O Não Transporte

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Foto Zé Lobo

Uma tese apresentada em maio de 1989 no VII Congresso Brasileiro de Transporte Público continua atual. As idéias partiram da Comissão de Circulação e Urbanismo da Associação Nacional de Transporte Público – ANTP, a tese: “Não Transporte: a reconquista do espaço tempo social”.

A tese defendia a idéia da redução das viagens motorizadas como solução para o deslocamento sustentável. Ao invés de vias ociosas nos horários de pico no contrafluxo, defendiam-se as mãos horárias, isto é, nos horários de pico, vias de mão dupla teriam todas as pistas funcionando num único sentido, acabando com a ociosidade no contrafluxo. Defendiam-se bairros com mais autonomia nas atividades de trabalho e cotidianas, através da descentralização de unidades públicas, industriais e comerciais, evitando assim o deslocamento das pessoas para outros bairros em busca destes serviços. Mostrava-se que o deslocamento a pé e de bicicleta poderiam ser tratados com a mesma seriedade de uma via de automóvel com planejamento, iluminação, orientação, e estar adequadamente pavimentada, sem buracos e com piso de qualidade. Defendia-se que o transporte coletivo podia ter serviços de qualidade no atendimento aos usuários, reduzindo o tempo de viagem com faixas e vias exclusivas, diversificando os serviços para atender os vários públicos. Além disso, apresentaram a idéia de um reordenamento profundo do espaço urbano através de políticas que obrigassem a ocupação dos espaços vazios em áreas infraestruturadas que estivessem retidos pela especulação imobiliária.

Passados 18 anos após o lançamento dessa primeira semente podemos ver o quão atual ela ainda é. Ao longo desse tempo, a Comissão de Circulação e Urbanismo escreveu outras teses complementares dando prosseguimento à proposta do não transporte. Atualmente, o conceito recebe também o nome de mobilidade sustentável, e ainda precisa percorrer um longo caminho para tornar-se hegemônica no nosso país.

Defender hoje a tese do não transporte significa introduzir o conceito do tempo no uso da cidade, o que é essencial à apropriação social do espaço de mobilidade. Dessa forma, ter pedestres, ônibus, carros e bicicletas compartilhando o tempo e o espaço na cidade, não se torna um sonho impossível. A rua poderia ser usada pelos pedestres e veículos. O tráfego de bicicleta seria demarcado apenas por um desenho na via. Isso já ocorre em cidades européias, onde também as vias de automóveis têm seu leito reduzido para ceder espaço às bicicletas, ou se compartilha o espaço entre todas as formas de deslocamento.

Uma revolução de valores acontece quando a calçada atravessa a rua e o carro é obrigado a pedir licença ao pedestre. As crianças podem voltar a ser crianças, os velhos e paraplégicos podem seguir como cidadãos seu ritmo próprio, e a grama deixar de ser estacionamento de automóveis.

> A matéria apresentada baseou-se em artigo publicado na Revista dos Transportes Públicos – ANTP – Ano 23 – 2001 – 2º Semestre – “Não Transporte, 10 anos depois Resultados do trabalho da Comissão de Circulação e Urbanismo da ANTP” escrito pelo Vice-presidente da Associação Nacional de Transporte Público, presidente da Comissão de Circulação e Urbanismo e presidente do Instituto Ruaviva – Sr.Nazareno Stanislau Affonso.

2 thoughts on “O Não Transporte

  1. A ‘calçada que atravessa a rua e o carro é que pede licença pra passar’ me lembrou da via lateral que tem na Praia do Flamengo no Rio de Janeiro. Não chega a tanto, mas a faixa de pedestres fica no mesmo nível da calçada, facilitando a travessia a qualquer um, em especial aos deficientes físicos em geral. De lambuja a rua ganha quebra-molas suaves que fazem o papel de inibir a malandragem do motorista que quer ganhar um metro e pára sobre a faixa. Pena que é só ali.

  2. NÃO-TRANSPORTE. É isso mesmo ? pensei que fosse um sistema de evitar que as pessoas tivessem de usar o transporte – público ou particular – para trabalhar, fazer compras e assim por diante.

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