Cidades para o aprendizado

 

Um fato triste aconteceu com as crianças nas cidades, foram atropeladas para longe das ruas (literalmente). O maior espaço público disponível para brincadeiras tornou-se terra sem vida, local de trânsito motorizado e nada mais.

Consequências negativas inúmeras. Mas a mais grave delas talvez ainda não esteja claramente entendida. A expulsão das crianças das ruas acabou com o maior espaço de aprendizado que elas tinham por perto. E basta observar os pequenos para saber que é pela brincadeira que a humanidade aprende as habilidades fundamentais para sua própria sobrevivência. Assim como todas as demais espécies de mamíferos (primatas ou não).

Ainda assim, entregamos as crianças em espaços de aprendizado formal todos os dias durante a maior parte do dia. Lá elas aprendem como devem fazer para tirarem boas notas e os resultados podem ser bons números no papel e resultados aquém do ideal na vida.

É através da brincadeira que as crianças são capazes de, sozinhas, aprenderem as habilidades fundamentais para sua vida.Quem brinca pratica a criatividade, algo tão necessário no mundo hoje.

Para as soluções do futuro é preciso fazer novas perguntas em busca de respostas para os novos problemas. Há frente estarão sempre presentes os obstáculos e por meio do brincar podemos ter a certeza que as crianças saberão enfrentar o que aparecer antes que formem barreiras.

 

O futuro será pedalado. É com a bicicleta que aprendemos a conquistar nossos medos em busca do equilíbrio, aprendemos a desafiar o que está por vir e descobrimos o mundo de maneira divertida. Uma habilidade que aprendemos brincando e que ao praticar cotidianamente seremos capaz de modificar para sempre nossas cidades.

Um bairro para pessoas

Simulação do Túnel Major Rubens Vaz

Simulação do Túnel Major Rubens Vaz

Quem pedalava em Copacabana sempre soube que o bairro era perfeito para os deslocamentos em bicicleta. Um microcosmo em que tudo estava disponível a apenas algumas pedaladas. O mercado, a farmácia, a escola, o escritório, a praia e o metrô. Uma pequena cidade autossuficiente em muita coisa e com fácil acesso a outras vizinhanças.

Natural portanto que em meio a tantas ruas sem espaço para mais carros o morador do bairro e também os prestadores de serviço saberem que a bicicleta era a melhor solução. Para facilitar a vida de quem mora e circula pela bairro apresentamos ainda em 2008 um plano cicloviário para Copacabana. Ruas com velocidade máxima de 30km/h, número mágico que facilita a fluidez e segurança das pessoas.

Do papel a idéia ganhou as ruas em forma de plano piloto que se espalhou pela cidade. Agora a conquista se consolida e Copacabana será mais do que um exemplo piloto, mas uma implementação real de como podem ser os bairros cariocas do futuro. Afinal, o projeto piloto de anos atrás já chegou a outras regiões do Rio de Janeiro.

Simulação do BikeBox na Rua Hilário de Gouveia esquina com Nossa Senhora de Copacabana

Simulação do BikeBox na Rua Hilário de Gouveia esquina com Nossa Senhora de Copacabana

Mais do que um plano que sai do papel, as Zonas 30 de Copacabana são o símbolo máximo de respeito a circulação das pessoas. Serão consideradas parte da malha cicloviária, afinal a sinalização irá deixar claro a todos que os veículos automotores serão permitidos e cidadãos em bicicleta serão os convidados especiais. e

Rua Toneleros com Rua Anita Garibaldi

Simulação de travessia na Rua Toneleros com Rua Anita Garibaldi

Exemplo de mobilidade em bicicleta, Munique na Alemanha tem grande parte dos seus 1.700 km de infraestrutura para bicicletas como Zonas 30, assim como Viena na Austria e diversas outras cidades. As Zonas 30 são o acesso a porta das pessoas, ruas residenciais que recebem tratamento especial para garantir a mobilidade sem destruir a vizinhança.

A esperança é que Copacabana passe a ser o bairro mais completo do país quando se fala em infraestrutura ciclística e sirva de inspiração para todo o Rio de Janeiro e por consequência o Brasil.

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A soma dos erros nas ruas

Trupicão, tropeço, rola, tombo, catar cavaco, derrapar na lama, escorregar no tomate… São tantas maneiras de sofrer acidentes quando se está a pé em casa ou nas ruas. As mais perigosas são dentro do banheiro, aquele local cheio de água e azulejos derrapantes. Seres humanos são imperfeitos a ponto de estarem sempre sujeitos a cometerem os mais diversos tipos de erros, seja onde for.

Ao longo do século XX os erros humanos cometidos nas ruas passaram a ser muitas vezes com pena de morte. Muitas vezes a pessoa condenada cometeu o pequeno erro de estar no local errado na hora errada. Só no Brasil os números (imprecisos) apontam que a pena capital contra erros humanos ao redor do espaço público de ruas e avenidas e nas estradas varia ao redor dos 50.000 todos os anos.

Dois fatores explicam claramente a diferença entre os erros humanos quando puramente humanos e aqueles cometidos nas ruas. O somatório entre massa e velocidade de veículos automotores. Por esse motivo inclusive a legislação brasileira de trânsito contém aquele trecho de que o veículo maior deve zelar pela segurança do menor e todos pela incolumidade do pedestre.

A campanha de trânsito da Nova Zelândia que ilustra esse texto demonstra com clareza que erros humanos podem ter consequências mais graves do que deveriam quando se tem na equação a massa mais a velocidade de um veículo automotor.

O espaço simbólico das ruas aos poucos tem sido entendido como um espaço a ser compartilhado, e nas cidades esse compartilhamento se faz através de medidas corajosas que tratem as máquinas como convidados trapalhões das cidades, que devem por isso circular em Zonas 30, ou seja, a velocidades baixas.

Neve e capacetes

Todos os anos, cerca de 50 milhões de pessoas aproveitam o frio nas montanhas dos Estados Unidos para deslizar ladeira abaixo na neve. Dentre esses milhões que montam em esquis e pranchas de snowboard, algumas dezenas perdem a vida na prática do esporte. E vidas humanas são valiosas e precisam ser preservadas.

Com a melhor das intenções, a Associação Americana de Áreas de Esqui (NSAA na sigla em inglês), promove há mais de 11 anos a utilização de capacete entre os esquiadores, com ênfase especial nas crianças. Os números são reconfortantes, o percentual de utilização do capacete subiu de 25% dos praticantes na temporada 2002/03 para 70% em 2012/13. Números tão consistentes que o presidente da NSAA comemora o esforço colaborativo dos pólos de ski, organizações médicas e até pais e responsáveis na promoção ao uso do capacete.

Muitas vidas devem ter sido salvas como consequência, certo? ERRADO.

(…) pesquisas demostram que o uso de capacete reduz a ocorrência de danos na cabeça entre 30% e 50%, mas essa redução em ferimentos na cabeça em geral limita-se aos ferimentos menos graves. Não houve redução significativa em ocorrências fatais nas últimas 9 temporadas, mesmo que o uso de capacete tenha crescido.

É o que aponta um documento da própria NSAA. Certamente muitas pessoas estão felizes em não terem de lidar com lacerações e outros ferimentos na cabeça, mas mais felizes ainda estão os fabricantes de poliestireno expandido (EPS) e outros plásticos, que fabricam as boinas de isopor com isolante térmico que se tornaram tão populares nas montanhas nevadas dos Estados Unidos.

Promoção ao uso da bicicleta

Já sobre as notícias que ninguém se deu ao trabalho de publicar, em Portland, a capital norte-americana da bicicleta não teve qualquer ocorrência fatal envolvendo ciclistas na cidade.

Certamente um número relevante na cidade com mais cidadãos que optam pela bicicleta nos EUA. Uma vitória da promoção ao uso da bicicleta na busca por encorajar mais pessoas em mais bicicletas mais vezes. Estejam elas de boné de isopor, chapéu, fraque, chinelo ou bermuda. Porque afinal a segurança nas ruas passa pelo aumento massivo no uso da bicicleta.

Aos que quiserem utilizar os bonés de isopor e outros derivados de petróleo, fiquem à vontade para fazê-lo em qualquer situação. Mas vale o pedido para que o façam pelos motivos certos, para evitar arranhões e danos no couro cabeludo e não como bóia salva-vidas das ruas.

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Quem quiser saber mais detalhes sobre esqui e segurança, vale ler o o documento Facts About Skiing/Snowboarding Safety (em PDF). Já os números em relação ao uso de capacete no esporte estão no documento “Ski & Snowboard Helmet Use Sets Record”.

Sobre as 4 maiores notícias jamais escritas em 2013, visite o BikePortland.

Esse post foi inspirado na seguinte notícia: Capacete não tem reduzido lesões em esqui – publicada no jornal à Folha de S. Paulo em 04 de janeiro de 2014.

Perspectivas para o futuro

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Rever o passado é sempre um bom exercício, mas também vale muito a pena aproveitar a troca de números no calendário para imaginar e pensar no futuro.

Em 2013 foram completados os 10 anos da Transporte Ativo, uma década que viu florescerem e crescerem iniciativas em prol de cidades mais humanas. Foram projetos implementados, conhecimento que se multiplicou e acima de tudo novas mentalidades que se tornaram comuns.

Quem poderia imaginar que se falaria tanto em ruas para pessoas, cidades humanas e a resiliencia do espaço urbano. Nenhum desses conceitos é propriamente novo ou fruto do pensamento em voga nos últimos anos. Ainda assim, representam mentalidades que mudam.

Imaginar o futuro é certamente um bom prazer. E hoje, é possível visualizar mudanças que ajudem a tornar a vida nas cidades um pouco melhor. Cidades com mais bicicletas circulando em infraestrutura de qualidade, mais espaços de lazer e convivência que priorizem as pessoas, a valorização da qualidade de vida como pedra fundamental de todo o planejamento urbano.

Dificuldades continuarão no caminho e o apego ao passado de velhas estruturas também. Mas o próprio caos e as dificuldades de circulação de pessoas, algo tão premente nesse século XXI, serão a mola propulsora das transformações necessárias. O fator motivador para diferenciar as cidades, e os administradores do passado, das cidades do futuro.