Para aumentar a segurança dos ciclistas

Existe uma teoria de que o aumento no número de pedestres e ciclistas está diretamente ligado à diminuição no número de ciclistas e pedestres mortos no trânsito. A princípio a idéia pode parecer contraditória, mas uma análise completa dos dados ajuda a apontar a melhor maneira de promover a segurança viária dos elementos mais frágeis no trânsito: o incentivo para que mais pessoas se desloquem à pé ou em bicicleta. É a famosa segurança na quantidade.

Muitas vezes a segurança viária é dependente de mais e mais regulamentação, com vultosos investimentos em sinalização, organização, semáforos e diversos outros dispositivos. Mais simples é facilitar e garantir o fluxo seguro de pedestres e ciclistas, pressuposto inclusive previsto e muitas vezes ignorado no artigo 24 do Código de Trânsito Brasileiro.

Diz ele:

Art. 24. Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição:

(…)

II – planejar, projetar, regulamentar e operar o trânsito de veículos, de pedestres e de animais, e promover o desenvolvimento da circulação e da segurança de ciclistas;

(…)

XVI – planejar e implantar medidas para redução da circulação de veículos e reorientação do tráfego, com o objetivo de diminuir a emissão global de poluentes;(…)

Pela quantidade de incisos desse único artigo, fica claro que a legislação mergulhar diversos meandros e orientações específicas e acaba por se perder. Fica em segundo plano o pressuposto mais básico de garantir a vida dos diferentes usuários das vias. Nas palavras de um político conservador inglês:

“Regulação demais diminui a responsabilidade individual, desincentiva a negociação interpessoal e na busca por diminuir os riscos, acaba por aumentá-los.”

Os números já estão em favor da bicicleta. No Brasil ciclistas representam são 7% dos deslocamentos e 4% dos “acidentes”, automóveis 24% dos deslocamentos e 27% dos “acidentes”, enquanto as motos representam 12,6% dos deslocamentos e 22% dos “acidentes”. A fonte desse dados é o cruzamento de dados da “Pesquisa IPEA –Mobilidade Urbana 2011” e o “Mapeamento das Mortes por Acidentes de Trânsito no Brasil – Confederação Nacional de Municipios 2009”.

No pioneiro estudo sobre segurança viária de ciclistas e que usa o termo “segurança na quantidade” de maneira pioneira a matemática é simples:

“Consideradas diversas circunstâncias, se o uso da bicicleta dobra, o risco individual de cada ciclista cai em aproximadamente 34%.”

Portanto desafiar o senso comum em relação a segurança viária é sair da bolha e ganhar as ruas. Nelas será possível entender que se há uma “guerra” no trânsito ela se resolverá com a humanização. A agressividade que hoje toma conta das ruas e afeta ciclistas, motoristas e pedestres, vitimando sempre os mais frágeis, em grande parte se deve ao desenho do espaço urbano.

As cidades ao invés de espaço de circulação somada a interação humana tornam-se versões mal adaptadas de autoestradas. A segregação viária presente em rodovias visa garantir velocidade e segurança para os veículos motorizados, ao ser aplicada no espaço urbano, essa lógica subverte o sentido das cidades e do espaço público das ruas.

Com informações do Grist:
There’s safety in numbers for cyclists
The a$#&^% biker problem: Why it’s hard to share the road

Faça um jornalista se apaixonar pela bicicleta

A relação entre quem busca promover a bicicleta e a mídia nem sempre flui da melhor maneira. Há muitas vezes um ruído de comunicação e as famosas “pautas prontas” em que jornalistas saem a caça de “especialistas” para poder confirmar uma ideia pré-concebida. Em relação aos ciclistas, nem sempre somos capazes de construir um discurso claro e adequado ao veículo e à pauta. Pior ainda, os “cicloativistas” ultimamente tem sido depreciados por colunistas da grande imprensa.

Um texto da Federação Européia de Ciclistas traz alguns pontos fundamentais que são válidos também aqui no Brasil. A inspiração para o artigo vem de uma campanha iniciada pelo tradicional (e conservador) periódico inglês The Times. Após o atropelamento de um de seus jornalistas, eles iniciaram uma campanha em prol da bicicleta em Londres e, claro, em defesa da segurança viária. Um ato infeliz muito perto do dia a dia do jornal motivou a uma mudança radical de posição, mas não precisa ser assim. Afinal o que menos precisamos é vincular a bicicleta a tragédias, mortes e às páginas policiais.

Pautar a mídia em favor da bicicleta não é fácil, afinal a quantidade de programas policialescos e a repercussão dos crimes de trânsito acaba alimentando um círculo vicioso de más notícias. De qualquer forma, alguns passos podem ajudar a promover a bicicleta de uma maneira positiva e deixar os jornalistas apaixonados por esse veículo, de duas rodas.

Torne a Bicicleta atraente

Mikael Colville-Andersen pode até ser acusado de ter um plano complexo de seduzir jornalistas e atraí-los para as bicicletas. O modus operandi é bastante simples. Tudo começou com uma bela foto de uma moça em roupas casuais parada em um semáforo qualquer em Copenhague. Dali nasceu o movimento “cycling chic”.

A estratégia certamente provou-se um sucesso, afinal todo mundo gosta de beleza e imagens bonitas de pessoas pedalando certamente ajudam a vender jornais e revistas.

Um outro exemplo na mesma linha são os desafios intermodais, uma iniciativa simples que mostra que no trânsito travado das grandes cidades a bicicleta é uma maneira atraente de se deslocar com velocidade.

Infraestrutura do tipo faça você mesmo

Antes das imagens de uma ciclofaixa cidadã feita no México, os cicloativistas paulistanos já estavam à solta munidos de stencils desenhando bicicletinhas no asfalto. O exemplo se espalhou, e os curitibanos que adaptaram a ideia no Paraná acabaram sendo multados por crime ambiental e hoje estão às voltas com a justiça tentando resolver a questão.

Já os pares mexicanos obtiveram grande êxito em chamar a atenção para a necessidade de infraestrutura segura para a circulação de bicicleta. Apesar de poder ter consequências negativas, infraestrutura cicloviária do tipo “faça você mesmo” costuma ser uma pauta positiva e que gera um debate social necessário.

Ciclistas Infiltrados

Com o aumento no número de ciclistas essa é uma tendência inexorável e que traz enormes frutos. Esses ciclistas invisíveis, carinhosamente chamados de infiltrados, estão em toda parte e dentro de uma redação jornalística são capazes de influenciar colegas que não pedalam a ver a bicicleta com bons olhos.

Talvez exatamente por isso o projeto Bikeanjo seja tão genial e tenha tido uma repercussão tão positiva junto à mídia brasileira. Ao invés de uma entrevista por telefone, ou um bate papo em alguma esquina, o bikeanjo sempre escolta o jornalista para conhecer a realidade das ruas. Nem todos tornam-se ciclistas no dia a dia, mas certamente o vento no rosto e a lembrança daqueles momentos de infância ajudam qualquer um a falar bem da bicicleta.

Esqueça os ciclistas

Esse ponto a princípio pode parecer até controverso, mas na tese defendida pelo consultor de mobilidade Gil Peñalosa ele acredita que “não devemos falar sobre ciclistas“.

“Imagine que uma cidade tem 2% dos cidadãos que são usuários da bicicleta e 60% utilizam o carro. As pessoas dirão que você está contra os 60%”, completa.

A adoção de Zonas 30, cada vez mais comuns na Europa, bem como no Rio de Janeiro, é uma iniciativa que beneficia antes de mais nada as pessoas. É a melhor forma de fazer com que nossas cidades tenham mais qualidade de vida, ao invés de serem um emaranhado de vias expressas. Uma iniciativa feita para beneficiar os ciclistas, mas que atinge de maneira positiva todos os cidadãos.

Tornar nossas cidades lugares melhores para pedalar talvez passe justamente por deixar de lado o “cicloativismo”, e pensar na qualidade de vida de nossas cidades. Afinal o confronto e o foco excessivo nas necessidades dos ciclistas é o que motiva colunistas de jornal a apelidarem os cicloativistas de “talibikers”, ou outros termos pejorativos.

Mais do que cidades para bicicletas, precisamos humanizar o ambiente urbano e um bom relacionamento entre jornalistas e nossa querida bicicleta é certamente um bom caminho.

Conservação à pedal

Foto: Divulgação/SECONSERVA

Uma novidade ciclística já está cruzando as ruas e ciclovias do Rio de Janeiro. Desde o começo de março, para agilizar o trabalho de manutenção do calçamento de pedras portuguesas em praças e na orla, a Secretaria Municipal de Conservação e Serviços Públicos (SECONSERVA) colocou à disposição dos calceteiros um triciclo de carga.

Os calceteiros são aqueles profissionais que tem a missão de zelar e manter a qualidade do piso de pedras portuguesas, um patrimônio carioca, mas que requer um grande esforço para ficar sempre em perfeitas condições de circulação.

Nas próximas semanas os calceteiros, e agora, triciclistas, poderão ser vistos trabalhando na orla do Leblon, na Lagoa Rodrigo de Freitas, na altura do Posto 6 em Copacabana e nas praças General Osório, em Ipanema e Santos Dumont, na Gávea.

Além dos aspectos óbvios de economia de custos e sustentabilidade ambiental, a realização do serviço de manutenção de calçadas através do uso de triciclos é acima de tudo a opção mais inteligente. Afinal está sempre no último quilômetro o maior custo de deslocamento de produtos. Ao levar consigo os equipamentos e materiais necessários para o trabalho, os calceteiros tem facilidade nos deslocamentos, sem depender de um veículo de carga grande.

Com informações da assessoria de imprensa da SECONSERVA.

Bicicleta, veículo de transformação urbana

O grande diferencial da bicicleta como meio de transporte urbano reside justamente no fato da bicicleta ser um veículo. Na lógica do planejamento urbano consolidado ao longo do século XX a prioridade aos poucos foi sendo reconstruída para comportar a circulação de veículos motorizados.

Reverter uma lógica presa à circulação veicular motorizada é um trabalho árduo e que requer diversas frentes. Talvez a melhor delas seja a bicicleta e a razão é bastante simples. Veículo movido pela força humana, uma bicicleta é uma versão mais eficiente de um pedestre. Apesar de mais veloz e com menor gasto energético, continua dentro da lógica humana, dada a fragilidade do conjunto ciclista+máquina.

A subversão da lógica urbana através da bicicleta nem sempre é entendida por aquele sujeito chamado de “Senso Comum”. Quando uma massa de ciclistas toma uma grande avenida, erroneamente julga-se que o trânsito foi impedido. Na realidade o que ocorre é um movimento cidadão de retomada do espaço de circulação viário que normalmente tem uso único. Em lugar do trânsito motorizado cotidiano, circula uma massa uniforme de pessoas em bicicletas, essa ocupação convencionou-se chamar de Massa Crítica, ou Bicicletada.

A Massa Crítica de São Francisco foi criada em 1992 e é filha da mesma ideologia dos movimentos anteriores de contestação do status quo. E aí reside a limitação de movimentos dessa natureza, costumam esvaziar-se com o tempo e em geral tem tendência autocentrada, nem sempre capazes de influenciar as mudanças sociais a que se propõem. O texto “Massa Crítica ou Falha Crítica” escrito por Mikael Colville-Andersen, e traduzido por nós, aprofunda o tema.

Inserida pela sutileza de ocupar pouco espaço e ser mais veloz que qualquer veículo motorizado nas cidades, a bicicleta também se insere pela força daqueles que de maneira anárquica celebram a rua como espaço público para comemoração, protesto e circulação, tudo ao mesmo tempo.

Grandes avenidas tomadas por bicicletas à perder de vista são sempre um espetáculo para os olhos e a alma. Revigora e possibilita sonhar com cidades melhores, e as pessoas que compõem essa massa sem líderes certamente querem transformar a utopia em realidade. Há no entanto um problema a ser equacionado para que os “cicloativistas” tornem-se efetivamente agentes da transformação urbana.

O valor de todo “movimento cicloativista” é principalmente de unir pessoas, fortalecer os vínculos humanos de uma minoria engajada em favor da bicicleta. Esse valor será ainda maior quanto menos reativa for a postura dos que defedem a bicicleta. Não basta protestar quando ciclistas são mortos no trânsito, tirar a roupa e sair pedalando chama a atenção da mídia, mas não muda a paisagem urbana. Cada “cicloativista” tem que ter uma postura de defensor do uso da bicicleta ser especialista em mobilidade urbana. Ter um discurso que seja apreendido e levado a sério por planejadores urbanos, técnicos nas prefeituras, jornalistas e a sociedade como um todo.

A inserção da bicicleta nas cidades é o primeiro ato, as pedaladas seguintes são as mais complexas, requerem menos festa e um esforço constante, articulação política e pressão na medida certa. Ao invés de reclamar com os jornais por matérias erradas e pela lentidão do poder público, é preciso pautar a imprensa e aliar-se ao poder público, sem ser cooptado. A rebeldia adolescente do “cicloativismo” tem o potencial de amadurecer e, com isto, mudar o espaço urbano. E tudo sem perder a alegria do vento no rosto e o sorriso aberto que faz lembrar as primeiras pedaladas na infância.

Para repensar a linguagem

O uso corrente de diversos termos no que se refere à mobilidade urbana são baseados no vocabulário da engenharia de tráfego dos 1950, 1960. Repesensar os significados das palavras é um caminho fundamental para mudar o entendimento sobre a forma e função da cidade. De maneira brilhante a cidade norte-americana de West Palm Beach na Flórida produziu um documento dirigido aos técnicos da área de trânsito para que pudessem substituir palavras tendeciosas relativas à investimentos e políticas públicas de trânsito.

A diretiva é bastante clara, já na definição do que é tráfego:

A palavra tráfego é corriqueiramente usada como sinônimo de tráfego de veículos motorizados. Existem no entanto diversos tipos de tráfego nas cidades: tráfego de pedestres, tráfego de bicicletas, tráfego de trens. Para garantir a objetividade, se você quer dizer tráfego de veículos motorizados, então diga tráfego de veículos motorizados. Caso esteja se referindo a todo tipo de tráfego, então diga tráfego.

Outro termo empregado de forma errada e que tem definição mais precisa é em relação ao uso da palavra acidente:

Acidentes são eventos danosos em que algo acontece por um azar inesperado ou por acaso. Acidentes implicam na ausência de culpados. É amplamente sabido que a grande maioria dos acidentes (de trânsito motorizado) são previniveis e além de ser possível apontar culpados. O uso da palavra acidente também reduz o grau de responsabilidade e da gravidade associada à situação e invoca um certo grau de simpatia à pessoa responsável. A linguagem objetiva inclui os termos colisão e batida.

Por conta dessa visão, que após o atropelamento dos ciclistas de Porto Alegre em fevereiro de 2011 durante a bicicletada, o termo #naofoiacidente foi um dos mais comentados no twitter. A situação se repetiu na última sexta-feira, 02 de março, quando mais uma ciclista foi morta por um ônibus na avenida Paulista e também em outras cidades brasileiras. O tema foi gancho para um debate ao vivo com Zé Lobo, presidente da Transporte Ativo, e o jornalista ambiental André Trigueiro, assista.

O manual de West Palm Beach ainda trata de diversos outros termos, alguns mais, outros menos simples de serem traduzidos para a realidade brasileira. Em português por exemplo a maior distorção do planejamento viário tupiniquim é o uso do termo “não-motorizado” para tratar de pedestres, ciclistas e outros meios de transporte ativos. Assunto já tratado em um outro post (Transporte não-motorizado).

Exemplos a serem resignificados existem em abundância. Quando uma via fica restrita à circulação de veículos motorizados a comunicação oficial é de que a via foi “fechada”, quando o correto seria dizer justamente o contrário, que a via foi aberta exclusivamente para o tráfego de pessoas.

Repensar o discurso e o uso das palavras é um primeiro passo fundamental para ordenar prioridades e atualizar o planejamento urbano. Afinal, nada mais antiquado do que usar gírias de meados do século XX em pleno século XXI e de certa forma é isso que temos aceitado fazer no que se refere à mobilidade urbana.

A publicação original do manual da prefeitura de West Palm Beach está disponível em pdf. Mais informações no blog Human Transit. O blog “Vá de Bike”, também traz sua visão sobre porque “acidente” não descreve os atropelamentos de ciclistas.