A simplicidade no ambiente urbano

Para além das grandes obras, suas grandes avenidas e viadutos, uma cidade tem muitas vezes detalhes esquecidos. Becos que ninguém cuida, vazamentos que pingam livremente há anos. Mas também existem pessoas que se focam em pequenos e inspiradores detalhes.

Um simples gotejamento não só deixava feia uma calçada, mas podia ser um grave risco a segurança quando a fina camada d’água congelava no inverno. Um grupo de artistas interveio com uma solução improvisada que chamou a atenção das pessoas certas que enviaram o maquinário pesado que resolveu o problema.

Astoria Scum River Bridge from Jason Eppink on Vimeo.

De uma maneira ainda mais completa, uma iniciativa em São Paulo que buscou não só agir para que algo fosse feito, mas da prática reverter um contexto desagradável. A filosofia por trás é o “Manifesto BioUrban” que começa assim:

A arquitetura e urbanismo modernista mata, é ademocratico, é panoptico e rouba o dinheiro público. O manifesto BioUrban é a antítese quanto concepção. É a resistência filosófica e estética da prática do construir e viver Cidade. É a vida. É a Cidade Viva.

O vídeo abaixo explica um pouco mais.

Existem muitas formas de viver nas cidades e vivenciá-las. Mas sempre, as melhores cidades são aquelas em que seus habitantes tomam para si o espaço compartilhado de todos.

Saiba Mais:
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Como começar bem o dia

A maneira como escolhemos ir de um lugar a outro na cidade influi diretamente sobre nossa percepção em relação a cidade.

Começar bem o dia de bicicleta é aquela velha história do vento no rosto e a endorfina no sangue. Mas um “experimento pedestre” vale a pena ler.

Rodolpho foi ao trabalho a pé e resolver dar “bom dia” a todas as pessoas que encontrasse no caminho, sem exceção. Do porteiro do prédio até o pessoal da reforma, todo mundo foi saudado igual.

Resultados obtidos:
1. Moradores de rua, ciclistas e pedestres de calça jeans: responderam com “bom dia”;
2. Motoristas: não responderam e colocaram uma cara que eu descreveria como “vou te atropelar”;
3. Pedestres em roupa social ou terno: ignoraram;
4. Pedestres do sexo masculino, quando há uma bunda feminina para observar: ignoraram o “bom dia” também.

Conclusões:
1. Motoristas odeiam pedestres que andam mais rápidos que eles;
2. Preciso fazer a barba e cortar o cabelo, os moradores de rua estão me achando um deles;
3. Roupa social e bundas femininas tornam uma pessoa mais arrogante.

Pode ser uma experiência maluca ou uma pequena tese de antropologia, mas com certeza é sempre divertido estar vivo e experimentar sua própria cidade.

Leia a postagem original: “Experimento Matutino“.

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Pedestres e comércio

Associações de lojistas e comerciantes em geral tendem a ser contra iniciativas que abram espaço para a livre circulação de pedestres em detrimento do fluxo motorizado. Felizmente acabam sendo sempre maravilhosamente desacreditados em suas previsões e medos iniciais.

Calçadões e ruas exclusivas para pedestres tendem a atrair mais pessoas e a instalar um ambiente favorável para vendas. Até porque somente estacionamentos tem no fluxo de automóveis a sua atividade final. Pessoas são as responsáveis por comprar, comer e consumir diversão.

Cada rua a mais para o trânsito exclusivos de pessoas é uma benesse para as cidades e ajuda a estimular a demanda que precisamos no espaço urbano. A demanda por qualidade de vida e convívio humano, onde é importante estar e não cruzar em alta velocidade rumo a um destino distante em que as ruas não passam de um borrão indistinto de prédios.

Ruas para pedestres são mais do que “centro de compras a céu aberto”, por serem de livre circulação para todos. Elas fazem mais sentido com uma rede de transporte que dê suporte ao grande afluxo de pessoas. Até porque a valorização do espaço tende no longo prazo a inviabilizar o uso de terrenos como espaço para estacionamento, ou ao menos desencorajam viagens motorizadas pelo alto custo para estacionar.

A foto que ilustra esse post é na mesma rua da foto abaixo. É a Calle Fuencarral em Madrid que antes era assim:

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Google StreetView

As imagens de Madrid foram retiradas de um post no blog português “Menos um carro” que trata de uma reportagem no New York Times. O jornal norte-americano menciona como o comércio da Calle Fuencarral se tornou mais vigoroso depois que as pessoas puderam circular livremente. Bom para as grifes internacionais e as pequenas lojas de estilistas instaladas lá. Tudo partindo da premissa de que as pessoas tendem a frequentar mais um lugar onde podem caminhar com conforto e tranquilidade, sem se esbarrarem umas nas outras.

O Brasil também tem o exemplo pioneiro de Curitiba, cidade modelo nos anos 1970 e que hoje enfrenta enormes desafios pelo crescimento demográfico que sofreu. Fruto, em grande parte, da qualidade de vida de parques, o primeiro calçadão do Brasil e um sistema inteligente de transporte. Um trinca de boas iniciativas urbanas que atrairam pessoas e novos negócios para a cidade.

Leia mais:
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O ambiente natural e as cidades

O sudeste brasileiro concentra 42% da população do país em menos de 11% do território. São quase 80 milhões de pessoas sendo que mais de 90% vivem em cidades.

Salada de números à parte, a mais densa concentração de brasileiros vive na região da Mata Atlântica que sucumbiu a 7% da sua extensão original. Muito se fala sobre salvar a Amazônia, mas o exemplo das maiores cidades brasileiras vai na contramão da preservação de biomas.

O modelo de gestão e crescimento das cidades no sudeste ainda não segue regras básicas de boa convivência com o ambiente natural. É um caminho lógico portanto que as cidades do resto do país se espelhem nos modelos de gestão das maiores metrópoles.

Um exemplo australiano pode servir de inspiração para que cidades brasileiras possam reconhecer que fazem parte de um bioma e que um manacá da serra plantado na calçada pode ser mais do que algumas flores bonitas que embelezam uma rua.

Um trecho de um artigo no O Eco ilustra o que tem sido feito na Austrália.

Os governos federal, estadual e municipais mapearam os espaços verdes da Grande Sydney e verificaram as possibilidades de interligá-los. A idéia é aumentar a área útil das unidades de conservação da cidade por meio de corredores de vegetação nativa, que viabilizem rotas migratórias para pássaros e pequenos mamíferos e permitam assim maior troca genética à fauna de Sydney.

Tudo foi inventariado. Parques infantis, terrenos baldios, jardins públicos, campos de futebol e de golfe, mananciais, áreas de recreação de escolas públicas e privadas, estacionamentos de fábricas e de entidades do governo, margens de rodovias, jardins de casas particulares etc.

Iniciativas como a tomada em Sydney servem de modelo para repensarmos nossas cidades. E tudo que acontece eixo São Paulo – Rio de Janeiro – Belo Horizonte tem potencial para balizar o desenvolvimento urbano dos mais de 5.000 municípios brasileiros.

Leia a íntegra do artigo “Sydney dá bom exemplo” de Pedro da Cunha e Menezes.

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Manual para bicicletas no contrafluxo

O conceito de que contramão é uma prerrogativa de automóveis. Já está em aplicação na Inglaterra, depois de diversos projetos pilotos, um programa que visa adequar o espaço viário à bicicleta. Ao invés de reprimir os ciclistas que seguem pelo caminho mais curto, o departamento de trânsito federal (Department for Transport – DfT) encoraja a sinalização de faixas exclusivas para a bicicleta seguir em segurança no que seria “contramão”.

A medida é bastante simples e felizmente já está prevista no código de trânsito brasileiro. Na Inglaterra, é o Departament for Transport (DfT) que define políticas públicas nacionais para a mobilidade cargas e pessoas. Desde navios ao trem-bala, passando, claro, pelas bicicletas. A seguir um tradução da contextualização do documento produzido pelo DfT para facilitar a implementação de pistas para bicicletas no contrafluxo.

Ruas de mão única podem resultar em caminhos mais longos e arriscados para o ciclistas, com mais cruzamentos a serem negociados. Uma maneira eficiente de resolver esse problema é através da introdução de medidas que permitam ao ciclista trafegar em ambas as direções em uma rua de mão única.

As experiências de outros países europeus resultaram em uma gama maior de opções para bicicletas no contrafluxo em relação ao que já foi implementado no Reino Unido até hoje. A experiência alemã é especialmente relevante. Lá o uso da bicicleta aumentou nos últimos anos em comparação ao uso relativamente modesto que se fazia antes. Com isso, os motoristas aprenderam a antecipar situações e acomodar o número crescente de ciclistas.

Toda a legislação é uma convenção que visa atender a necessidade da maioria. A lei brasileira foi feliz ao permitir que os órgãos de trânsito locais permitam que a bicicleta siga no contrafluxo. O exemplo europeu ajuda a mostrar que não se trata de um “jeitinho brasileiro”, para adequar as ruas aos ciclistas que não respeitam leis. Muito pelo contrário, medidas que facilitem os deslocamentos em bicicleta com segurança a cada dia se tornam mais comuns e ajudam a colocar mais bicicletas nas ruas.

A tarefa de readequar nossas cidades para deslocamentos de pessoas é complexa e demanda tempo e conhecimento técnico. Mas é sempre bom lembrar que novos desafios requerem novas ferramentas. Além é claro, de não podemos solucionar um problema com a mesma lógica com que ele foi criado.

Leia mais sobre Bicicletas no Contrafluxo, em inglês.
Contra-Flow Cycling – Cycling England
Contra-Flow Bike Lanes – NACTO National Association of City Trasnportation Officials
Contraflow Cycling – ETSC European Transport Safety Council

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