Para repensar a hora do rush

Utrecht, capital da província holandesa homônima é assim durante a hora do rush. Um mar de bicicletas e muito transporte público. Vale a pena ouvir o silêncio e ver a harmonia do trânsito. Vale a pena pensar os caminhos que levaram a cidade a ser o que é hoje.

A Holanda do século XXI é um modelo mundial de mobilidade urbana. A participação das bicicletas é de aproximandamente 30% das viagens em todas as cidades do país. Ser um país pequeno com cidades médias certamente facilitou a implementação de uma política cicloviária que rendeu frutos e tornou-se exemplo mundo afora.

No entanto, a realidade de hoje não é fruto do acaso ou de intervenção divina, foram uma opção política construída desde os anos 1970, depois da crise do petróleo. Os reflexos macroeconomicos são claros, uma menor dependência energética holandesa possibilitou ao país construir um horizonte melhor para os seus habitantes, sem ter de mobilizar tantos recursos financeiros para queimar combustíveis fósseis.

Por conta do círculo virtuoso que a bicicleta é capaz de colocar em movimento, os holandeses não sofrem com epidemia mundial de obesidade e puderam manter suas cidades dentro da escala humana.

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Bicicletas e a natureza das cidades

Cidade e Bicicleta

Ciclistas apocalípticos certamente são desbravadores do espaço urbano que descobriram, pelas bordas, como transitar pelas ruas e avenidas de qualquer cidade e esse é um ponto de inflexão fundamental. A bicicleta não é ato heróico de um pequeno grupo, mas uma demanda reprimida por uma parte considerável da sociedade.

A consciência ambiental e a necessidade de diminuir, individualmente, os impactos negativos sobre o meio ambiente pode ser um bom motivador para que mais pessoas pedalem, mas não é suficiente. Quem incorpora a bicicleta ao seu dia-a-dia pratica um desafio intermodal diário e comprova sempre que a bicicleta é um meio rápido e eficiente de ir de um lugar a outro.

Mesmo apesar do ditado, contra fatos, podem sempre surgir novos argumentos. Mas nada é capaz de atacar a maior vantagem da bicicleta, sua unicidade com o conceito milenar do que é uma cidade.

Desde antes de Roma, capital do Império, seres humanos se concentraram em um raio de 30 minutos de tudo o que precisavam. Ao longo do tempo os meios técnicos possibilitaram que a mesma meia hora de sempre se torna-se maior no espaço. As cidades se expandiram no ritmo dos motores que convertiam energia em movimento.

Foi essa capacidade técnica no entanto que nos trouxe até o colapso do modelo de cidade baseado na transformação de energia em movimento por meio de máquinas. A bicicleta é meio ideal, novamente pelas bordas, de reinventar as cidades com a atual estrutura que temos.

A velocidade média do trânsito motorizado chega a ficar abaixo dos 14km/h que um ciclista, qualquer ciclista, é perfeitamente capaz de desenvolver. Exatamente por isso a média de tempo gasto em deslocamento pelos paulistanos beira as 3 horas diárias. Tempo suficiente para que um ciclista percorra aproximadamente 42 quilômetros, um raio de ação considerável, mas que na verdade traduz quão demasiadamente espalhada está a população na região Metropolitana de São Paulo.

A bicicleta deve portanto ser ao mesmo tempo bússola para indicar para onde devem ir nossas cidades e um compasso, para traçar no mapa os círculos naturais que definam o tamanho dos pólos urbanos. Sejam eles bairros ou cidades em uma região metropolitana. Dentro desses círculos precisam estar as mesmas três milenares necessidades humanas de sempre: habitação, sustento e lazer.

Planejar cidades atualmente é apenas uma maneira mais complexa de fazermos o mesmo que sempre fizemos, desde o tempo das cavernas. A diferença é que pela densidade e diversidade, precisamos de mais ferramentas e mais inteligência para empregá-las corretamente.

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As cidades e seus caminhos

Nossas cidades são os percursos que fazemos nelas e no século XXI estamos reaprendendo a importância da densidade humana. A grande vantagem e dificuldade do meio urbano. Para imaginar como serão as cidades do futuro, é preciso conhecer como elas estão hoje, só assim será possível reinventá-las.

Dois jornalistas da revista Época SP mudaram-se para o centro da paulicéia durante um mês. Irão conhecer a vida e o cotidiano da região mais movimentada da cidade, mas onde poucas pessoas moram. Nas palavras de Camilo Vannuchi:

Hoje saí para explorar o pedaço. Quer dizer… não cheguei exatamente a sair. Optei por começar explorando nosso prédio.Toda boa exploração deveria seguir esse caminho, do mais perto pro mais longe. Tem tanta gente especialista em grandes questões nacionais que não conhece direito sequer seu bairro, sua rua, seu prédio… Eu, pessoalmente, defendo que é na cidade que a gente vive, muito mais do que no “país”, e, por isso, se a gente cuidasse com mais carinho da nossa vizinhança, daríamos uma bela contribuição para a cidadania e para o futuro da nossa cidade.

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Mais espaço para a circulação

A Companhia de Engenharia de Tráfego em São Paulo restringiu o estacionamento de automóveis no bairro de Moema em São Paulo. De um lado de diversas vias não é mais permitido estacionar, e no lado oposto o estacionamento passa a ser pago, em sistema rotativo. Houveram protestos, mas os cálculos comprovam que a rotatividade é boa e que os impactos na circulação viária tende a melhorar.

Mas um ciclista mostrou o antes e depois para quem pedala. Menos conflitos e mais espaço para a bicicleta.

O que alguns veem como perda, para outros são ganhos. Ao final, a tendência é que mesmo os que se sentiram prejudicados, sintam que os benefícios foram maiores.

Veja a postagem original no blog do Ecologia Urbana.

Mobilidade urbana, um direito básico

Foi somente no século XX que as cidades perderam seu caráter de acomodar com segurança uma diversidade de meios de deslocamento. Nas palavras do historiador Peter D. Norton em seu livro “Fighting Traffic”:

Antes que as cidades norte americanas pudessem ser fisicamente reconstruídas para acomodar automóveis, as ruas tiveram de ser reconstruídas socialmente como espaços nos quais o carro pudesse ser aceito. Até então, as ruas eram consideradas espaços públicos onde condutas que pudessem colocar em risco ou obstruir os outros (inclusive os pedestres) eram consideradas desrespeitosas. O direito dos motoristas era portanto frágil, sujeito a restrições que inviabilizavam as vantagens de ter um carro.

Ruas como espaço para o fluxo motorizado são uma construção subjetiva do século XX, algo perfeitamente reconfigurável dentro de um novo conceito político que se desenha no século XXI. Esse redesenho de nossas cidades tem de ser portanto construído antes de tudo nas mentes antes de se materializar fisicamente.

Essa reconfiguração mental passa por enxergar para além da forma atual das cidades e seus usos. Medidas de incentivo e valorização de pedestres e ciclistas são o caminho, mas não existe um roteiro definido. Apenas diversos primeiros passos que busquem deixar claro que cidades são para pessoas e qualquer objeto ou estrutura física serão sempre coadjuvantes.

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