Por mais afeto nas ruas

Houve um tempo em que as pessoas estavam acima das máquinas nas cidades.

Ao que tudo indica, depois de décadas desumanas nas ruas há um pouco de amor que se prolifera no leito do asfalto e em todos os intervalos entre o concreto dos prédios, viadutos e túneis.

É preciso um olhar atento para descobrir por onde caminha subversão urbana em curso. Quem prestar atenção irá ver ela vem através do amor pela bicicleta.

Em cidades desumanas é preciso uma máquina para explorar as rachaduras de um ambiente construído para veículos motorizados. Confinados e desvalorizados, os cidadãos que por ventura estejam a pé carecem de união pela paixão de caminhar para unirem-se na transformação urbana que lhes seria benéfica.

Certamente a desvalorização ampla do caminhar impôs uma estrutura urbana que é simplesmente inviável para o pedestrianismo. Por conta disso, a bicicleta tornou-se o veículo perfeito para defender a humanização de espaços urbanos. Só um veículo industrial que potencializa a força humana seria capaz de quebrar resistências e encurtar distâncias. Distâncias que foram pensadas para serem percorridas por pessoas em máquinas transformaram em desnecessário o esforço humano.

De zero ao próximo semáforo vermelho em poucos segundos é a rotina de desamor que se acostumaram os habitantes das cidades. Pela força nada irá convencer um condutor de um motorizado a mudar de atitude ou se quer rever comportamentos. Mas a suprema ironia da eficiente bicicleta em meio aos excessos do congestionamento é mensagem clara, que mesmo assim não basta. Uma única bicicleta circulando em meio ao trânsito motorizado é a imagem de um cidadão fora do contexto social vigente.

Pela necessidade de serem o trânsito que nasceu o movimento da Massa Crítica e das bicicletadas. Foi o momento em que paixão pela bicicleta começou a se misturar com ativismo político em prol da bicicleta. Muitos queriam apenas pedalar, outros já viam o potencial político transformador que a bicicleta imprimia nas cidades em seu simples girar pelas ruas. A mistura entre amantes de um objeto e ativistas é capaz de levar a transformação urbana até certo ponto.

A partir de determinados obstáculos, não é mais possível apenas unir-se em bando e pedalar tranquilo entre amigos. É preciso influir diretamente na organização espacial das cidades. Uma atuação política real que represente de maneira clara para todas as pessoas da cidade a real função da bicicleta. Que a torne mais que um objeto, uma ferramenta de subversão urbana capaz de simplesmente colocar os deslocamentos em função das pessoas em detrimento das máquinas.

Quando a bicicleta se torna uma opção para todos, a infraestrutura urbana tende a se comprimir para uma escala mais humana e as distâncias podem ser percorridas de diversas maneiras. O veículo motorizado particular deixa portanto de ser a opção mais encorajada e torna-se apenas mais uma.

Viveremos para ver e celebraremos.

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Ciclovia no centro do Rio – Foto: Studio-X Rio

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