por mais pessoas em mais bicicletas mais vezes | Mobilidade Urbana e por Bicicletas | Qualidade de Vida | Educação Cicloviária | Transporte Sustentável
Uma agência de comunicação em Nova Iorque conduziu um experimento curioso durante o ano de 2011, prenderam uma bicicleta toda equipada em um bicicletário ao ar livre no bairro do SoHo. Depois, uma foto por dia que mostraram o lento desaparecimento da bicicleta.
Uma imagem bonita e triste, mas que ilustra a bicicleta parada e seu valor maior, o potencial de movimento e de uso. As peças dispersas alimentaram o comércio de peças roubadas, ainda que de valor muito baixo. Mas o vídeo faz lembrar daquela bicicleta parada, que só acumula poeira e poderia servir ao nobre propósito de circulação.
Vale nos mirarmos no que é bonito do vídeo e devolver a circulação uma bicicleta ou peças paradas.
Por conta das qualidades da bicicleta, ciclistas sentem uma certa superioridade em relação aos outros meios de transporte. Essa distorção é apenas aceitável por vivermos em uma sociedade que ainda precisa reconhecer os benefícios universais da bicicleta e implementar de maneira consistente medidas de valorização do ciclista. Por aceitável, entenda-se que precisa ser revertida.
O ciclista urbano, aquele que escolheu a bicicleta por opção, precisa deixar de ser um iluminado membro de uma seita secreta que se veste de lycra ou prefere o cycle chic. A bicicleta já é conhecida pelo seu potencial, mas quem busca promove-la ainda tem um longo caminho a percorrer na formatação do discurso.
O vídeo que ilustra esse post é claramente uma piada, mas esconde uma faceta que prejudica o reconhecimento da bicicleta como instrumento fundamental para a readequação urbana. Ciclovias, pogovias, carrovias, ferrovias, vias de pedestres, corredores de ônibus, ringues de patinação, pistas de skate. Qualquer um desses elementos só faz sentido quando se costura no tecido urbano.
Dentro dessa lógica, uma cidade saudável tem dois elementos principais o espaço de circulação e o de permanência, sendo que esses dois elementos se dividem entre públicos e privados. Ruas e calçadas são espaços públicos de circulação, um estacionamento de um hipermercado é um espaço privado de circulação. Uma praça é local de permanência (ou visitação) pública, um centro de compras é um equivalente privado.
Tornar nossas cidades melhores é pensar além dos espaços segregados, é compartilhar as ruas, criar espaços agradáveis para permanência, pensar nas necessidades humanas acima de todas as outras. O conceito é bastante simples ainda que possa parecer de difícil implementação. A realidade é que por meios dos incentivos certos os primeiros passos podem ser dados.
Trazer pessoas para circular nas ruas é fundamental e para isso é preciso que o espaço de circulação humana seja seguro e agradável. Infraestrutura adequada implica em mais pessoas que optam por ir à pé, de bicicleta, patins, skate, pogobol, etc. Serão essas pessoas que ao mesmo tempo irão requalificar o espaço e atacar o que hoje costuma ser um dos impedimentos para a circulação em meios de transporte ativos, o excesso de tráfego motorizado.
Incentivar pessoas a percorrerem distâncias curtas em meios de transporte ativos vai além da infraestrutura de circulação, é preciso pensar o zoneamento urbano e incentivar a proximidade entre locais de moradia, trabalho e lazer. Ainda assim, nem todos poderão resolver todas as suas necessidades dentro do seu próprio bairro. E para integrar os diferentes microcosmos urbanos é preciso transporte público que seja rápido, fácil e integrado. Afinal pegar três ônibus lotados logo cedo, ficar parado no trânsito e demorar horas para cruzar a cidade é o maior incentivo ao transporte individual motorizado que nossas cidades oferecem hoje.
O caminho é longo, mas através de opções individuais inteligentes pelo meio de transporte mais adequado para cada percurso e pressão junto ao poder público para melhorias na infraestrutura de circulação humana e do transporte público estaremos no caminho certo para cidades melhores.
As cidades respiram arte, e pela soma de diversidades humanas, produzem cultura. Uma reportagem da Folha de São Paulo, focada na rivalidade artística entre cariocas e paulistanos, indiretamente fala sobre os impactos da atmosfera urbana na produção artística.
O Rio de Janeiro é a cidade do informal, da produção que visa mais que o lucro financeiro. São Paulo é onde está o dinheiro de grandes galerias, colecionadores e o mercado. Até que ponto esse clichês são verdadeiros é algo a ser debatido.
No entanto, um detalhe na foto que ilustra a matéria chama atenção de qualquer ciclista, a presença da bicicleta como acessório do artista. E a partir daí é possível mergulhar naquela que é uma grande riqueza carioca, seus espaços públicos.
Além de riqueza e belezas naturais, desde os tempos de João do Rio, os cariocas produzem reflexões sobre a tal Alma Encantadora das Ruas. Não é só a exuberância das praias e dos maciços rochosos que vem a inspiração carioca, mas da fluidez de encontros, conflitos e convívios somente possível nas ruas. Nas esquinas com seus botecos, nas ladeiras de Santa Teresa, sob os Arcos da Lapa ou em uma lanchonete em Copacabana.
O carioca é das ruas e por isso a bicicleta é o veiculo perfeito para quem produz sua arte na Cidade Maravilhosa. Quem pedala pode flanar sem rumo, ou voar rumo ao um destino certo, basta escolher.
As contagens de bicicletas continuam, desta vez estacionadas. Com o aumento de bicicletas circulando, aumenta a necessidade de locais para estacioná-las.
Para ter uma idéia de quantas são e onde instalar bicicletários, a Transporte Ativo foi a campo, com patrocínio do Banco Itaú, para contar as bicicletas estacionadas no principal corredor comercial de Leblon, Ipanema e Copacabana, bairros com o trânsito já bastante comprometido e com um volume de uso de bicicletas que vem crescendo a cada dia.
Algumas medidas para facilitar o estacionamento de bicicletas já vem sendo tomadas, na cidade do Rio de Janeiro, como a resolução SMAC 438 para pedidos de bicicletarios e o decreto 34481 que libera o estacionamento de bicicletas em postes. Mas ainda há muito a ser feito e esta contagem é apenas mais um passo nesta busca por estacionamentos práticos e seguros para nossas bicicletas.
Museu do Ipiranga – São Paulo – Foto: João Lacerda
Uma das belezas da arquitetura é justamente a incerteza do seu uso. Espaços públicos de qualidade contém sempre o imprevisto, o erro, a arte que não antecipada e que só se faz pelo uso.
Há, no entanto, uma certa tendência a desumanizar os espaços para restringir usos e “ordenar” fluxos e comportamentos, nada mais empobrecedor. Em São Paulo andar de skate já chegou até a ser proibido, afinal ia contra a ordem estabelecida. Mas a proibição deu brecha para o debate e acabou por fim contribuindo para a profissionalização do skate como esporte.
Mas permanece a pergunta sobre o que é mais valioso para uma cidade, espaços públicos herméticos e que aos poucos acabam tomados pelos “indesejados”, ou espaços públicos de qualidade com vidas que circulam, brincam e usufruem da cidade.
A resposta parece bastante clara, mas o vídeo que inspirou esse post traz mais elementos para se refletir sobre a idéia de “arquitetura vs. skate”. Em Auckland, cidade mais importante da Nova Zelândia, o embate está definido entre a vontade e necessidade do poder público de conter o ímpeto dos skatistas e tendência dos skatistas de subverter os usos do mobiliário urbano.
Ao mesmo tempo em que faz adaptações anti-skate nos locais perfeitos para um grind, a administração municipal de Auckland investe na construção de “skate parks”, infraestrutura segregada planejada para a prática do skate. O que a princípio soa interessante, é na verdade uma miopia em relação aos desejos reais da comunidade das rodinhas.
O skatista está sempre em busca de novos locais para realizar manobras em busca de desafios. Ter um parque é bom para novos adeptos, mas é na dificuldade de pular uma nova escadaria ou em voar por um corrimão inexplorado que reside o desafio.
Manobras radicais em grandes obras arquitetônicas podem parecer uma grande heresia, contribuindo para o desgaste prematuro da infraestrutura. Mas a realidade é que uma cidade precisa ser adequada para o uso democrático do espaço. Pensar em maneiras de integrar diversos usos é sempre mais eficiente do que segregar cada grupo social, ou tribo, em sua caixinha.