Onde se fabricam ciclistas

Foi inaugurada a maior ciclovia paulistana, 14km ao longo da margem do rio Pinheiros. Entre a água e os trilhos do trem, a pintura vermelha é bem visível para os milhares de helicópteros que sobrevoam a cidade. Por isso e pelos ciclistas que já circulam a nova pista é iconica. Cartão postal de um ângulo desconhecido da cidade e que engloba a bicicleta, personagem de crescente importância na paulicéia.

Críticas foram feitas. Na inauguração, são apenas 2 acessos, um em cada extremo do trajeto. É pouco, muito pouco e praticamente inviabiliza o uso da pista como meio de transporte. O horário restrito pela falta de iluminação é outro ponto, só será possível pedalar entre as 6 da manhã até as 18 horas. Mas felizmente são novos problemas que estão exatamente uma pedalada a frente.

Já no primeiro fim de semana, os ciclistas tomaram as pistas, carentes de espaços para desfrutar a cidade. Serão esses ciclistas e a repercurssão positiva na mídia que farão com que esse espaço seja ampliado, os acessos construídos e a malha cicloviária da cidade aumente para cada vez mais melhorar a circulação de quem já pedala e de quem quer pedalar.

Reverter o curso da urbanização centrada no automóvel particular é um trabalho complexo. E tal e qual manobrar um navio transatlântico, é preciso que o capitão dite o rumo e os tripulantes visualizem e sonhem com o novo destino. Construir cidades para pessoas passa por angariar apoio político e uma opinião pública favorável.

São Paulo deve muito aos que já conquistam as ruas diariamente pedalando, mas a cidade precisa aprender a “fabricar” mais ciclistas e espaços de qualidade para a circulação de bicicletas é uma excelente maneira de atingir o objetivo. Tudo para que, devagar e sempre, cumpra sua verdadeira função, habitat artificial das frágeis criaturas humanas.

Mais opiniões sobre a nova ciclovia do rio Pinheiros:
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Bicicletas para todos

A bicicleta felizmente está na moda, não custa repetir. Mas isso ainda é pouco, muito pouco. Ainda há uma grave divisão entre os usuários da bicicleta e principalmente na percepção em relação as magrelas.

Veículo dos pobres, excêntricos ou esportistas, a bicicleta ainda tem um longo caminho a percorrer, para ganhar escala no que sempre foi, o melhor meio de transporte urbano para distâncias médias e curtas.

O discurso “cicloativista” tende a ser messiânico, acredita em salvação e redenção. Como os evangélicos acreditam que não são pecadores porque foram lavados pelo sangue de Jesus. Ou tem sabor marxista, intelectuais orgânicos ou engajados, portadores predestinados da missão revolucionária sagrada de mudar o sistema político-social em nome de uma nova ordem mundial.

Com isto, podemos conseguir 2 ou 20 adeptos. Convencer vereadores a votarem “políticas cicloviárias municipais”. E construir “rotas cicláveis” a toque de caixa. Em que isto vai mudar a vida do Sr. Modesto?

Falta perguntar ao homem-de-gravata-que-vai-chegar-atrasado-no-trabalho e à mulher-de-calça-branca-que-leva-os-filhos-ao-colégio se eles querem ser redimidos ou se querem salvar o mundo. Talvez eles queiram apenas chegar aos lugares da forma que lhes for mais conveniente.

Para sensibilizarmos este cidadão mediano, precisamos saber como ele pensa, quais são suas ambições, aspirações e medos. Ainda não sabemos conversar com o “pobre” que usa a bicicleta hoje, mas assim que melhorar de vida um pouquinho, compra uma moto ou um carro usado. Tão pouco sabemos conversar com o cidadão classe média, convencê-lo a usar bicicleta assim como usa escova de dentes, sem fazer dele um ativista, sem levantar bandeiras do anti-consumismo e do ecologismo, batismo de iniciação na excentricidade.

Construir cidades para pessoas e com mais bicicletas é um caminho longo, com muito diálogo e pressão política, mas acima de tudo valorizando o que é mais importante em qualquer planejamento, a condição humana e nossas fragilidades diante do mundo e das máquinas complexas que criamos. Não somos assim tão diferentes de qualquer outro animal social, seguimos líderes, agimos em bando e sozinhos, somos fracos e medrosos.

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Na praia da Barra, muitas pedaladas

Rio, Capital da Bicicleta

A Transporte Ativo, segue, quase como na música de Tim Maia. Mas ao invés do Pontal, estivemos na praia da Barra, em frente a praça do Ó. Foi a terceira etapa da Campanha Educativa, Rio Capital da Bicicleta. Uma parceria entre a Prefeitura do Rio, secretarias de Meio Ambiente e Saúde, CET-Rio e Transporte Ativo.

Tomo guaraná, suco de cajú, goiabada para sobremesa…

Confira o álbum de fotos.

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Uma homenagem

A bicicleta Branca de Brasília

Pedro Davidson estudava biologia e pedalava por Brasília. Foi morto por um motorista em excesso de velocidade, que havia ingerido álcool, trafegou em local proibido e não prestou socorro. No julgamento em primeira instância o júri aceitou a acusação de homicídio com dolo eventual. O motorista foi condenado a cumprir pena de 6 anos em regime semi-aberto.

A jurisprudência de crimes de trânsito no Brasil ainda é complicada e prevalece o entendimento de dolo eventual. A tese é polêmica e também um entrave para que motoristas que tiram vidas sejam punidos com mais rigor.

Nesse contexto é importante a união da comunidade ciclística de Brasília em torno do caso de Pedro. Através da perspectiva daqueles que utilizam a bicicleta no trânsito será possível espalhar a noção de que do lado de fora dos veículos motorizados as vidas são muito frágeis e qualquer risco é grande demais. Por hora esse discurso ainda não ecoou nos tribunais.

Mas é chegado o tempo da bicicleta e com mais ciclistas nas ruas, mais motoristas serão também ciclistas e mais bicicletas serão vistas. Nas palavras de Bob Dylan:

“(…)
Porque a roda ainda gira
e não há como saber para quem
Ela está apontando.
Porque o perdedor agora
Será mais tarde vencedor
Porque os tempos estão a mudar.

(…)

A antiga estrada
Rapidamente envelhece”.

Enquanto se constroem as novas, que Brasília não tenha mais nenhuma bicicleta branca.

Saiba mais:
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Motorista é condenado a cumprir pena de 6 anos

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Em favor das reduções de velocidade

A Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo (CET) reduziu o limite de velocidade no eixo composto pelas avenidas Rubem Berta e 23 de maio. Antes a velocidade máxima permitida podia chegar a 80 km/h em alguns trechos e agora passa a ser de 70 km/h nos quase 8,3 quilômetros em questão. Nas palavras do comunicado da CET:

Medida visa padronizar velocidade no corredor Norte/Sul e proporcionar maior segurança

São dois pontos em que os interesses dos condutores de veículos a motor e ciclistas são afetados positivamente. Ainda que o eixo das avenidas seja inadequado para a circulação de bicicletas.

Muitos motoristas reclamam, com razão, da dificuldade de respeitar os limites de velocidade que variam em uma mesma via. Igualar o limite dentro em um eixo viário resolve o problema. A medida implementada por hora somente no eixo norte/sul, poderia ser expandida para as ruas locais e outras avenidas de São Paulo, uniformizando as velocidades máximas e encorajando os motoristas a conduzir de maneira uniforme e em acordo com a segurança viária.

Ainda em relação a segurança, as avenidas Rubem Berta e 23 de maio concentram um grande fluxo de motoqueiros que, na maior parte do dia, trafegam por entre os carros. Reduzir o limite irá beneficiar portanto os condutores e passageiros desses frágeis motorizados. Limites de velocidade condizentes com a segurança de todos e que sejam fáceis de respeitar são portanto uma medida extremamente positiva.

Incrivelmente, ainda ecoa entre alguns motoristas e na mídia opiniões contrárias a redução da velocidade. Opiniões que carecem de um mínimo de bom senso e tem uma visão extremamente estreita da realidade das ruas. Durante a maior parte do dia a velocidade máxima da via, ou de qualquer via em São Paulo, é irrelevante. A quantidade de veículos motorizados impede o fluxo de todos. Reduzir o limite portanto implica em uma pequena perda nos horários de trânsito livre.

Dois comentários no blog do Luís Nassif, que tratou sobre o assunto, resumem a questão. No primeiro a distância percorrida em metros em cada uma das velocidades e a segurança.

Numa velocidade de 80km/h vc a cada segundo vc avança 22,5 metros e a 70km/h vc avança 19,5 metros, parece pouca diferença, mas considerando que o tempo de reação é de 3/4 de segundo e que a distancia de frenagem após a reação será de 39,5 metros em pista seca para um veiculo a 80km/h e de 34,5 metros se estiver a 70km/h, teremos um total de 56 metros para 80km/h e de 49 metros para 70km/h, são sete metros de diferença, basicamente uma vez e meia o tamanho de um automóvel.

O segundo comentário, trata de uma situação imaginária caso todo o trecho pudesse ser percorrido a uma velocidade constante.

O trajeto do aeroporto de Congonhas até o vale do Anhangabau tem 8,4 km. Os tempos para percorrer este trajeto serão:
70 km/h = 7,2 min
80 km/h = 6,3 min
A diferença é 0,9 min, ou 54 segundos.

Parcela ínfima dos mais de 17.000 quilômetros de ruas e avenidas, esses 8.300 metros passam a ser representativos em relação ao que pode ser feito na cidade. Regular a velocidade tendo a segurança como prioridade é uma medida que salva vidas sem trazer perdas a fluidez motorizada, já tão comprometida. Facilitar a vida do condutor motorizado pode beneficiar a todos, independente do veículo escolhido.

Mais:
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