Ciclistas, quase Pedestres

Os legisladores que escreveram o Código de Trânsito (Lei 9.503/97) foram muito lúcidos quando estabeleceram que “o ciclista desmontado empurrando a bicicleta equipara-se ao pedestre em direitos e deveres” (Art. 68, § 1º).

A simples aplicação desta regra seria solução para diversos problemas de política cicloviária. Como exemplo, leis estaduais ou normas internas que proíbem o transporte de bicicletas em trens e metrôs estão em claro conflito com o Código de Trânsito.

Mais do que uma questão legal, o artigo revela o que todo ciclista sabe: em termos de mobilidade e liberdade da escolha de caminhos, a bicicleta está mais perto do pedestre que dos automóveis.

Se o planejamento urbano priorizasse o pedestre, os ciclistas também sairiam ganhando. Não se pode planejar para pedestres sem redução da velocidade dos carros e da limitação do seu fluxo. Estas medidas também são as mesmas que favorecem os ciclistas.

A Mobility eMagazine, edição outubro/dezembro 2009, publicou material produzido pela Arup Consulting Engineer, que sintetiza os primeiros passos necessários no planejamento urbano para pedestres e ciclistas.

A Transporte Ativo traduziu o check-list e o deixou disponível na biblioteca TA, para livre consulta. Confira aqui.

Fatores Objetivos para Construção de Ciclovias

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A relação entre velocidade dos automóveis e intensidade do tráfego é decisiva para determinar que infraestrutra se deve adotar para as bicicletas.

Uma avaliação criteriosa pode indicar se as condições atuais precisam sofrer pequenas modificações para que os ciclistas compartilhem a rua com automóveis, ou se uma ciclovia precisa ser implantada. Reduzir a velocidade dos veículos e o volume de tráfego são elementos mais importantes no planejamento de rotas para ciclistas.

Medir o fluxo e a velocidade dos automóveis é a primeira etapa na avaliação da necessidade de segregação, e deve ser complementada por um estudo mais amplo dos fatores locais.

A Transporte Ativo disponibiliza agora, em português, este gráfico clássico, apresentado pela primeira vez no documento “Sign Up for the Bike” editado pela CROW, na Holanda, em 1993.

A primeira vista, pode parecer complicado, mas é bastante simples, nossas vias precisam ter menos pontos vermelhos, com alta velocidade e/ou fluxo de motorizados, e manter-se mais dentro da parte azul clara do gráfico onde é seguro que ciclistas e motorizados compartilharem a via. Nas situações intermediárias de quantidade e velocidade dos motorizados, uma ciclofaixa pode ajudar.

Baixe o PDF aqui.

Um Número Mágico

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A velocidade média do trânsito motorizado nas grandes cidades diminui a olhos vistos. Trata-se de uma excelente oportunidade para promover a segurança viária e ao mesmo tempo colaborar para a fluidez de pessoas e veículos. Reduzir a velocidade máxima permitida é o caminho mais fácil. Velocidades menores geram menos colisões e também possibilitam compartilhar de maneira mais eficiente a via entre os diferentes modos de transporte. Além disso, velocidades máximas mais baixas implicam em menos acelerações e desacelerações bruscas o que também facilita a fluidez dos motorizados.

O código de trânsito brasileiro (CTB) estabelece que nas vias arteriais a velocidade média permitida deverá ser de 60km/h e nas coletoras de 40km/h. Além disso, diz também que esses limites poderão ser alterados pelo orgão ou entidade com circunscrição sobre a via. Um levantamento da CET-SP do começo da década de 1990 mediu as médias de velocidade em um eixo de vias coletoras e arteriais. Nas coletoras a média mais alta foi de 28,1 km/h em situação de “trânsito livre” e nas arteriais em situação análoga mediu-se 35,3 km/h. Naturalmente a média dos dias de semana em “mês útil” são bastante inferiores e melhoram um pouco durante as férias escolares.

A discrepância entre as máximas permitidas e as médias reais é enorme e comprova a tese de que limites mais baixos não irão alterar em nada a realidade dos deslocamentos. O jornal O Globo por conta da implementação das Zona 30 em Copacabana percorreu de carro as ruas que teriam o limite de velocidade reduzido e constatou que a nova máxima era compatível com a média alcançada. Trata-se de um outro elemento de promoção a segurança viária já que a proximidade entre a máxima permitida e a velocidade de deslocamento acaba por incentivar o motorista a respeitar o limite.

Inúmeras ruas e avenidas Brasil afora teriam muito a ganhar com um limite de velocidade reduzido. Uma maneira simples e efetiva de promover a segurança viária para todos e ao mesmo tempo garantir que os mais frágeis sejam expostos a menos riscos.

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Mais:

Variação da Velocidade Média no Trânsito de São Paulo – CET
CTB – CAPÍTULO III – DAS NORMAS GERAIS DE CIRCULAÇÃO E CONDUTA
Velocidade média dos carros em SP cai em um ano

Vida, Liberdade e a Busca pela Felicidade

O título deste post é a tradução de um dos mais famosos trechos da Declaração de Independência dos Estados Unidos da América. Essa simples frase é repetida como um pequeno mantra ético do país e foi reescrita no streetsblog para se adequar a uma nova lógica em nascimento nos EUA e ao redor do mundo. Cidades cada vez mais adotam o lema da “Vida, Liberdade e Busca pelo Espaço Público“.

O século XX do automóvel redistribuiu o espaço urbano e fez das ruas local de fluxo. A perda de qualidade de vida salta aos olhos e está sendo revista. Urbanóides mundo afora já promovem a mudança de percepção que irá construir as cidades do futuro. Um espaço onde o mais importante seja a vida, a liberdade e a busca pela felicidade.

Enquanto isso, ao ver um gatinho na rua, grite!

“Scream With Me” // PeaPod Pilot from Nate Byerley on Vimeo.

Desejos Femininos

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O conceito de “mais mulheres em mais bicicletas mais vezes” é central para o bom planejamento cicloviário. Diversos estudos apontam que elas tem maior aversão ao risco e portanto preferem sempre rotas mais seguras. Mas além disso são elas que fazem mais viagens “utilitárias”, pedaladas até o supermercado, até a escola, a creche…

Uma outra variável tem um papel fundamental em conquistar mais mulheres para o uso cotidiano da bicicleta. Homens apresentam maior facilidade no que se refere a “não precisar de um carro”, mas ainda é papel feminino um número maior de viagens que tem “funções domésticas”. A igualdade entre os sexos ainda não é completa e mesmo com ajuda masculina em casa, as preocupações com administrar uma casa ainda pesa mais para as mulheres.

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Para além do feminismo ou de disputa entre os gêneros, nossas cidades tem muito a aprender com o que querem as mulheres. A bicicleta é o veículo ideal para adequar o espaço dos pedestres nas cidades. Já as mulheres são a “espécie indicadora” no que tange melhorias cicloviárias e quanto mais fácil for para elas optar pelas pedaladas, melhor será para todos os ciclistas, sem distinção de gênero.

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As três fotos de uma mãe em Copacabana nesse post ilustram o papel da bicicleta no cotidiano feminino e o potencial para que mais ciclistas ganhem as ruas do bairro. As duas primeiras imagens foram captadas durante a realização da Contagem de Ciclistas na rua Figueiredo de Magalhães.

Mais informações disponíveis em inglês no artigo da Scientific American de Outubro intitulado: How to Get More Bicyclists on the Road