Primeiros passos na rua

Há para quem nunca antes existiu, novidade em cada metro de calçada. Passear na rua com uma criança de colo que começa a dar os primeiros passos é das mais renovadoras experiências urbanas.

Primeiro uma forte dose de medo da imprudência alheia. Uma entrada de garagem para um motorista apressado representa um risco, a mão adulta que ajuda a firmar os passos é também a que restringe o rumo em direção ao outro lado. A cratera mortal por onde circulam as carruagens de aço é invisível aos olhos da pureza infantil. Resta ao adulto dilapidar seus medos e conduzir a aventura.

Feito de metal, meio frio, com algo fixo lá no alto esse é o poste com uma placa com as regras de estacionamento. É grande e se estende mais alto do que qualquer outro ser humano vivo. Vale uma pausa para contemplação.

Nas calçadas entre a rua e os prédios, tem existem também misteriosos objetos feitos de trama de ferro. Vazios são simplesmente misteriosos, mas em determinados horários são receptáculos mágicos onde se coloca o lixo. Um portal transdimensional das ilusões humanas quanto ao destino de seus resíduos. Objetivamente é sujo, para uma criança é fixo e parece flutuar no ar.

Isolada por um degrau que surge quase do nada mora a dona árvore. Um ser vivo que desperta curiosidade para quem nasceu em meio ao mundo criado e manipulado por forças humanas. O tronco firme e rugoso merece o toque, mas a falta de intimidade não convida ao abraço.

Do outro lado da rua caminha um cão, com coleira e um homem que o guia. Não existe homem, não existe rua e o vale da morte que ela representa, há apenas um cachorro que é digno de ser apontado e atraente para que se queira mudar de calçada. Tudo para e logo surge outro ser peludo, quatro patas no chão e bem pertinho.

Outra lixeira, mesma curiosidade. Outro poste, deslumbramento. O mundo inteiro construído está ainda por ser descoberto. Cada passo dado na cidade por uma criança fornece a dimensão dos erros cometidos e concede uma pequena dose de esperança quanto as possibilidades do nosso futuro urbano.

Fossem delas essas ruas, não seriam cobertas de ladrinhos, apenas livres para traçar caminhos erráticos, sem linhas retas e com o rumo único das descobertas.

Copacabana, bairro modelo

Foto: Jéssica Martineli

Foto: Jéssica Martineli

Copacabana hoje oferece a oportunidade de se circular por todo o bairro em vias preferenciais para bicicletas. Foi uma longa pedalada. Tudo começou com as ciclovias da Orla no inicio dos anos 1990, na metade da década, vieram as ligações com Botafogo e Ipanema, em 2008 chegaram as primeiras Zona 30 da cidade em 33 ruas, todas as secundárias, no mesmo ano chegavam as primeiras estações de bicicletas públicas do Hemisfério Sul, eram apenas 6.

Atualmente, além das Zona 30 com sinalização vertical e horizontal, existem bike boxes em todos os cruzamentos com as vias principais, destas seis contam com ciclovias ou faixas, sendo uma das mais importantes a ligação Orla – Botafogo via Figueiredo Magalhães.

São ainda mais de 100 vagas em bicicletários U invertido espalhados pelo bairro, 18 estações de bicicletas públicas e 10 lojas de bicicletas para atender as necessidades dos ciclistas. Infraestrutura que se soma à integração com Metrô, em bicicletários internos em algumas estações e percursos praticamente 100% planos.

Certamente a densidade de moradias, empresas e serviços incentivam mais viagens em bicicleta. Tanto que é um bairro campeão na ciclo logística. Pesquisa feita em 2011 revelou mais de 11 mil entregas por dias feitas em bicicletas no bairro, isso somado a todos os deslocamentos por este modal fazem de Copacabana um bairro das Bicicletas.

História de Copacabana e as bicicletas

A história do bairro nos últimos anos, e as facilidades para a circulação cicloviárias foram um caminho pedalado através de diversas ações e principalmente com muita visibilidade dada a quem sempre pedalou na região. As Zona 30 por exemplo é quase uma ópera em 7 atos. Mas algo ainda mais fundamental para que hoje Copacabana seja um bairro com um número alto de viagens é bicicleta são as contagens. Foram 10 oportunidades em que foi possível primeiro comprovar o fluxo ciclístico e aos poucos atestar a relevância de investir no modal como solução para a mobilidade.

História das Zona 30 Copacabana: 

As contagens que deram suporte e foram a base de dados sobre o bairro:

  1. Cantagalo 1 – Quarta feira, 9 de julho de 2008.
  2. Cantagalo 2 – Quinta feira, 18 de agosto de 2011.
  3. Rodolfo Dantas 1 – Quinta feira, 4 de junho de 2009.
  4. Rodolfo Dantas 2 – Quinta feira, 5 de novembro de 2009.
  5. Túnel Velho – Quarta feira, 11 de março de 2009.
  6. Figueiredo de Magalhães 1 – Quinta feira, 2 de julho de 2009.
  7. Figueiredo de Magalhães 2 – Quarta-feira, 20 de março de 2013.
  8. Real Grandeza – Dias 7, 8 e 9 de junho de 2010.
  9. Carga e Entregas – Janeiro de 2011
  10. Bicicletas estacionadas – Dezembro de 2011.

Pra ficar perfeito, só falta a ligação com a Lagoa via Corte Cantagalo (palco das primeiras contagens) e maior educação por parte dos motoristas!

Impasses do Passe Livre

Cidades são colméias humanas. Confinadas, as abelhas bípedes sem asas se batem e debatem, disputam o espaço restrito entre o asfalto, o concreto e o aço. Algumas reivindicações de mudanças precisam das ruas para estabelecer o diálogo com esferas de comando e até mesmo com a comunidade ao redor.

O movimento Passe Livre (MPL) persistiu em sua luta apesar das balas de borracha, armas químicas e a truculência policial e deixou uma marca indelével na história no ano de 2013. Muitos passos foram dados desde então. Principalmente nas ruas, que foram um excelente palco de protestos e apoios democráticos durante o período eleitoral em 2014. Grandes concentrações de pessoas foram a demonstração de força em praça pública, o transbordamento do ativismo eleitoral virtual para as ruas. Passada a euforia eleitoral, e suas eventuais ressacas, menos do diálogo político tomou as ruas.

Estopim para novos protestos, um novo aumento das passagens do transporte público foi decretado logo no início de 2015. A vitória contra os 0,20 centavos de 2013 certamente ainda ressoa entre os ativistas do MPL. Mas agora outras narrativas foram construídas. Nenhum líder político será novamente apanhado de surpresa e atropelado pela voz das ruas. Justamente para evitar tais consequências a administração municipal de São Paulo anunciou, juntamente com o aumento, a concessão de “passe livre” para estudantes e outros benefícios tarifários.

Nas ruas as passeatas contam com enorme reforço de policiamento e não sofreram com a escalada de truculência e violência de 2013. Foi justamente a opressão policial que catapultou as jornadas de junho para os livros de história contemporânea. Nenhum líder errará duas vezes o mesmo erro. É a violência contra manifestantes pacíficos que repercute nas redes sociais, nos jornais e portais de internet. Manifestações pacíficas não geram interesse para serem assunto de capa.

A rua como palco da violência

Passeatas com pessoas caminhando em horário de rush por avenidas congestionadas são a retomada do espaço de circulação e também um choque direto nos interesses de quem circula pela cidade. Penaliza quem depende do transporte público e ofende quem só aceita ficar parado no próprio carro, cercado de outas carruagens motorizadas por todos os lados.

Trata-se de diálogo que se dá pela disputa tradicional de poder, uma queda de braço. Feito em público, o confronto mudou de panorama e agora carece de novidades. Ativismo e mobilização social requerem rever estratégias. Por hora quem mudou de abordagem foram os líderes políticos que tem conseguido manter sob controle um número constante de pessoas engajadas nas caminhadas do MPL.

A voz das ruas Vs. Institucionalização

O ativismo que nasce no espaço público invarialmente se confronta com o impasse entre o prazer de retomar as ruas em nome de uma causa e a própria causa. A bicicletada sofreu com esse impasse e hoje seus participantes mais notórios optaram pelo trabalho mais institucional. O prazer de pedalar segue no cotidiano, mas o ativismo enquadrou-se mais através das instituições.

A notoriedade do MPL coloca o ativismo do movimento diante do confronto óbvio de atores políticos mais maduros e dentro de gabinetes que reorientam narrativas para não serem atropelados novamente pela marcha da história. Em um país ainda desacostumado com a democracia e o respeito aos direitos humanos e à livre manifestação, a queda de braço entre as posições claras (e radicais) do movimento Passe Livre e a inteligência institucional dos governantes é uma novela para ser acompanhada de perto.

Existe uma simbiose entre o confronto nas ruas que rende manchetes e o crescimento da adesão aos protestos em 2013. Em 2015 a repressão continua, mas a brutalidade tem sido menor. Impressiona apenas o número constante de pessoas presentes aos atos, mas o dilema é o que acontecerá se esse número não crescer e com isso tornar capaz de vencer a queda de braço contra o poder instituído.

Por hora ainda predomina nos meios de comunicação a narrativa de que o confronto parte do MPL e/ou dos integrantes da passeata. Ainda que nas ruas a quebra da ordem em geral seja decorrência da ação policial desastrosa, são os fatos publicados que contam. Em 2013 eles contaram uma história que garantiu mobilização exponencial e a vitória contra os 0,20 centavos, que logo virou uma sinfonia desafinada de reivindicações confusas. Fica portanto a pergunta em relação aos próximos protestos:

– Com as mesmas táticas de junho de 2013, amanhã vai ser maior?

Saiba mais:

Dezoito meses após junho de 2013, PM ainda não sabe lidar com protestos
A Polícia Interditou o Metrô Faria Lima Para Evitar que Manifestantes Interditassem o Metrô Faria Lima
Grupo entra em confronto com PM no metrô ao final de ato contra tarifa
Violência policial e tortura nas prisões são principais violações no Brasil

O contador automático de bicicletas

contador-de-ciclistas-automatico

Contar ciclistas nas ruas sempre foi um prazer e com as contagens fotográficas passou a ser também um caminho para promover a bicicleta junto ao poder público. Com as fotos para comprovar o fluxo de ciclistas, ficava mais fácil demonstrar aos técnicos da administração municipal o fluxo cicloviário em uma determinada via.

Foi em 2007, durante o Velo-City Munique que conhecemos (e nos apaixonamos) por um aparelho que conta automaticamente o fluxo de bicicletas em um determinado local. Em 2014 fizemos uma parceria com os representantes no Brasil e pudemos testar o funcionamento nas vias de Copacabana. Finalmente em 2015 recebemos como doação do Itaú o contador de bicicletas.

Testado in loco (como mostra a foto deste post), o contador transmite os dados em tempo real via Bluetooth para o notebook. Ou pode simplesmente ficar lacrado na caixa computando ciclistas e mais tarde enviar os dados finais.

Ao conhecer o fluxo de bicicletas em determinadas vias (e ciclovias), será possível entender e mensurar os impactos da infraestrutura cicloviária (ou a falta dela) no número de ciclistas em circulação. Munidos de dados, é sempre mais simples incidir junto à prefeitura do Rio para que possa agir para atender os melhores interesses de quem pedala. O objetivo afinal é valorizar os atuais ciclistas e atrair mais pessoas para optarem pelas magrelas em seus deslocamentos cotidianos.

Saiba mais:

Manual de contagem fotográfica de ciclistas
Contagem automática e fotográfica de ciclistas em Copacabana

Mapeamento ativo das cidades

Mapa Consolidado de São Paulo - Código Urbano

Mapa Consolidado de São Paulo – Código Urbano

O esforço de conhecer e melhorar as cidades tem grandes aliados ainda pouco explorados. Um deles certamente é o mapeamento colaborativo. Para além do aspectos técnicos de como realizar o levantamento de dados e a compilação deles no Open Street Maps (OSM), um aspecto fundamental está no prazer de somar-se a um esforço coletivo global de milhões de pessoas em mapear o planeta.

Organizada pela Código Urbano, a primeira maratona de mapeamento de infraestrutura cicloviária da cidade de São Paulo (Mapatona) aconteceu em 18 de janeiro de 2015. Como era de se esperar, estavam presentes quem pedala por prazer, esporte ou que nem ao menos pedala, mas quer uma cidade mais amigável à bicicleta.

Como bem ressalta a equipe da Código Urbano, dentro do processo de mapeamento oficial da infraestrutura cicloviária de cidade, houve progresso. Um mapa de ciclorrotas chegou a ser feito, com base em um levantamento de caminhos cicláveis, alguns deles tendo inclusive sido sinalizados. O problema é que esse conhecimento não pôde ser usado em outras plataformas além do papel, ou um arquivo fechado em formato PDF. Atualmente o que se tem consolidado para a circulação de bicicletas está organizado na plataforma Google, um dado público entregue a uma empresa privada, mas ainda assim visualizável e editável de maneira mais fácil.

Um mapeamento mais completo capaz de corrigir distorções só é possível de ser feito através de uma comunidade de pessoas engajada e comprometida. Foi essa primeira pedalada dada na Mapatona.

Nas ciclovias de São Paulo, por exemplo, é possível pensar em identificar quais são as vias de mão dupla e quais não são, uma informação básica, mas que não está disponível no mapa oficial. Ou ter um mapa dos buracos e obstáculos, facilitando para o próprio poder público a identificação dos trechos que precisam de reparos e melhorias. Ou identificar subidas.

É hora de aproveitar o momento de abertura da administração municipal, consolidar o que já foi feito, cobrar melhorias, trazer um diagnóstico da cidade da perspectiva de quem pedala. Um intercâmbio entre as ruas e os gabinetes através de um esforço público. Transparência é o conceito chave e o primeiro passo é ter os dados expostos para quem tiver interesse em conhecer.

São provocações e pressões ativas na melhoria institucional dos órgãos de execução e gestão do poder público através de uma sociedade civil que zela e defende seus interesses dentro de um modelo de participação cidadã do século XXI.

Ações individuais são fundamentais, mas sem o amparo de um pensamento e engajamento coletivo, os esforços individuais tendem a se transformar em disputas destrutivas. A colaboração transparente de diversos atores é portanto a base de uma nova e necessária democracia. Em tempos de crise de representatividade, é preciso deixar de lado os líderes mágicos e agregar esforço para fortalecer instituições. Justamente por isso, o fortalecimento de uma plataforma de mapeamento é portanto um esforço de consolidação democrática do Brasil.

Para conhecer mais:

Vale conhecer antes de mais nada o site da Código Urbano e também as iniciativas presentes na Mapatona: HackAgendaPedalaSampaCiclocidadeMobilizeBicidade; Transporte Ativo; e BikeIT!.

Dos projetos dos próprios participantes, destaque para o BikeIIT! e os mapas colaborativos da Transporte Ativo. Vale destacar ainda outras iniciativas interessantes de mapeamento: Wheelmap.org; Cyclestreets.net; Ridethecity.com; Mapazonia.org e Grelhas Assassinas em São Paulo.

Como colaborar no mapeamento da sua cidade

Para além da fronteira municipal da paulicéia pedalável, a contribuição ao mapeamento colaborativo pode ser feita em qualquer local do planeta. Cidade, campo, bairros consolidados ou comunidades precárias.

A receita de bolo é, não necessarimente nessa ordem, ou em qualquer ordem de acontecimentos:

  • fazer um cadastro no Open Street Maps,
  • consultar a plataforma Wiki, em especial o conteúdo sobre bicicletas
  • Traduzir os textos do Inglês na página Wiki do OSM (?)
  • Editar o mapa para incluir o que falta,
  • Sair a campo para refazer traçados (?)
  • Fazer um levantamento fotográfico colaborativo através do Mapillary.

Como grande vantagem em qualquer plataforma colaborativa, está o fato de que toda contribuição, por menor que seja, é relevante.

Um pequeno exemplo do potencial de um cidade mapeada por ciclistas

Toda reivindicação em relação ao poder público ganha força com o uso de imagens. A solução encontrada para o estacionamento de ambulâncias de um hospital privado no espaço público das ruas foi certamente inadequada para o melhor interesse dos ciclistas.

mapillary-ambulancia-ciclofaixa-sp_jglacerda

Ainda assim, é possível também inspirar o mundo através de um passeio em bicicleta.

mapillary-aterro-nighto

Façamos o mapeamento, por cada vez mais infraestrutura de qualidade com mais pessoas em bicicleta mais vezes.