O direito inalienável de se desengarrafar

Uma das graves distorções que tem acometido nossos cidadãos é confundir a mobilidade individual motorizada com um direito. Ir e vir é sim um preceito constitucional. Ir e vir de carro, não.

Moema tem as condições ideais de ser um bairro modelo para uma nova São Paulo. Ruas tranquilas e largas que seguem paralelas as grandes avenidas. O compartilhamento entre veículos motorizados e bicicletas nas vias internas do bairro é uma abordagem interessante para facilitar os deslocamentos e diminuir os congestionamentos constantes.

Um plano modelo de circulação de bicicletas, desenvolvido pela TCUrbes, está sendo analizado pela Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) e uma notícia já saiu nos jornais. Da reportagem entitulada “Projeto põe ônibus e bicicleta na mesma faixa“, surgiu a polêmica em relação as futuras ciclofaixas de Moema.

A viabilidade e vantagens da bicicleta já tem sido comprovada aos domingos. Há exatamente um ano, a ciclofaixa de lazer ajudou a impulsionar o fluxo de ciclistas. Alguns aproveitam para repor energias nos restaurantes ao longo do trajeto e tem até concessionária de automóveis que oferece água para chamar a atenção dos “ciclistas-consumidores”.

Durante apenas 7 horas na semana, ciclistas já começaram a impor uma pequena revolução. Trata-se de uma transformação na circulação, mas principalmente uma melhoria na qualidade de vida dos moradores e da cidade.

Mais bicicletas circulando, também durante a semana, irão garantir a construção de uma cidade com mais qualidade de vida, com um trânsito mais amistoso. Uma cidade na qual comerciantes poderão ter mais espaço para seus produtos ao invés de lojas funcionando como ilhas de prosperidade cercadas de carros por todos os lados.

É preciso coragem dos administradores e dos técnicos de trânsito para implementarem mudanças. Mas também é preciso informar com clareza o caminho que se pretende tomar. Assim a oposição as soluções alternativas poderão ser transpostas com mais facilidade.

Foram décadas para sufocar a cidade em engarrafamentos sem fim. Serão mais alguns anos para que se construa um trânsito livre e é esse o direito inalienável pelo qual todo paulistano, de nascimento ou por adoção, deve lutar. Sem distinção de bairro ou condição social, o ir e vir é inalienável e políticas que facilitem o fluxo de pessoas em bicicleta irão beneficiar a todos.

Outras opiniões:

“Por que punir Moema com ciclovia ?”
Campanha: PUNAM O MEU BAIRRO
How bike lanes and sharrows are born in Pittsburgh

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Mais espaço para a circulação
Uma Solução Pronta
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Maneiras de encararar um problema

A segurança é sempre uma preocupação constante das pessoas, mas trata-se de um conceito complexo e difícil de ser medido. Uma “sensação” não tem escala definida nem números que possam comprovar sua eficácia, é apenas uma percepção difusa que muda dependendo do contexto.

No trânsito, segurança é ainda mais complexo e muitas vezes pode-se optar em proteger o touro que circula na loja de cristais ao invés de domá-lo. Circula na internet um vídeo que é a exemplificação de como não proceder para salvar vidas e reduzir danos no trânsito.

Trata-se de mais uma maneira cara e ineficiente que profissionais de design buscam “revolucionar a bicicleta”. Os exemplos são inesgotáveis e alguns são mais divertidos, outros menos.

O revolucionário sistema de cobrir a cabeça de um ciclista com um bóia inflável é exatamente como deixar livre o touro da loja de cristais e envolver todos os produtos em metros de plástico bolha. Solucionar o problema é acessá-lo por um caminho totalmente distinto.

Dispositivos de segurança passiva em automóveis são úteis e benéficos nas pistas de corrida. Nas ruas tendem a induzir excessos dos motoristas e aumentar os danos e custos sociais do trânsito por incentivarem a imprudência.

Por hora, melhor usar o capacete bóia para flutuar depois dos saltos no lago do post anterior.

Relacionados:
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Em favor das reduções de velocidade

Todo poder às bicicletas

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Todo poder às bicicletas, é título de nota na coluna Negócios & Cia do caderno de economia do jornal O Globo de hoje.

O programa “Rio – O Estado da Bicicleta” inicia amanhã um seminário com municípios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, cujo objetivo é debater o uso da bicicleta e a implantação de sistemas cicloviários em diferentes municípios e suas conexões.

Esta é a primeira atividade do consórcio formado pela brasileira Logit, a americana ITDP e a canadense IBI Group, que foi vencedor da licitação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), para a elaboração de um Plano Diretor Cicloviário para o estado do Rio e de 27 Municípios envolvidos.

A Transporte Ativo estará presente com uma palestra de sensibilização, na qual também serão apresentados exemplos de boas práticas no Brasil.

A pequena grande festa das ruas

O Natal é importante principalmente por ser algo que acontece ao redor do mundo, ao mesmo tempo e com o mesmo pensamento em comum. A data ganha um significado ainda maior pela comunhão cristã ao redor do mundo. De maneira análoga, o Dia Mundial sem Carro torna-se a cada ano um ponto de inflexão no calendário. É hora de lançar campanhas de incentivo, de educação, projetos pilotos e principalmente aumentar o burburinho em torno da necessidade de revermos a mobilidade urbana ao redor do mundo.

Mas uma festa torna-se grande e universal com encontros, com conversas na praça, com ciclistas que experimentam pedalar ao trabalho para fazer parte da festa.

Apesar disso, é comum circular a opinião de que houve “baixa adesão”. E a hora dos factóides, com autoridades fotografadas no transporte público ou em cima de uma bicicleta. Tudo vale para a festa, mas o que mais conta são os resultados para além do dia 22 de setembro.

Seja como for, com novatos, festa e factóides, o Dia Mundial sem Carro é mais uma oportunidade em que a bicicleta se mostra como um excelente instrumento de democracia franca. Maneira de conhecer gentes dispares que se respeitam na diferença.

Até ano que vem, com mais bicicletas, pedestres e transporte público. Um dia de cada vez.

Saiba mais:

22 de setembro no blog.
Dia sem carro no Rio, site oficial
Dia Sem Carro no Rio tem 105 mil viagens a menos em automóveis (G1)
DMSC 2010 na Bicicletada-SP

Valores democráticos nas ruas

As ruas são o espaço público por excelência, onde todos tem de circular. Já foi dito que a largura das calçadas são a medida da democracia de uma cidade. Afinal todos são pedestres, podendo transitoriamente estar de bicicleta, no transporte público ou dentro de um automóvel particular. Curioso no entanto como a mobilidade é arena para debates em que a propriedade particular é posta acima de interesses públicos.

Vale traduzir para a realidade das ruas três principíos democráticos fundamentais:

– Liberdade de expressão
– Alternância de poder
– Pluraridade

As ruas devem poder garantir a todos que se manifestem livremente, falar o que pensam e ouvir a opinião dos outros em medo de represálias. Nas ruas isso implica que os meios de transporte maiores devem zelar pela segurança dos menores e todos pelo pedestre. Tal princípio já está previsto no CTB, vitória para a democracia.

Quando o mais forte tem o monopólio do uso da força sem alternância de poder, uma sociedade se engessa e não progride. Alternância de poder é adequar que diferentes fluxos tenham garantido o acesso seguro as vias. Em que cada um a seu tempo e respeitando a presença do outro, todos possam utilizar as ruas.

Cidades plurais são sempre melhores. Cidades onde existe uma enorme quantidade de opções de transporte e em que a escolha depende de cada um. O transporte individual, seja bicicleta, motocicleta ou automóvel, tem vantagens em relação ao transporte público, mas não podem orientar políticas públicas de mobilidade urbana.

Meios de transporte público diversificados e que sejam uma alternativa eficaz ao transporte individual são a melhor maneira de garantir que os cidadãos possam escolher a maneira como irão se deslocar. E que uma divisão heterogênea entre os diferentes modais seja possível.

Todos os princípios democráticos aplicáveis as ruas já estão previstos em lei. No entanto, a realidade prática ainda não contempla uma democracia efetiva. As pressões para adequar as cidades aos meios de transporte individuais e motorizados ainda seguem com um grande poder de influência. No entanto essa distorção histórica está também no curso de ser corrigida.

Para que as ruas possam efetivamente ser um espaço para todos. Independente da classe social, credo, ou meio de transporte escolhido.