O trânsito é uma ciência humana

Paris irá testar uma nova medida para aumentar a segurança dos ciclistas que a cada dia mais se multiplicam pela cidade. Quem estiver de bicicleta não irá precisar parar em determinados cruzamentos semaforizados. Em outras palavras, na cidade luz, quem estiver de bicicleta será permitido por lei a fazer o que todo ciclista mundo afora faz, avançar o sinal vermelho em nome da própria segurança.

A medida é uma maneira de aumentar a segurança dos ciclistas, e não há nenhuma contradição na idéia. Ciclistas circulam pelas cidades em um universo próprio, fortes demais perante o pedestre, frágeis demais diante dos motorizados. Uma cidade que pensa nos ciclistas e na sua segurança precisa incorporar um pouco da lógica de circulação da bicicleta.

De acordo com as autoridades de trânsito parisiense, permitir que os ciclistas avancem no semáforo vermelho irá garantir maior fluidez para as bicicletas e evitará que se forme um grande massa de ciclistas saindo ao mesmo tempo junto com os carros.

A verdade é que, apesar do que diz a legislação de trânsito, ciclistas não gostam de sinal vermelho e em nome da própria segurança muitas vezes desrespeitam as convenções semafóricas. Dois motivos simples justificam a iniciativa, evitar a “largada” junto com os carros e também buscar pedalar em paz no quarteirão seguinte.

Dito de outra forma, um ciclista consciente ao avançar o sinal vermelho evita a ameaça de veículos motorizados arrancando em velocidade e ao mesmo tempo consegue circular um trecho depois do cruzamento sem ter que lidar com os motorizados. Tudo isso ainda mantendo o momento, isso é, maximizando a própria energia.

Uma animação explicativa, ajuda a entender a importância da conservação de movimento para o ciclista. E além disso, deixa claro que pela dinâmica da bicicleta, é perfeitamente seguro que ao invés de respeitar a indicação de parada obrigatória, como os veículos motorizados, o ciclista deve dar a preferência.

Leia mais: Pela manutenção da lei da inércia

Planejar cidades para pessoas é sair dos padrões rígidos da engenharia de tráfego que priorizam normas e métodos em detrimento da autogestão e responsabilidade dos diferentes agentes no trânsito. As regras de trânsito foram concebidas para promover e garantir a segurança das carruagens motorizadas popularizadas ao longo do século XX. Vivemos um tempo em que a prioridade urbana voltou a ser das pessoas e a iniciativa parisiense é mais uma nesse sentido.

Humanizar as ruas é priorizar os vulneráveis em detrimento dos mais fortes, é promover a interação humana no trânsito em detrimento da fé cega na sinalização. É treinar o olhar para entender as pessoas ao invés de impor o comportamento normatizador. Por mais pessoas em mais bicicletas mais vezes, de maneira mais segura.

Com informações de The City Fix – Paris to Allow Cyclists to Run Red Lights

Bicicleta e participação cidadã

O prazer de pedalar gera efeitos colaterais, o principal deles é a vontade de pedalar mais e disseminar o hábito entre amigos, conhecidos e até desconhecidos. Condições adversas de circulação para a bicicleta acabam inclusive por reforçar a união entre ciclistas. Quem pedala acaba por buscar transformar problema em pressão para a resolução.

Um excelente exemplo da união dos ciclistas em prol de uma solução propositiva aconteceu em São Paulo. Acessar o sistema de trens metropolitanos e o metrô é permitido em São Paulo em determinados horários, mas o ciclista deveria subir e descer escadas carregando a própria bicicleta. Esse pequeno detalhe operacional era um grande desincentivo para a integração modal da bicicleta com o transporte sobre trilhos. Mas as perguntas certas e um vídeo bem produzido foram capazes de reverter a situação em favor dos ciclistas.

Por conta do vídeo acima e sua repercussão, os operadores do sistema (CPTM e Metrô) passaram a permitir que os ciclistas utilizem as escadas rolantes, mas somente para subir. Um passo importante para que os técnicos das empresas entendam a dinâmica de circulação e para que os ciclistas ajudem a comprovar que bicicleta na escada rolante é seguro e não atrapalha os demais passageiros.

Pedalemos pois. Para mais informações e detalhes visite o Vá de Bike, Na Bike e a Cicloliga.

Educação Vs. Transporte

O Brasil vive um momento privilegiado em sua história, com o crescimento econômico dos últimos anos já somos a sexta economia mundial, o PIB brasileiro tornou-se maior do que a Inglaterra. As desigualdades entre os muito pobres e os muito ricos diminuiram. Tudo aponta para um horizonte de otimismo para nos tornarmos um país com uma classe média importante e principalmente consumidora de produtos nacionais e estrangeiros.

Apesar do otimismo, é preciso analizar com atenção um detalhe fundamental sobre a inflação e os indicadores econômicos no Brasil. A nova “Pesquisa de Orçamentos Familiares” do IBGE irá mudar o cálculo da inflação. Como bem destacou o Jornal O Globo, a inflação e o carro zero quilômetro já pesam mais no orçamento das famílias do que os gastos com educação.

O dado aponta para um reflexo perverso da falta de investimentos em transporte público e na mobilidade em bicicleta. O brasileiro que se sente obrigado a fugir para a educação privada, para os planos de saúde e para mobilidade particular compromete grande parte de sua renda com serviços que deveriam ser garantidos pelo Estado. E segundo o IBGE agora passa a gasta mais para se locomover nos grandes centros urbanos Brasil afora do que para estudar os filhos.

Mas existe um horizonte possível que o IBGE ainda não descobriu e que precisa crescer e ser estimulado, uma certa elite que opta por não ter o veículo motorizado próprio em prol de investimentos na educação de si mesmo e dos filhos. Optar pela bicicleta e pelo transporte público é acima de tudo uma decisão inteligente e necessária.

A Lei da Mobilidade Urbana

A recém promulgada lei da Política Nacional de Mobilidade Urbana, aponta novas caminhos para equacionar o drama urbano da (i)mobilidade. As diretrizes da nova lei preveem integração entre “a política de desenvolvimento urbano e respectivas políticas setoriais de habitação, saneamento básico, planejamento e gestão do uso do solo” (art. 6, ítem I). O texto segue em linha gerais estabelecendo prioridade para o transporte público, dos meios de transporte “não-motorizados” e dando incentivos a melhorias em prol da sustentabilidade.

Dentre as principais medidas da nova lei, fica assegurada a participação da sociedade civil no planejamento, fiscalização e avaliação da mobilidade urbana (art. 15) e o código de defesa do consumidor passa a valer para os usuários do transporte público (art. 14). Mas o mais importante é os municípios com mais de 20 mil habitantes terão prazo de 3 anos para elaborarem um Plano de Mobilidade, antes ele só era obrigatório para os 38 municipíos brasileiros com mais de 500 mil habitantens.

Segundo análise do IPEA, (Nova lei moderniza regulação da mobilidade urbana) a primeira constatação é que a nova lei oficializa o que já estava definido na “Política Nacional da Mobilidade Urbana Sustentável“, formulada pelo Ministério das Cidades em 2004. Ou seja, o que já estava redigido pelo Ministério passa a ter força de lei federal, mas na prática o caminho ainda é longo para que as medidas previstas sejam colocadas em prática.

Além do texto um tanto quanto amplo demais, o principal deslize do novo plano é insistir na definição de modos de transporte ativos como “não motorizados“. A questão é mais do que sintática, pedestres cadeirantes, ciclistas, skatistas, patinadores são definidos em função do meio de transporte principal nas cidades, os motorizados e isso ainda não mudou com a nova lei. O texto “Transporte Não Motorizado“, alonga-se sobre a questão.

Para quem quiser saber mais sobre a importância de Planos de Mobilidade, a Autoridade Européia de Transporte Metropolitano tem um documento valioso em inglês: “Mobility Plans: the way forward for a sustainable urban mobility“.

Para que a legislação tenha valor, agora é preciso que haja pressão local nos milhares de municípios que passam a ser obrigados a ter um plano de mobilidade. Antes apenas as cidades com mais de 500 mil habitantes eram obrigadas a elaborar um plano e ainda hoje nem todas as 38 cidades que se encaixam nesse perfil Brasil afora foram capazes de elaborar seus planos de mobilidade.

Bicicletários nas ruas

Uma boa novidade já está presente nas ruas de Nova Iorque, são bicicletários públicos instalados nas esquinas. Uma idéia simples com benefícios secundários que favorecem a segurança viária em geral.

As doze ou quinze bicicletas paradas além de facilitarem a vida dos ciclistas, aumentam e muito a visibilidade nos cruzamentos, contribuindo para que todos os condutores possam interagir melhor. Além disso, por ser na rua, o bicicletário garante a total segurança e conforto dos pedestres que ficam livres das bicicletas estacionadas de maneira improvisada em postes e no mobiliário urbano.

Repensar a mobilidade e o uso do espaço público passa por pequenos e grandes detalhes. Um bicicletário em uma esquina é um excelente projeto piloto para repensar as cidades, quando estacionar bicicletas nas ruas torna-se política pública é o sinal definitivo de que a cidade está mudando em favor dos cidadãos.

O Rio de Janeiro já conta com bicicletas públicas estacionadas nas ruas, uma solução que a Transporte Ativo apóia desde sempre, continuaremos a colaborar para que essa idéia cada vez mais seja entendida e apoiada pelos gestores de trânsito.