Bó de bike, Salvadô?!

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Possiblidades e impossibildiade de um plano cicloviário na barroquíssima Capital da Diáspora

*Lucas Jerzy Portela

Tendo iniciado o uso de transporte cicloviário na cinquecentenária cidade de São Salvador da Bahia de Todos os Santos, este blog Transporte Ativo me pediu duas ou três palavras a respeito. O pedido partiu de uma pergunta feita no twitter: “há cicloativistas em Salvador?”. Ao que respondi: “Há, mas não no sentido de promovê-la como meio de transporte cotidiano, ou de integrar a bicicleta a outros meios de transporte como ônibus e elevadores urbanos – o que não quer dizer que não existam usuários de bicicleta como principal meio de transporte urbano diário”.

Pedir para que eu escreva sobre bicicletas em Salvador implica em duas peculiaridades. A primeira, em relação a mim: vindo da psicanálise, não posso pensar qualquer relação fora da pulsionalidade – isto é, dessa coisa que é possível e impossível ao mesmo tempo. A segunda, em relação ao objeto, à cidade em questão: sem dúvida, talvez seja a capital potencialmente menos ciclística do mundo! Mas não quer dizer que não possa haver transporte cicloviário aqui – uma impossibilidade não é, do ponto de vista de um psicanalista, uma impotência (assim o é para os neuróticos).

Em psicanálise se diz que, por causa das consequências psíquicas das diferenças anatômicas entre os sexos, não existe relação sexual: ela é impossível. No entanto as pessoas transam e se divertem – é onde está a relação possível (embora sempre falhada) entre os sexos. Penso que a relação dos citadinos com uma cidade se dá na mesma lógica: por causa da anatomia (geográfica) será sempre uma relação insatisfatória – e, por causa de sua historicidade, se pode gozar dela com certa felicidade.

No entanto, assim como a impossibilidade sexual não se coloca da mesma forma pra duas ou mais pessoas (cada um tem seu modo de fazer falhar o sexo), a impossibilidade que é a vivida em grandes aglomerados urbanos não é igual pra duas ou mais cidades. Assim como não se goza da mesma forma de duas cidades diferentes. De tal modo, a impossibilidade do uso de bicicleta em Salvador não é maior do que em outros lugares – é apenas de outra ordem.

* Lucas Jerzy Portela é psicólogo, mantem o blog de crítica cultural O Último Baile dos Guermantes e é ex-namorado de arquiteto – o que acaba por ser um atributo importante para um cicloativista newbie.

Ferramentas Urbanas

Cidades são construções humanas ao longo dos anos e que apesar do asfalto e concreto inertes, são dotadas de vida. E a vida urbana emana naturalmente dos habitantes. Apesar disso, o Planejamento Urbano ao longo do século XX buscou adequar espaços historicamente construídos para as pessoas a um novo elemento: A carruagem movida por um motor a explosão.

A máquina popularizada por Henry Ford pouco mudou desde 1908, mas as cidades ao redor do mundo sofreram enormes mudanças. Um complexo conjunto de peças desenhadas para transformar energia em movimento foi responsável por redesenhar as cidades ao longo de um século. E hoje um dispositivo que foi feito para ajudar as pessoas a se locomoverem, tem sido capaz de imobilizar cidades inteiras.

A bicicleta é filha da mesma revolução industrial que deu origem ao automóvel, ela também se beneficiou do modelo de produção fordista em larga escala. Mas um trunfo fundamental diferencia a bicicleta, ela converte energia humana em movimento. Trata-se de um incrível dispositivo acelerador de seres humanos. Metade do consumo de energia e 4 vezes mais veloz do que o primordial ato de caminhar.

O planejamento urbano do século XXI vem sendo construído desde os anos de 1970 na Europa. Cidades como Amsterdam e Copenhague foram pioneiras ao vislumbrar a impossibilidade de cidades pensadas para a circulação viária de automóveis. Não é concidência que a bicicleta tenha tanta importância nessas capitais. Essas máquinas simples e eficientes ao mesmo tempo colaboram na tarefa de levar pessoas de um lado a outro sem nunca deixar de lado a energia mais importante para a vida urbana.

Outra Boa Onda em Copacabana

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O bairro mais famoso do Brasil continua sendo cada dia mais ciclável. Em tempo recorde a prefeitura deu mais uma pedalada na revolução em curso na mobilidade do bairro, vitrine do país para o mundo. Foram implantados emblemáticos 1200 metros em uma ciclofaixa de mão dupla em toda a extensão da rua Xavier da Silveira. A medida tornou mais fácil e seguro o acesso desde a ciclovia da orla até a estação Cantagalo do Metrô com seus bicicletários internos, externos e bicicletas públicas.

Copacabana tem mais de 150 mil moradores e uma população flutuante que mal cabe nas calçadas. A densidade de serviços e residências cria um ambiente perfeito para o uso da bicicleta que cresce naturalmente. Em nome da qualidade de vida do bairro nada melhor do que investir no único modal de transporte individual possível para a região.

Ir e vir dentro de Copacabana está cada dia melhor para quem usa a bicicleta, mas outras ondas estão a caminho e trarão mais boas novidades. Para entender a revolução em curso vale ler o post “Melhor a Cada Por do Sol“.
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Grande Fluxo, Baixo Impacto

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As contagens fotográficas feitas pela Transporte Ativo visam acima de tudo dar visibilidade as bicicletas. Durante as tradicionais 12 horas em fotos, estivemos agora na esquina das Ruas Figueiredo de Magalhães e Avenida Nossa Senhora de Copacabana. Muitas bicicletas eram esperadas e muita gente pedalou por lá. Exatamente 1420 ciclistas computados em uma média de 118 por hora.

Os cliques foram constantes, mas a surpresa maior ficou na comparação com os dados da CET-Rio para o número de deslocamentos em automóvel.

No pico da manhã (para os automóveis) (de 8 às 9 horas)
– pessoas se deslocando por automóvel (considerando 1,4 pessoa por automóvel): 1364
– por bicicleta: 72
– relação ciclistas / automobilistas : 5%

No pico da tarde (para as bicicletas) (17 às 18 horas):
– pessoas se deslocando por automóvel (considerando 1,4 pessoa por automóvel): 1552
– por bicicleta: 192
– relação ciclistas / automobilistas :12%

Ficou muito claro o potencial para o uso da bicicleta. São duas ruas muito movimentadas com trânsito pesado de ônibus e automóveis e sem qualquer tratamento cicloviário. Mas a infraestrutura para as bicicletas está a caminho e 3 meses depois de sua instalação a Transporte Ativo estará de volta, máquinas fotográficas em punho.

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Mais:
– Leia o relatório da Contagem na Figueiredo. (PDF)
– Albúm de fotos.
– Conheça outras contagens fotográficas de ciclistas.

Arte e Planejamento Cicloviário

A rua Clinton em Portland já é uma famosa rota ciclística na cidade mais ciclável dos Estados Unidos. Segundo contagem da própria agência de trânsito (PDOT) foram 1.800 bicicletas e 2.600 veículos motorizados em um único cruzamento durante um dia em 2007. Mas as condições podem ser melhoradas e serão.

Para contribuir pela “sensação de segurança” o PDOT resolveu reunir a comunidade ciclística da cidade para pensar soluções. A idéia é resolver alguns dos problemas: a quantidade e velocidade do fluxo motorizado, cruzamentos perigosos, falta de sinalização para os motoristas indicando tratar-se de um “cicloboulervard”

Com o Projeto de Melhorias da Rua Clinton, o PDOT está buscando algo novo. Eles irão trabalhar com um time de artistas locais para criar “ferramentas de comunicação poderosas e criativas que informem ao motorista que ele está em um cicloboulevard”.

Promover o uso da bicicleta e a mobilidade sustentável em geral não é um modelo que se compra, é um solução em eterna adaptação e melhora. Planejar a cidade é repensá-la e readequá-la diariamente em um ciclo incessante. Cidades para a bicicleta são como a própria bicicleta, não se pode parar nunca, ou caímos.

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Via:bikeportland.org