizar o trânsito, lembrando a todos que a cidade é das pessoas e que o compartilhamento do espaço público é uma virtude da sociedade. Quando entendemos o próximo e nos respeitamos mutuamente nas ruas e calçadas, fortalecemos nossa comunidade, nossa cidade, nosso país e o mundo todo.

Saiba mais:
A exposição de ciclistas, motoristas e pedestres à poluição do trânsito.
Diferenças na exposição à poluição do ar por ciclistas e motoristas em Copenhagen.

2

Bicicletas evitando mortes por Covid-19

No atual cenário mundial de pandemia, o caos provocado na economia mundial, no cotidiano dos indivíduos e nos sistemas de saúde tem na morte das pessoas sua face mais angustiante. Ainda que o índice de mortes em relação ao número de infectados seja relativamente baixo toda vida é valiosa e zero era o único número aceitável. Infelizmente isso não aconteceu e a luta agora é para salvar vidas reduzindo ao máximo a taxa de mortalidade pela doença.
A ciência tem se dedicado a entender rapidamente todos os aspectos do vírus, algo fundamental para encontrar vacina, definir tratamentos, chegar à cura. A reação é fundamental para acelerar o enfrentamento, mas não resta dúvida que ainda teremos muitos meses de combate ao Covid-19. Cada dia, cada medida conta.
Neste sentido o uso da bicicleta pode ser uma aliada ainda mais relevante.

Estudo recente relaciona a poluição do ar a taxas de mortalidade bem mais altas em pacientes com Covid-19
Em estudo recente, pesquisadores da Escola de Saúde Pública T. H. Chan da Universidade de Harvard nos EUA cruzaram os dados de óbitos e poluição de 3080 condados daquele país e descobriram que a maior concentração do fino e perigoso material particulado conhecido como PM 2,5 estava associado às mais altas taxas de mortalidade por coronavírus.

pol4

Imagens de satélites capturadas na internet, com poluição do ar antes e durante as quarentenas. (NASA/BBCESA)

Este particulado tem origem na queima de combustíveis fósseis e nas grandes cidades o transporte motorizado é o principal responsável pela sua emissão. Piora quando se analisa que os engarrafamentos, que geram ainda mais consumo de combustível e poluição do ar ocorrem em grande parte pela baixa taxa de ocupação dos carros que entopem as ruas com um número de veículos maior do que o necessário.

Diego-Hemkemeier_G1

Imagem: Diego Hemkemeier (Bem estar – G1)   .

Pedalar salva vidas
Pedalar sempre foi um meio de deslocamento mais humanizado, por ser silencioso, emissão zero, ocupar pouco espaço, conectar as pessoas entre si e com suas cidades e por ajudar a saúde de quem pedala. Não se deve esperar que a bicicleta resolva todos os impactos ambientais e socioeconômicos da poluição urbana, mas é fato que sua contribuição sempre foi e sempre será relevante, ainda mais com o mundo em tempos de crise pandêmica.
Além de sua ajuda imediata nos deslocamentos essenciais durante a quarentena o uso da bicicleta pode ter efeito direto na redução de mortes pela doença a partir de agora, tendo em vista a provável longa duração dessa crise.
Também com isso em mente algumas cidades estão aumentando a infraestrutura cicloviária e para pedestres de modo a incentivar o uso de transportes ativos inibir os motorizados poluentes e, de quebra, aumentar o espaço para permitir que nestes deslocamentos ciclistas e pedestres possam manter distância maior entre si.
A falsa percepção de normalidade que leva muitas pessoas a retomar suas rotinas é ajudada em parte pelo trânsito de automóveis, portanto pedalar quando o deslocamento for inevitável reduzirá essa cilada social e continuará a incentivar as pessoas a ficarem em casa, medida mais eficiente para conter o avanço da epidemia.

Não custa repetir: fique em casa!
Mas se precisar sair vá de bicicleta, sempre que possível, sabendo que estará ajudando a manter a sensação de importância do estado de quarentena e reduzindo a poluição do ar para que menos pessoas padeçam de doenças respiratórias graves, entre elas a Covid-19.

IMG_8078

Leia também:
Bicilogística na pandemia do novo coronavírus
Bicicletas na Quarentena

Dublin, Velo-City e Bicicletas

VC19b
A experiência de visitar Dublin e participar da Conferência Velo-City 2019 foi única para a delegação brasileira. Ao vivenciar uma cidade européia e o evento no continente de origem todos puderam expandir seus horizontes sobre a sociedade e o uso da bicicleta como meio de transporte. De um modo geral o evento e a cidade incitaram o pensar e o refletir sobre os prós e contras de cada iniciativa pela mobilidade ativa, o que foi realmente engrandecedor.
Observamos que os cidadãos de Dublin usam muito a bicicleta, seja a própria ou dos dois sistemas de aluguel. Moradores e turistas encaram o uso da bicicleta no cotidiano com facilidade, embora nem toda a infraestrutura cicloviária seja ideal, algo que a cidade está buscando nos últimos 10 anos com mais força, mas que ainda encontra resistência por conta da sólida cultura de uso de veículo motorizado particular como meio de transporte.
VC19a
 .
A Conferência foi bem organizada, mas como todo grande acontecimento com dezenas de palestrantes/debatedores e 1400 participantes alguns detalhes prejudicaram o pleno aproveitamento das atividades, que eram muitas, talvez em excesso. Decidir qual sessão ou atividade paralela para prestigiar era difícil e por vezes surgia o sentimento de arrependimento de uma escolha em detrimento de outra. As visitas técnicas ocorreram ao mesmo tempo que as sessões e não tinham vagas nem para 20% dos inscritos. O espaço da feira de exposição teve temática pouco diversificada sendo a maior parte dos expositores ligados às bicicletas elétricas e à tecnologia, mas foi o melhor local para intercâmbio de contatos e experiências.
 .
O saldo geral é muito positivo, com muitos especialistas, pesquisadores e ativistas ajudando os delegados da conferência a compreenderem melhor o passado, o presente e o possível futuro para o uso da bicicleta como transporte de pessoas e de carga. De um modo geral ficou evidente que não há uma fórmula mágica, válida para qualquer cidade, nem tão pouco a Europa é um paraíso para o uso da bicicleta. Mesmo na Holanda ou Dinamarca, consensualmente países excelentes para a bicicleta há desafios imensos e que se renovam de tempos em tempos. Em várias sessões ficou claro que é necessário ter dados de qualidade, estudos científicos, ativismo, mas principalmente coerência para cobrar, investir e construir com sabedoria, sempre reavaliando qualquer iniciativa com frequência.
 .
VC19c
Os brasileiros que foram a Velo-City também aproveitaram muito os contatos, plenárias, sessões e pedaladas pela cidade. Em vários momentos os brasileiros foram vistos participando dessa semana de imersão com muito anseio por absorver e trocar o quanto fosse possível, mesmo para aqueles que não dominavam a língua inglesa. Não houve reclamações sobre o evento, a cidade ou mesmo por eventuais imprevistos e contratempos. Havia uma clara intenção de usufruir ao máximo a experiência, especialmente dos novatos na Conferência. Nas conversas em grupo ficou bem evidente que a semana em Dublin superou as expectativas da turma.
.
 .

Minha cidade, minha casa

7

Aglomerar pessoas em espaços limitados, sem qualquer tipo de problema ou conflito, é um enorme desafio. Desde que a
humanidade deixou o modo de vida errante, para viver em comunidades com
residências fixas, a percepção de que o coletivo precisa funcionar para manter a qualidade da vida privada foi afetada.  Hoje, a maior parte
da população mundial vive em ambientes urbanos e muitos se tornaram
grandes, imensos. A vida nas cidades tem um ritmo muitas vezes frenético e, nesse contexto, questões do cotidiano, que poderiam ser facilmente resolvidas, vão se acumulando e causando transtorno a toda população. Como a remoção de um poste de sinalização de uma calçada, que aparentemente pode ser algo irrelevante, mas que se não for feita com a devida atenção, pode deixar resíduos ou pedaços de estrutura, capazes de causar ferimentos graves a quem passar distraído pelo local.

0

1

2

3

As administrações municipais usam impostos e outras fontes de recursos para prover os cidadãos as condições de vida nas cidades. Claro que é tarefa muito complicada, mas mesmo assim isso não exime prefeituras de responsabilidades e justas cobranças por cumprir seu papel. E mesmo quando executam as obras, consertos e manutenção preventiva  necessárias muitas falhas acontecem. A maioria dos cidadãos que identifica uma dessas falhas costuma reclamar para os outros ou nem isso, raramente para a prefeitura, mas de um modo geral a idéia é de que alguém é pago para manter a cidade em ordem. Sim, é verdade e como as ruas podem (e deveriam) ser entendidas como uma extensão de nossas casas cabe também uma ação individual ou coletiva para cuidar desse espaço público que não tem um dono, mas tem usuários.

4

5

16

Claro que graves problemas como o rompimento de uma tubulação de água/esgoto, vazamento de gás, afundamento de calçada estão distantes da ação popular, mas um pequeno conserto pode ajudar muitos a custo zero e sem gastar tanto tempo. E de fato nos aproxima da rua como espaço público de uso coletivo, ajudando a perceber o seu valor para si e para os outros. Quem ama cuida e isso não significa tomar para si a responsabilidade da prefeitura, mas ajudar ao próximo participando da cidade mais como um protagonista que como um coadjuvante. O espaço público é de todos mas ninguém é proprietário.

8

Sabe lá quantas pessoas já se machucaram nessa ponta de poste exposta ou quantas deixaram de se machucar depois que foi rapidamente amassada com uma simples marreta? Muitas ou poucas não importa. O que importa é que a cidade é nossa e podemos cuidar dela como se fôssemos seus donos legítimos.