São Paulo pedala atrás do prejuízo

A melhor notícia do início de 2015 é ainda apenas uma obra em construção. Com modificações no canteiro central da avenida Paulista, São Paulo ganhará um importante espaço de circulação para pessoas na via que é cartão postal da cidade. Parte icônica do plano de metas da atual administração a nova ciclovia irá garantir ainda mais visibilidade e atrair mais pessoas para utilizarem a bicicleta na capital brasileira dos congestionamentos motorizados.

Há no entanto uma crítica fundamental a ser feita, tanto a nova ciclovia quanto todo o planejamento cicloviário em curso na cidade estão atrasados em sua execução. A cidade já deveria ter aberto espaço inclusivo e seguro para a circulação de bicicletas há muito tempo. O número da dívida, apenas de promessas não cumpridas, são de 367km de vias planejadas, a maioria delas não executadas.

Breve histórico do cicloativismo paulistano

No início do século XXI, São Paulo abrasileirou as pedaladas da Massa Crítica, nascidas em 1992 em São Franscisco. Começou apenas crítica e demorou a tornar-se massa, mas a bicicletada paulistana alcançou ambos os objetivos antes do fim da primeira década dos anos 2000. O cicloativismo e os protestos em favor de mais infraestrutura cicloviária exerceram papel fundamental. Represadas em passeios noturnos de lazer, em projetos cicloviários de gavetas, ignoradas e sem visibilidade, as bicicletas ganharam as ruas através da voz dos cicloativistas. Pedalar tornou-se relevante para a cidade também por esforço conjunto dos que agiam e pensavam as ruas em cima de um selim.

Através da bicicletada muitos amadureceram e debravaram novos rumos. Ciclocidade, CicloBr, ciclistas infiltrados em empresas e no poder público e até mesmo novas empresas de ciclistas. As pessoas críticas que se reuniram em massa nas bicicletadas formaram laços e passaram a agir e pensar uma nova cidade. Alimentada pelo ativismo e pela visibilidade internacional crescente da bicicleta, São Paulo começou a se imaginar pedalável por um grupo crescente de pessoas.

A incorporação da bicicleta pelo poder público

Em uma campanha eleitoral que trouxe uma narrativa de esperança e transformação para a cidade, o atual prefeito Fernando Haddad incorporou a bicicleta em suas promessas eleitorais. Essa incorporação deu-se por dois motivos, ambos fruto do ativismo que se expandiu durante as bicicletadas. Ciclistas infiltrados próximos aos círculos de poder e também a pressão da sociedade civil organizada em favor da bicicleta. As pedaladas com todos os candidatos à prefeitura organizadas pela Ciclocidade e o CicloBr, foram capazes de ultrapassar a barreira das promessas de campanha. A bicicleta primeiro foi incorporada ao discurso eleitoral e aos poucos ganhou as ruas com o plano de 400km de infraestrutura cicloviária até o fim do mandato do candidato eleito.

Ao ganhar as ruas e ser defendida como bandeira da administração municipal, a bicicleta deixou os cicloativistas sem grandes protestos a serem feitos. O sonho de uma cidade favorável às bicicletas deixava de ser pauta restrita aos ativistas e passou a ser discurso oficial do poder público. Incentivar e construir uma metrópole pedalável pela primeira vez ganhou contornos partidários claros. Os esforços históricos dos ciclistas em favor do planejamento cicloviário passaram a ser confundidos como bandeira governista.

A oposição de alguns partidos ao governo municipal em relação à bicicleta ainda seguirá prática corriqueira, mas tende a se esmorecer. O caminho a ser pedalado daqui em diante por quem gosta e promove a bicicleta na paulicéia é o desafio presente.

Uma agenda conjunta em prol da bicicleta

O desafio é inédito, mas segue no caminho necessário de decretar o fim do cicloativismo. É hora de exercer outras pressões, incorporar a promoção ao uso da bicicleta como bandeira maior e um necessidade da sociedade, não apenas dos que pedalam. As ciclovias de papel e o planejamento cicloviário que recheava páginas de jornal e embalava peixes no dia seguinte precisa ser uma memória do passado.

A ciclovia da paulista e o planejamento cicloviário agora sendo adotado pela cidade de São Paulo tem elementos já em desuso mundo afora. O principal deles são as ciclovias em canteiros centrais que forçam o ciclista a cruzar várias faixas de trânsito motorizado para atingir uma “pista expressa para bicicletas”, sem conexão com os prédios, o comércio e as moradias. Mas essas mesmas estruturas já eram para ter sido implementadas anos atrás, pedala-se atrás do tempo perdido.

Durante o planejamento e execução da promessa de campanha dos 400km para circulação de bicicletas cresce a onda que trás mais pessoas para as pedaladas. Esses novos ciclistas precisam poder contar com os que já pedalavam apesar de todos os desincentivos. O número crescente ao mesmo tempo aumenta a segurança viária de todos por acostumar os motoristas a lidar e enxergar a circulação humana.

Em uma perspectiva esperançosa, mais pessoas em mais bicicletas mais vezes irão demandar uma infraestrutura maior e melhor. Para quem enxerga a vida como uma eterna subida a vinculação da pauta cicloviária a uma determinada administração pode trazer enormes retrocessos futuros. O próprio exemplo paulistano permite o otimismo. As ciclofaixas de lazer mantiveram-se com a transição partidária e foram em parte responsáveis por dar visibilidade a demanda reprimida pela liberdade da circulação humana. O exemplo carioca também permite o otimismo. Mesmo com altos e baixos desde os anos 1990 até hoje, a bicicleta sempre esteve presente na vida administrativa da cidade.

Uma agenda conjunta que fortaleça uma política cicloviária em São Paulo para além das eleições precisará cada dia mais de uma sociedade civil organizada e compromissada em garantir cada vez mais pessoas em mais bicicletas mais vezes.

Outras leituras:

A Bicicleta nos Planos Regionais Estratégicos – SVMA (2005)
Cicloativistas a beira de um ataque de nervos
SP tem 50 km de vias para bicicletas; meta é 367 km
Eleições 2012 e a bicicleta em São Paulo
São Paulo pode comportar mil quilômetros de ciclovias – Jilmar Tatto (atual secretário municipal de transportes)
Danish Bicycle Infrastructure History – Copenhagenize.com
Bruno Torturra: Vias públicas são políticas

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *