Geologia, engenharia e harmonia

O progresso já foi a luta do homem contra a natureza. Onde o importante era descobrir maneiras de controlar e subjulgar o “mundo natural”. Os avanços do século XX levaram essa noção de progresso a extremos que se mostraram hoje um grande erro de concepção.

Canalizações de rios, contenções de encostas, aterros e outras grandes interferências humanas no ambiente podem ser compreendidas somente em tragédias como as que atingiram o Rio de Janeiro nesse começo de abril de 2010.

Onde antes haviam rios, florestas, pântanos e lagoas hoje está presente o asfalto e o concreto. O poder humano diante da intensidade das chuvas em um país tropical é insignificante.

Da mesma forma que a problemática ocupação urbana carioca foi produzida ao longo de algumas centenas de anos, pelo menos mais algumas décadas serão necessárias para reverter os malefícios.

A construção de uma cidade mais humana é também a luta por uma cidade que saiba conviver melhor com o ambiente natural. Medidas podem ser tomadas para reverter a ocupação irregular de encostas que tira vidas. Mas não só isso.

Os rios, córregos e corpos d’água nunca mais poderão ser os mesmos de antes da ocupação humana, resta a cada dia buscar devolver-lhes um pouco do espaço e possibilitar que possam fluir o mais próximo possível do natural.

Além disso, todas as medidas de construção de uma cidade em harmonia com a natureza passa pelo melhor uso do ambiente urbano. O espaço de circulação, hoje intensivo no uso de asfalto e concreto pode dar lugar a mais árvores e vazios para drenagem. As construções podem ser mais do que esculturas a base de tijolos e cimento para também serem capazes de absorver um pouco da água das chuvas e impedir as enxurradas que destroem e inundam.

Qualquer cidade é fruto das escolhas feitas por seus habitantes. Cidades viáveis no futuro serão aquelas que souberem lidar com as adversidades de maneira adequada além de reverter um quadro desfavorável. Não é apenas um voto em prol da qualidade de vida, mas também da sobrevivência.

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Pedestres para cidades saudáveis

Todos os urbanóides vivem em um bairro. As pessoas não vivem em uma cidade, uma região metropolitana, uma estado ou um país. A vida urbana se constrói nos bairros e em suas ruas e avenidas.

Uma cidade só é saudável e viva quando tem bairros saudáveis em que as pessoas podem atender suas necessidades cotidianas a pé. Ir ao banco, a um restaurante, ao mercado ou a padaria.

O raio de ação do pedestre é limitado e por isso um bom bairro tem de ser minimamente denso. Bairros dormitórios ou a urbanização aos moldes de “cidades jardim” são falhas por não levar em consideração as distância e necessidades cotidianas. Sofrem com isso a população de baixa renda, isolada em conjuntos habitacionais e os mais abastados, isolados do restante da cidade em bairros protegidos.

Enquanto as cidades não caminham para retornar a sua função original de habitats densos para seres humanos, resta a quem tem a chance, escolher viver em bairros que congreguem facilidades para os pedestres.

A aventura humana se traça por linhas tortas e os passos lentos que nos possiblitaram dominar o planeta são os mesmos que tem de ser olhados com mais atenção. Esse já é o discurso da nova mobilidade e pode ser a bandeira dos movimentos ambientalistas para as cidades. Afinal, todos precisamos da Amazônia e outros ecossistemas naturais. Ainda que a maioria de nós não viva na selva, mas nos gigantescos zoológicos humanos que são as cidades.

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Fluxos e seus sentidos

Reza a lenda que durante as reformas na Avenida Central no Rio de Janeiro (atual Rio Branco), foi feita uma tentativa de ordenar o fluxo de pedestres. De um lado deveriam caminhar todos em direção a praça Mauá, do outro o rumo deveria ser a Cinelândia. Uma rápida visita ao centro do Rio hoje irá deixar claro que felizmente a idéia não vingou.

Ordenar o fluxo pertence a lógica da circulação de veículos motorizados. Na falta de trilhos, o ideal é mantê-los sempre no mesmo sentido para evitar colisões e maximizar a segurança e fluidez. Em outras palavras, mão e contra-mão é um conceito que se aplica aos deslocamentos de máquinas, não de pessoas.

O mesmo Código de Trânsito Brasileiro (CTB) que trata a bicicleta com veículo garante que uma via pode ser sinalizada para que a bicicleta vá no contrafluxo do trânsito motorizado.

Artigo 58:

Parágrafo único. A autoridade de trânsito com circunscrição sobre a via poderá autorizar a circulação de bicicletas no sentido contrário ao fluxo dos veículos automotores, desde que dotado o trecho com ciclofaixa

Afinal, quem se move pela própria energia insere-se em uma lógica de deslocamento distinta das máquinas. Exatamente por conta dessa constatação, ao redor do mundo políticas de promoção aos deslocamentos em bicicleta tem garantido aos ciclistas maneiras seguras de seguir livremente. Como no vídeo abaixo:

Buscar reprimir os ciclistas “fora da lei” que pedalam na contramão é de certa forma o que buscou-se fazer na Rio Branco no começo do século XX. Ao facilitar os deslocamentos humanos (a pé ou de bicicleta), o planejamento urbano garante que a cidade seja das pessoas e que as máquinas sigam apenas sendo os facilitadores de deslocamentos, coadjuvantes da vida urbana.

O exemplo aplicado nas ruas da Europa mostra que o caminho natural para vias dentro dos bairros é o que já está previsto no CTB. Permitir o fluxo livre para as bicicletas e uma única mão de direção para os motorizados. Como o em Munique.
Bicicleta contramão Alemanha

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Livros a pedal

A bicicleta permite interações e novos usos para o espaço. Um exemplo que pode e deve ser difundido é o projeto Bicicloteca, uma iniciativa que distribui livros gratuitamente em um bairro da periferia de São Paulo. Idéia simples que muda as pessoas, um livro de cada vez.

E eu, no entanto, livro nas mãos
sentado no banco
viajo além do vai-vém
daqueles a quem o ponto é um pranto
que escorre porquanto o busão não vem

A pressa é um manto
cobrindo a visão dos homens
que de correr tanto
não vêem nem céu nem chão
Que dirá o livro em branco
que cada olhar manso têm
(…)

Leia o restante do poema.

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O futuro é hoje

labirinto - caminho da escola

O trânsito nas cidades oprime as pessoas, causa estresse e medo da violência. As cidades são construídas por adultos e para adultos, que têm uma carga racional e emocional mais apta a lidar com situações extremas – ou deveriam ter.

Crianças sofrem muito mais com a degeneração do espaço urbano, porque elas não são “pequenos adultos”. Elas têm uma dimensão própria e uma forma lúdica de lidar com o espaço onde moram e se movem. Precisam de liberdade para explorar e descobrir o mundo. Desconhecem os perigos reais e os fictícios.

As crianças são totalmente esquecidas e alienadas pelo urbanismo, pelos arquitetos e planejadores das cidades. Os espaços públicos, os meios de transporte e as ruas são projetadas para adultos. Adultos que dirigem um carro. Mas estes adultos estão abandonando as cidades, mesmo morando nelas. Estamos cada vez mais nos fechando em conchas de aço e vidro.

Movidos pelo medo, que brota nesta cidade fragmentada, há todo um movimento de pais e mães no sentido de deixar as crianças o mais longe possível das ruas. Cada vez mais as crianças caminham menos, andam menos de bicicleta e adquirem doenças típicas de adultos mais cedo, como estresse e obesidade.

O projeto “Transporte Ativo na escola” tem a intenção de contribuir para este debate. Mais do que isto, queremos que as bicicletas voltem a ser coisa de criança! Que as ruas sejam espaço de encontro, não um canal de violência e medo.

Em dezembro do ano passado, entramos em contato com o renomado ilustrador Lelis e ele doou para a TA cinco desenhos infantis inéditos e exclusivos. Com estas ilustrações produzimos folhas para colorir, labirintos e palavras cruzadas. Os jogos estão disponíveis na página do Projeto Transporte Ativo na escola e podem ser usados livremente.

Se você é professor, leve para sua sala de aula. Se você é pai ou mãe, divirta-se com seus filhos e indique na escola deles. Se o presente parece escapar das nossas mãos, vamos construir o futuro agora: uma cidade onde meninos e meninas possam andar a pé e de bicicleta.

para colorir - menino de bicicleta - coloring page boy riding a bicycle

Lelis é ilustrador mineiro, atualmente contribui para o Jornal Estado de Minas. Tem albuns de quadrinhos publicados, inclusive na França; participou do projeto Cidades Ilustradas, da Editora Casa 21, para quem fez um livro sobre Ouro Preto “Cidades do Ouro“; está trabalhando na ilustração de Clara dos Anjos, obra do Lima Barreto que vai sair em quadrinhos.
Lelis tem um traço marcante. Confira 3 de suas ilustrações:

  • City monster
  • Cavaleiro do apocalipse
  • Cidade para carros
  • e faça um passeio pelo blog dele em busca de mais bicicletas!

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