A diferença entre trânsito e congestionamento

Dia de greve de ônibus em São Paulo. Na avenida Rebouças um fluxo de pedestres caminha no sentido rio Pinheiros, ambas as calçadas encontram fluidez normal para pedestres com retenções em algumas esquinas e riscos de buzinadas nas faixas de pedestres. Ciclistas trafegam livremente em ambos os sentidos da via e também nas transversais. Bicicletas públicas circulam em profusão e é possível que hajam filas ou dificuldades para encontrar bicicletas em algumas estações.

Os pedestres que caminham em direção ao terminal de trem e metrô de Pinheiros devem redobrar a atenção nos arredores e dentro da estação, a superlotação é esperada. Certa dose de força bruta e desprendimento podem ser necessárias

Quanto ao trânsito motorizado, um monte de carros nas ruas como de costume. Fazem fila em busca de um novo recorde de congestionamento que será veiculado comparando a distância até cidades no entorno da capital paulista.

Um informe de trânsito assim nunca foi ao ar na rádio ou na TV. Ainda que São Paulo tenha uma “rádio trânsito” e as emissoras de televisão cultivem o fetiche de colocar ao vivo imagens de grandes congestionamentos, sejam das câmeras de monitoramento, sejam através de helicópteros.

O fetiche vai além do absurdo com monitoramentos privados da quilometragem de engarrafamentos em tempo real, cidadãos viciados em aplicativos anti-congestionamento e uma cidade inteira que adora falar sobre desventuras acerca da mobilidade.

Ser ciclista apocalíptico nesse ambiente requer um posicionamento “contra-cultural”, mas acima de tudo uma grande dose de ironia. Nas conversas de elevador, nos almoços de família, quem pedala exerce o fino dom do desprezo pelas reclamações alheias. A arte requer prática e alguns ataques precisos para desconstrução dos discursos prontos feitos através de uma leitura da cidade feita por que a vê por detrás de um para-brisa.

A já famosa frase “eu transito, você congestiona” foi uma nobre tentativa de virar o disco e redefinir o entendimento das vias públicas o dos congestionamentos. Um tanto agressiva, o slogan incentiva a guerra simbólica ao invés de desmontá-la.

Um bom mote para os que escolheram pedalar em detrimento a qualquer outra opção seja “eu prefiro a bicicleta”. Ao mesmo tempo que nega as alternativas sem confrontá-las, o slogan coloca o pedalar em um outro patamar. Ainda que a mobilidade individual movida pelas próprias forças seja para a população pobre uma necessidade e para os ricos uma extravagância, é preciso valorizar quem não tem alternativas e tornar algo simples e normal para quem dispõe de todas.

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