O que aconteceria se ciclistas respeitassem todas as leis de trânsito

 

“Precisamos entender urgentemente que as leis de trânsito foram redigidas de maneira cuidadosa e criteriosa em busca da segurança de todos. As mesmas regras que se aplicam aos motoristas, aplicam-se aos ciclistas. Certamente nada pode dar errado.”

 

O comentário irônico acima foi escrito pelo perfil satírico de “Bob Gunderson”, mas infelizmente existem pessoas que efetivamente acreditam na letra fria das leis de trânsito como regras canônicas pensadas para resguardar a segurança geral. Doce ilusão.

Todo o arcabouço jurídico que busca organizar a circulação viária foi pensado da mesma maneira que as ruas foram construídas ao longo do século XX, garantir a maior fluidez motorizada possível. Tendo a velocidade como valor sagrado dessa tal de “modernidade”.

Exacerbar o rídiculo de tentar aplicar para as bicicletas leis de trânsito criadas para a circulação de motores foi a excelente iniciativa de um grupo de ciclistas em São Francisco na Califórnia. Por lá, condutores devem parar completamente nos cruzamentos sinalizados com a placa PARE. Em uma infeliz decisão, a autoridade de trânsito local resolveu punir infratores dessa regra que estiverem em bicicleta.

Gastar tempo e recursos humanos preciosos para punir ciclistas é a pior decisão possível. Ainda mais ao se saber que na busca de zerar ocorrências de trânsito com mortos e feridos com sequelas, a famosa visão zero, a cidade californiana tem buscado punir com rigor as 5 infrações que mais impacto negativo tiveram na letalidade viária.

Ciclistas conscientes da própria vulnerabilidade no trânsito sabem adaptar sua conduta para promover a própria segurança. Adaptações legais são portanto uma iniciativa eficiente para realmente garantir que as regras promovam o bem estar geral, sem privilegiar os deslocamentos de carruagens de aço em detrimento das pessoas.

O absurdo carrocentrico fica explícito no vídeo abaixo:

Já a lógica ciclista fica manifesta no “Idaho STOP”, legislação estadual em Idaho que permite aos ciclistas tratarem placas e semáforos dentro da lógica mais simples.

As regras de trânsito precisam de mais atenção às experiências dos usuários e menos engenharia de trânsito. Do contrário pedestres deverão ter habilitação para atravessar a rua, ou pior, semáforos que privilegiam automóveis virão com manual de instrução para quem se movimenta por modos suaves.

Saiba mais:

This Is What Happened When Bicyclists Obeyed Traffic Laws Along The Wiggle Yesterday

New SFPD Park Station Captain’s Bike Crackdown Won’t Make Streets Safer

Full Bike Compliance With the Stop Sign Law: An Effective Spectacle

Uma ciclovia para abrir novas avenidas

São Paulo, 28/06/2015 - Inauguração da ciclovia da Av. Paulista. Foto: André Tambucci / Fotos Públicas

São Paulo, 28/06/2015 – Inauguração da ciclovia da Av. Paulista. Foto: André Tambucci / Fotos Públicas

A Avenida Paulista é a melhor ágora que sobrevive em São Paulo. Todo movimento político e toda discussão que diz respeito a polis tem de passar por lá ou tem no vão do MASP seu epicentro.

Torna-se óbvio que a praça do ciclista tenha sido disputada e ganha pelo movimento cicloativista para que a bicicleta ganhasse espaço na cidade. Mas a inauguração da mais paulista das ciclovias foi mais que vitória de um grupo ativista ou de aficcionados pelas pedaladas. Foi retomada do espaço público, foi mais uma porteira que se abriu em prol de uma cidade para pessoas.

Aos que estão empenhados em mais bicicletas na cidade há décadas, foi o coroamento de um sonho; os que pedalam há apenas alguns anos, foi o incentivo para que se mantenha a cadência; para quem acabou de descobrir os pedais foi deslumbramento.

Já para quem tem dúvidas sobre o que uma cidade para pessoas significa, foi um manual completo de introdução a uma cidade melhor.

São Paulo, 28/06/2015 - Inauguração da ciclovia da Av. Paulista. Foto: André Tambucci / Fotos Públicas

São Paulo, 28/06/2015 – Inauguração da ciclovia da Av. Paulista. Foto: André Tambucci / Fotos Públicas

O comércio não conseguiu atender a demanda, a alegria transbordou em lágrimas e sorrisos e o asfalto conheceu o silêncio, as conversas sem gritos e o ar limpo.

Política pública da melhor qualidade é a que parte da sociedade civil organizada, é encampada pelo poder público e transforma a realidade. Sempre foi essa a intenção da massa crítica de São Paulo, nascida em 29 de junho de 2002. A reação em cadeia que pessoas em bicicleta quiseram iniciar 13 anos atrás, depois de muitos catalisadores agora está agindo de maneira quase espontânea.

O cicloativismo ainda não chegou ao ponto de ser desnecessário, mas a cada pedalada é possível enxergar mais perto o fim do movimento que se tornará extinguirá quando for incorporado por toda a sociedade.

Pedalemos. As cidades ainda não mudaram, mas cada vez mais pessoas em mais bicicletas mais vezes irão realizar utopias.

Leia mais:

A política pública se torna “chic” e distante do povo quando começar em áreas nobres!

Ocupando o símbolo de São Paulo

33 imagens adoráveis da inauguração da ciclovia na Avenida Paulista

A mais paulista das ciclovias

IMG_9659
Inaugura-se a mais visível das ciclovias nesse dia 28 de junho de 2015. É a que passa na praça do Ciclista e leva até o Paraíso. Sem parênteses, sem “mas”. É concreto pigmentado assentado e sinalizado para que pessoas possam optar pela bicicleta na mais paulista das avenidas.

7 razões por que a ciclovia da Avenida Paulista é tão especial:

  1. é vitória de quem promove a bicicleta;
  2. é homenagem aos que perderam a vida pedalando;
  3. é o reconhecimento da praça do Ciclista;
  4. é o reconhecimento aos que fazem e fizeram parte da bicicletada;
  5. é um incentivo para quem já pedala e quer pedalar;
  6. é uma pedalada fundamental na via com mais de 1,5 milhão de pedestres;
  7. será um novo cartão postal (com bicicletas passando).

IMG_9648

Como em todas as cidades que buscaram implementar uma política cicloviária, houveram resistências. O discurso em geral passa pelo “sou a favor de bicicletas, mas (…)” e logo a disputa se partidarizou. Mas objetivamente quando o Ministério Público buscou barrar implantação (tão aguardada) de vias para a bicicleta, cerca de 7 mil pessoas ganharam as ruas e aí tudo mudou de figura. Deixou de ser partidários das letras XYZ vs ZYX, tornou-se uma defesa em favor da bicicleta.

Os avanços nas conquistas para quem pedala em São Paulo ainda tem de continuar e precisam seguir na próxima administração, seja qual for a cor do partido do prefeito. Ainda está em disputa a narrativa de a quem pertence a bicicleta, mas cada vez mais ela está com as pessoas e não com o alcaide da vez.

São Paulo ainda não se transformou, mas as pessoas estão mudando. Mudam suas realidades ao pedalarem e mudam seus sonhos de cidade.

Leia mais:

7 razões por que a ciclovia da Avenida Paulista é tão especial
A importância da ciclovia da Avenida Paulista
A História dos Estudos de Bicicletas na CET

É preciso celebrar a bicicleta – #BrasilnoVelocity

 

Zoológicos de vontades e movimento, as cidades funcionam de acordo com os desejos de seus cidadãos e os estímulos que recebem. A manutenção de comportamentos, ainda que possam ser coletivamente destrutivos é quase um padrão universal.

Buscar maneiras de celebrar a bicicleta e espalhar as alegrias que ela é capaz foi a ideia por trás do seminário “Celebrate cycling and pass it on” http://www.velo-city2015.com/en/event/celebrate-cycling-pass/ (Celebre a bicicleta e passe adiante) que aconteceu durante o primeiro dia de palestras no Velo-City 2015.

A idéia geral do seminário foi apresentar maneiras com que a bicicleta foi promovida como agente de transformação de comportamento. Com iniciativas em escolas, empresas e para o público em geral, foi possível entender alguns padrões.

Bicicleta, agente de transformação

Existem uma série de medidas suaves para promover o uso da bicicleta é em cada cenário elas têm relevância relativa. Mas em geral sempre se inicia a ação com o envolvimento de voluntários engajados que são agentes de transformação dentro de suas comunidades. Seja um professor que sensibiliza seus alunos, estudantes dentro da sala de aula ou funcionários de uma empresa que promovem de maneira mais direta e pessoal o uso da bicicleta.

Como incentivar o uso da bicicleta nas escolas

Dois exemplos de promoção a mobilidade ativa em escolas foram apresentados, o Pondej Chaowarat, pesquisador da Universidade de Mahasarakham (Tailândia) trouxe exemplos de “medidas suaves de incentivo”. O caso tailandês traz uma grande similaridade com o Brasil, tendo a diferença de renda como um aspecto diferenciador fundamental sobre as escolhas e opções de transporte.

Os impactos da renda familiar nas viagens dos alunos até a escola foram uma constatação fundamental. Em geral são as famílias com maior poder aquisitivo que utilizam o “método helicóptero” de transporte de estudantes, tanto pela disponibilidade dos responsáveis em fazer viagens de carro, quanto as distâncias maiores que os mais ricos cruzam para irem estudar. Escolas frequentadas pelos mais pobres em geral estão inseridas dentro das comunidades, o que implica deslocamentos mais curtos. Além disso, os responsáveis tem menos disponibilidade de tempo e dinheiro para transportarem seus filhos, o que implica que eles pedalem e caminhem mais até a sala de aula.

Um vídeo da prefeitura de Frankfurt na Alemanha faz piada com o desafio a ser enfrentado dentro e fora da Europa.

Na metodologia do “Stars Project”, centrada em escolas, primeiro forma-se um grupo de alunos embaixadores, que se reúne regularmente. Eles fazem uma pesquisa origem destino dentro da comunidade escolar e complexidade é variável, desde alunos que levantam as mãos na sala, até entrevistas mais completas. Concluído o levantamento, os alunos pensam em ações para encorajar os colegas a pedalarem.

Desde tapete vermelho para alunos que pedalam até café da manhã para ciclistas, cada escola inventa sua solução, grandes e pequenos incentivos são fundamentais.

Saiba mais sobre o Stars Project e sua metodologia.

Um desafio para que ciclistas pedalem mais

Desde 2012, realiza-se anualmente o Desafio Ciclístico Europeu (European Cycling Challenge). Durante o mês de maio, cidadãos de cidades européias são incentivados a pedalarem cada vez mais em uma disputa para decidir onde mais se pedala no continente. Elodie Vanpoulle apresentou um panorama direto da cidade de Lille, na França.

Por meio do incentivo para a formação de times, incentiva-se o maior número de pessoas a pedalarem e caminharem mais ao trabalho. A competição é entre cidades européias, mas a participação de pequenos grupos que disputam entre si, traz para a realidade local o desafio continental.

Com o propósito claro de dar vida a um jogo divertido, o Desafio traz como benefício para as cidades que tem bastante participantes um “mapa de calor” dos caminhos mais utilizados pelos ciclistas em seus deslocamentos. Todos os traçados são sobrepostos nas ruas da cidade e as ruas por onde transitaram o maior número de ciclistas durante o mês da ação aparecem mais “aquecidas”.

Durante os primeiros anos, foi utilizado o aplicativo Endomondo, mas atualmente utiliza-se o Cycling 365, desenhado especificamente para o Desafio Ciclístico Europeu e que pode ser utilizado por qualquer pessoa para visualizar seus trajetos.

Planejamento personalizado de viagens

Através do contato direto e o incentivo pessoal uma política de planejamento personalizado de viagens busca fazer com que as que pessoas que já estão propensas a mudarem de comportamento passem a utilizar a bicicleta.

Alex Quayle da “PTP-Cycle – Personalised Travel Planning for Cycling” trouxe exemplos de planejamento de viagens, um tipo de iniciativa que almeja com que distintos públicos modifiquem para melhor seus deslocamentos nas cidades. Na cidade de Antuérpia na Bélgica, uma nova linha de veículos leves sobre trilhos, o popular bonde, foi o impulso oficial para que fosse feito um esforço junto às empresas que funcionavam na área de influência da nova linha.

O trabalho, além de ser segmentado junto às empresas, também levou em consideração as restrições viárias que impactariam o local durante os dois anos de obras e promoveu a bicicleta como a alternativa perfeita.

Dentro de um esforço de marketing, foram distribuídos panfletos explicando as intervenções e oferencendo o planejamento de viagens como uma alternativa. Brindes, mapas, estações de reparo de bicicletas e principalmente um guia de mobilidade adaptado a cada empresa.

Produzido o material, também era necessário treinar um grupo de agentes aptos a seguir a conversa pessoalmente junto ao público que iria efetivamente ser incentivado a mudar suas escolhas de mobilidade. Além de entregar o material promocional produzido, os agentes tinham como missão identificar os “campeões do planejamento de viagens”, isso é, funcionários aptos a espalhar a mensagem dentro das suas organizações.

Como o projeto ainda está em andamento, a fase de avaliação ainda não foi concluída. Mas cada empresa participante tem sua divisão modal avaliada antes e depois da implementação para que o impacto possa ser comparado. Na primeira empresa avaliada, com 462 funcionários, o uso da bicicleta subiu 17%, de 15% para 18% das viagens dos funcionários.

Saiba mais sobre o trabalho da PTP-Cycle.

Bicicletas e ciclovias, da sala de aula para a rua

Laranj3_Droid

Reunião entre técnicos da prefeitura e estudantes, promovida pela TA  – foto de 2011.

O esforço para trazer mais bicicletas para as ruas das Laranjeiras e Cosme Velho começou na sala de aula, com estudantes que fizeram o planejamento cicloviário da região para um trabalho acadêmico da escola.

Alunos de 15 e 16 anos, do 1º e 2º ano do Ensino Médio do Liceu Franco-Brasileiro, resolveram ir além da insatisfação com o trânsito e buscar uma solução. No fim de 2010, o grupo Franco Droid, formado na turma de Robótica do colégio, criou um projeto de ciclovia para a região de Catete, Largo do Machado, Laranjeiras e Flamengo.

Além de apresentar o trabalho na Noruega, o resultado foi apresentado à prefeitura. Na sequência, a comunidade se mobilizou para aferir o fluxo de ciclistas e com apoio popular e um plano esboçado, era hora do poder público agir.

Aos poucos o resultado do que começou nos bancos escolares começa a aparecer.

Tal como o óleo da corrente da bicicleta, a sociedade civil contribuiu para que o movimento seguisse mais macio. Por hora são as ruas que serão retomadas para as pessoas, mas nada impede imaginar e planejar para que também os rios possam correr livres e limpos pelos espaços que lhes foram suprimidos.

O rio Carioca desce do maciço da Tijuca até a praia do Flamengo serpeteando pelo Cosme Velho e as Laranjeiras. As águas hoje poluídas que deram nome à população do Rio de Janeiro estão em grande parte submersas, mas a fluidez hidrográfica ainda pode se sentir nas curvas do asfalto que passam por cima da canalização.

Ainda falta um longo caminho para devolver à cidade a beleza de seu mais famoso curso d´água, mas ao menos o sinuoso aclive que liga o mar à montanha já começa a contar com uma malha cicloviária para permitir que flua mais gente pelas ruas.

Saiba mais:

Proposta para criação de infraestrutura cicloviária no Cosme Velho e Laranjeiras
Estudantes cariocas participam de competição de robótica na Dinamarca
A contagem de bicicletas em Laranjeiras
Rio vai ganhar ciclovia de 10,4 km entre Cosme Velho e Botafogo após pedido de estudantes