Feitos para o movimento

Coração Motor

Seu corpo, máquina de movimento – Clique na imagem para vê-la em versão ampliada

A mobilidade urbana reflete e é reflexo dos tempos. O automóvel, veículo símbolo do século XX, criou o “seres de exceção”, uma casta de cidadãos que se distinguia dos demais pela força e velocidade de seus veículos. O passar das décadas transformou esse sonho mecânico de distinção em realidade e era utopia tornou-se um pesadelo urbano.

Felizmente o ser humano é sempre capaz de reiventar utopias e perseguir novos sonhos, o século XXI trouxe a reivenção de estruturas, a distopia do fim do mundo pela destruição do meio ambiente e também a utopia de um mundo mais igualitário, onde todos possam ter voz e acesso a vida com dignidade. Essa mudança de visão de mundo traduziu-se em pequenas revoluções, uma delas notável é a revolução das pedaladas que ciclistas ao redor do mundo fazem diariamente. Do girar constante dos pedais, renasce a necessidade de resgatar processos e dar valor a meios de vida que possam ter ficado esquecidos.

Um dos pontos que o ciclista resgata é a necessidade humana de atividade física para a manutenção da saúde do corpo e da mente, para além disso, o ciclista também subverte o que é máquina e sua função. Enquanto os veículos motorizados são símbolo de distinção social, a bicicleta é símbolo de igualdade.

Os dois panfletos que ilustram esse post são reflexo dessa mudança de rumo que vivemos. Feitos pelos estudantes publicitários Issacar de Jesus e Igor Guerreiro da TECPUCPR. Como parte de um projeto interdisciplinar sobre “mobilidade urbana”, eles escolheram a Transporte Ativo como tema do trabalho. Uma homenagem à instituição que, claro, nos deixa felizes, mas também um indicador claro que a bicicleta e o repensar da mobilidade urbana é pauta corrente.

Já recebemos homenagem semelhante (A Diferença), também de estudantes de publicidade. Que venham outras, para que mais pessoas, pedalem mais bicicletas, mais vezes.

Para quem quiser ler uma outra reflexão sobre mobilidade urbana que abordar Peter Gay, “seres de exceção” e desafios da mobilidade urbana, leia o texto “Mobilidade Urbana: desafios da cidade contemporânea” de Ricardo Machado.

Mais uma campanha Rio Capital da Bicicleta

Nos domingos de abril, mas uma pedalada pela valorização da Bicicleta no Rio de Janeiro.

Em breve irá ser inaugurada mais uma ciclovia que ligará a orla de Copacabana ao bairro de Botafogo pelo Túnel Velho. Como é de praxe, a Prefeitura ao mesmo tempo faz um trabalho de divulgação e promoção a essa infraestrutura, convidando o carioca a pedalar mais e principalmente a conhecer o que tem sido feito em prol da bicicleta.

Claro que a Transporte Ativo estava presente. Com muito bate papo sobre bicicleta.

Nos dias de semana haverá ainda uma equipe de educadores que percorrerá a ciclovia com bicicletas, abordando comerciantes, moradores e ciclistas com informação e orientação sobre o uso e funcionamento da via.

As atividades vão até o dia 11 de maio, para que a cada vez mais cariocas, andem de bicicleta mais vezes.

Democracia e quatro rodinhas

A riqueza de uma cidade também se mede pela qualidade e diversidade de seus espaços públicos. Pobre seria a filosofia sem a ágora nas cidades gregas, fraco seria o samba sem as ruas da Lapa carioca, cinza seriam as artes plásticas francesas sem o burburinho noturno de Montmarte.

O ano é 1974 em uma ladeira ao lado de uma praça na cidade de São Paulo. Pessoas tomam a rua para a prática do que viria a ser o segundo esporte mais popular no Brasil, o skate. Quatro rodinhas numa prancha de madeira, o espírito do surfe para quem vive longe do mar. As imagens do vídeo acima, prestes a completar 40 anos, são registro histórico da cultura do skate, mas por pressão de um grupo de moradores a área está sendo modificada para inviabilizar a circulação das quatro rodinhas. Perderá a cidade mais um microcosmo de uma cultura.

A subprefeitura da região está fazendo obras no local visando fazer a “acalmia de tráfego”, ou em inglês, o “skate traffic calming”. No lugar do asfalto, faixas de paralelepípedo cuja única função é inviabilizar a circulação dos skatistas, acostumado a descer essas mesmas ladeiras há décadas.

Pode até parecer um pequeno detalhe, apenas mais uma intervenção urbana em uma cidade com pequenos e grandes conflitos por espaço de circulação e contemplação. Mas São Paulo é carente de ar livre, tanto que por aqui até viaduto torna-se importante área de lazer. Dentro dessa lógica, a perda de qualquer espaço público onde pessoas se unam para socializar de maneira livre e gratuita é uma grande perda para a cidade.

Talvez a presença dos praticantes do skate não fosse interessante para os moradores, mas certamente menos interessante é a total ausência de vida nas ruas. É no silêncio e na escuridão de ruas ermas que se prolifera a insegurança urbana, aquela que faz vítimas de assaltos e também aquela que incentiva mais e mais pessoas a ficarem em casa ou em espaços coletivos fechados, murados.

O conflito entre interesses particulares e coletivos, entre circulação e contemplação em São Paulo seguirá por muitos anos, mas é de fundamental importância que os eternos adolescentes do skate e os que querem a ordem e o silêncio nas ruas consigam uma convivência harmônica. Afinal se hoje acabou uma ladeira para a prática de surfe sobre rodas, amanhã será uma praça vazia sem crianças brincando, sem idosos jogando dominó. Assim aos poucos a rua será tomada por interesses menos nobres dos que se aproveitam dos vazios urbanos para a prática criminosa.

Para além disso, da criatividade jovem é que nasce a evolução humana. Também nos anos 1970, um grupo de garotos na Califórnia passou a invadir piscinas particulares vazias para voar nas ondas fixas de asfalto. Esses “pequenos deliquentes” hoje fazem parte da bilionária indústria dos “esportes radicais”, como mostra o documentário Dogtown & Z Boys.

Saiba mais:
‘Pico’ de skatistas há 40 anos, ladeira recebe paralelepípedos – Folha.com
Prefeitura inicia obra na Praça Joanópolis para impedir a prática do skate – Espn.com.br
A privatização da rua – blog ZONA 10

A lenda da bicicleta na árvore

Quem nunca viu por aí a foto de uma bicicleta antiga, engolida por uma árvore. Uma imagem que já se tornou clássica circula pelas redes sociais, palestras sobre mobilidade urbana, emails e onde mais a bicicleta integrada ao meio ambiente for o assunto.

A popularidade e simbolismo da imagem inspiraram lendas. A melhor delas é certamente a de um soldado que partiu para a Primeira Guerra Mundial e nunca mais voltou. Esquecida no bosque a bicicleta foi engolida pelo tronco da árvore e subiu aos céus junto com o crescimento da planta. Como bem lembrou o colega Odir, essa história tem pouco, ou nada, de verossimilhança. Afinal, trata-se de um modelo infantil, provavelmente da década de 1950.

Com um pouco de contexto, ou nenhum contexto, é possível contar uma história inventada sobre o que aconteceu com a tão famosa bicicleta na árvore. Talvez em uma pedalada exploratória, um grupo de crianças foi longe para dentro da mata. Um pneu furado foi o motivo para uma delas pegar carona na bicicleta de um colega. A noite caiu quando todos chegavam em casa. No dia seguinte, tinha aula logo cedo. Rondas intensivas no fim de semana seguinte não foram capazes de localizar o local exato, até que a criança, dona da bicicleta mudou-se da vizinhança. Todos cresceram, ganharam bicicletas maiores no Natal daquele ano. E a pequena bicicleta infantil, ficou lá esquecida, no meio do bosque.